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Entrevistas

A lição do medo

Especialista revela como esse sentimento tão comum pode atrapalhar o rendimento dos alunos ou destruir a carreira de um bom professor

Publicado em 10/09/2011

por Redação revista Educação




Cristiana Couto



Consultor e mestre em psicologia social na área empresarial, o terapeuta Roberto Ziemer se deu uma missão na vida: libertar as pessoas do medo. “O medo aborta o crescimento tanto das pessoas quanto das instituições”, explica. Em suas consultorias, palestras e seminários, Ziemer utiliza a metodologia dos sete estágios de consciência, um modelo de como o ser humano funciona.

Segundo ele, essa mesma metodologia deveria ser aplicada, como tem acontecido nos EUA, também nos estabelecimentos de ensino do Brasil. “A escola precisa entender que o crescimento pessoal do professor é tão importante quanto o profissional”, provoca. A partir do mapeamento dos valores atuais da escola e daqueles buscados por ela, Ziemer e o consultor americano Richard Barrett, que aperfeiçoou o modelo, criam um programa para mudar a mentalidade de professores e funcionários. “Isso se reflete em todos os campos: nos relacionamentos, no nível operacional, na estrutura, na filosofia da escola”, explica.

A seguir, acompanhe a entrevista com o especialista, que é também autor dos livros
Do Medo à Confiança: Como Realizar seu Projeto de Vida

(Gente, 216 págs., fora de catálogo), e
Mitos Organizacionais: O Poder Invisível na Vida das Empresas

(Atlas, 160 págs., R$ 33), além de coordenador do Instituto de Psicohistória no Brasil e professor da Associação Palas Athena de São Paulo.






Revista Educação – O medo não é uma reação biológica, de defesa?




Roberto Ziemer –




Há o medo como reação neurológica, quando se está diante de uma situação de ameaça real, como a de ser atacado. Nesse caso, o corpo reage natural e automaticamente para se defender ou fugir. Mas esse tipo de reação pode ser ativada por uma interpretação do que está acontecendo, que pode ser falsa. Esse mecanismo de fugir-lutar foi muito importante na evolução do ser humano, mas, hoje em dia, há poucas situações de ameaça real. A maioria delas é de origem psicológica, vêm de uma interpretação. Por exemplo, a chegada de um professor novo e competente e que você acredita que possa tomar seu lugar. No momento em que essas situações são vistas como ameaçadoras, a parte do cérebro que comanda a reação fugir-lutar é ativada, e esse mecanismo começa a funcionar independentemente do fato de haver uma ameaça real. Isso significa que uma pessoa que tem muito medo da vida e dos outros acessa esse mecanismo o tempo todo. Como ele libera adrenalina, o indivíduo a tem constantemente, e está o tempo todo pronto para fugir. Mas ele está imóvel, e isso gera estresse, traduzido em problemas psicossomáticos, como úlceras e insônias.







Quais as conseqüências do medo em adultos e crianças?






Medo é um sintoma que aparece com a perda da confiança. As pessoas nascem confiantes e, com o tempo, esse sentimento vai sendo abalado por vários fatos da vida. Uma das conseqüências é a ação reativa: a pessoa reage a uma situação de acordo com o passado, e não com relação ao fato presente. É uma reação de adaptação em cima de um histórico. Outro aspecto é o egoísmo. No caso de uma criança com medo, que não sabe lidar com isso ou que está passando por uma situação ameaçadora – como pais que brigam muito ou que estão se divorciando, por exemplo -, a conseqüência é concreta: na escola, manifesta-se com a perda da atenção. A criança fica ausente em sala de aula, pois sua atenção está em tentar resolver o problema doméstico. Mas nem sempre a criança responde ou reage efetivamente a esse medo, e muitos professores acham que é um estado natural, que a criança apenas não está interessada na matéria. Ou que o problema tem a ver com o estilo dele de dar aulas, sua competência como docente.







Aí estamos falando do medo do professor. Quais são os mais freqüentes?






Um deles é a questão da sobrevivência. Quando o professor ganha um salário baixo, fica preocupado com sua subsistência e faz de tudo para não perder o emprego. O outro é o de relacionamento: o professor tem necessidade de ser gostado pela classe, ser aceito por seus pares, o que faz com que abra mão de sua autenticidade. Nesse caso, ele pode, por exemplo, fazer o que a classe deseja ou deixar de comunicar à diretoria algo importante, com receio de não ser gostado pelos alunos. O terceiro medo é o da auto-estima: às vezes, ela não é muito desenvolvida, o que traz um sentimento de inferioridade. O professor tenta compensar isso usando sua posição para sentir-se mais valorizado ou tenta impor o seu estilo.







Isso significa fazer terapia, não?






Não só, existem outros caminhos.







No caso do professor, quais são esses caminhos?






O mesmo para as outras pessoas: a primeira coisa é tentar entender que situações geram medo. Depois, mapear esses medos e começar a olhar para eles no dia-a-dia, percebendo de que forma eles aparecem – se como danos físicos, mentais ou emocionais. O segundo passo é assumir responsabilidade pela própria vida, sem procurar culpados. O terceiro é procurar identificar qual é a sua missão, sua visão e seus valores. Isso gera confiança. Enquanto o professor viver com medo, ficará à mercê de reações automáticas, que chamamos de reativas, e só sairá deste círculo quando começar a transformar. Transformação significa ir do medo à confiança, mas é claro que é necessário ter uma orientação.







Como isso poderia ser feito na escola?






A escola precisa entender que o crescimento pessoal do professor é tão importante quanto o profissional. É claro que treinamentos são importantes, mas dar suporte ao professor para que ele se torne uma pessoa melhor é, talvez, mais ainda. Principalmente por um fator que não está sendo levado em consideração: a família, hoje em dia, tem menos força, está mais desagregada. A criança ou o jovem buscam outra referência, que é a escola. O ideal é que essa referência – no caso, o professor – tenha clareza, integridade e presença em sala de aula, que mostre à criança como é ser um ser humano. Mas, muitas vezes, o professor está na sala de aula para dar uma matéria, sem perceber que é uma referência para o aluno. Se essa criança, que já não tem bons modelos em casa, não encontrá-lo na escola, vai se desiludir com o mundo dos adultos e, mais tarde, terá dificuldades em inserir-se na sociedade. Assim, o professor tem um papel fundamental, que é o de “ser humano”, o de conseguir integrar seus níveis mental, físico, emocional e espiritual. Quando a criança percebe esses quatro níveis em um adulto, utiliza isso como uma referência positiva e cria um caminho de desenvolvimento muito mais fácil.







Quais são os 7 níveis de consciência?






Esse é o modelo de como o ser humano funciona, criado pelo psicólogo norte-americano Abraham Maslow, nas décadas de 60 e 70, e refinado pelo consultor Richard Barret, que represento aqui no Brasil. Funciona assim: as pessoas têm possibilidade de ativar sete níveis de consciência, mas a maioria só utiliza os três primeiros, ligados às necessidades básicas. Já falamos sobre eles: sobrevivência, relacionamento e auto-estima, todos muito influenciados pelo medo. Do quarto nível em diante, o medo já não é uma ameaça, e os níveis de confiança aumentam: é o auto-conhecimento. O quarto nível é o da transformação, do medo à confiança. Ele pode ser alcançado por dois caminhos: através do auto-conhecimento ou por uma crise, na qual a pessoa reavalia sua vida e decide mudá-la. O nível cinco é o da coesão interna, quando a pessoa começa a alinhar quem ela é, fala e pensa com aquilo que faz. Nesse nível, quase não há conflitos. O nível seis é o da inclusão, quando ela começa a preocupar-se com a comunidade e descobre o seu papel no mundo. Já no sétimo nível o indivíduo está disponível para servir à escola, à comunidade, e seu ângulo de ação é o da consciência global.







Como o medo infantil se manifesta na escola?






Há duas reações: ou a criança se isola, se distancia, ou se torna agressiva.







De que maneira ela vai ter a aprendizagem prejudicada?






O medo gera conflito e, além da falta de atenção, a criança perde energia. O resto é decorrência disso. Com o tempo, muito medo gera depressão, ela perde interesse pelos estudos, caindo ainda mais o nível de aprendizagem.







Qual deve ser a função da escola e do professor para minimizar o medo?






O sistema educacional no Brasil até o segundo grau [
ensino fundamental

] está muito focado no vestibular, que é apenas um momento da vida do aluno. E a escola, por pressão da família, entrou nesse jogo, de que a sua parte é preparar bem o aluno para esse momento. Mas a função da escola não é essa: é a de formar uma pessoa. E para isso é necessário não pressionar o aluno. A situação do vestibular, por outro lado, é cercada de pressão e do medo de não obter sucesso. Isso não favorece um ambiente em que a criança possa questionar, pesquisar, e no qual o professor possa oferecer uma visão ampla do ser humano, trazendo para a escola questões filosóficas, morais, cívicas. Se a criança discute as questões mais importantes da vida, se ela encontra apoio no professor para trocar idéias, ela ganha segurança para a vida inteira. Mas isso só pode ser feito sem pressão, sem o vestibular no fim da linha. É preciso fazer com que o ‘ser’ daquela criança desabroche em um ambiente que estimula a curiosidade, a criatividade, com o professor sendo um agente facilitador desse processo.







Por que um aluno inteligente, que sabe a matéria, às vezes não consegue fazer o vestibular? É conseqüência do medo?






É o medo, mas gerado pelo o crítico interno. Há alunos que têm um crítico interno forte, por terem pais muito exigentes. No momento em que eles precisam fazer o exame, esse crítico aparece com toda a força e os bloqueia, e eles não conseguem expressar seu conhecimento.







Há conseqüências ainda maiores por conta do déficit de aprendizagem?






Tem gente que diz não gostar de ler. Na verdade, na fase de aprender a ler e escrever, essa pessoa passou por um estresse muito grande, não teve atenção suficiente e, então, julgou-se burra ou incapaz de acompanhar os colegas. Daí, posicionou-se como alguém que não serve para estudar e, portanto, não gosta de ler.







Sua consultoria pode ser aplicada também em escolas?






Sem dúvida. A idéia é aplicá-la também nas escolas, pois elas são instituições e têm objetivos, alguns deles, financeiros. A escola precisa ter um bom relacionamento com seus clientes, que são os alunos e seus pais, ter bons métodos de ensino, qualidade, e ser inovadora, para ter um produto mais criativo. Também é necessário que ela tenha uma cultura forte, de clareza sobre seus valores. Quando todas as pessoas que trabalham na escola sabem que valores são importantes, elas se aliam a eles e isso aumenta a eficiência e a cooperação entre elas. Depois, em um estágio mais avançado (os níveis seis e sete de consciência sobre os quais falamos), ajudamos várias escolas a trabalharem de forma sinérgica, trocando experiências, modelos de ensino e até professores.







Como isso é feito?






Assim como medimos a cultura de uma instituição, medimos a da escola, buscando quais os valores atuais e os desejados por ela. Uma parte desse diagnóstico é feita por Barrett pela internet, através do preenchimento de formulários. Ele faz a avaliação dos resultados, eu apresento para a escola e, a partir daí, criamos um programa para mudar a mentalidade dos que trabalham nela. Isso se reflete em todos os campos: nos relacionamentos, no nível operacional, na estrutura, na filosofia da escola.



Autor

Redação revista Educação


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