NOTÍCIA
O Ensino a Distância já é majoritário entre os novos licenciados em pedagogia e professores das primeiras etapas da educação mas ainda não vem acompanhado de avaliação aprofundada sobre o perfil dos educadores que estão sendo formados
O Brasil forma, atualmente, mais professores para a educação infantil e para o fundamental 1 pela via do Ensino a Distância (EAD) do que pela educação presencial. Dos 118.376 estudantes que concluíram essas habilitações em 2009, 65.354 (55%) graduaram-se por EAD, contra 52.842 (45%) egressos da educação presencial, de acordo com números do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Esse resultado é inédito e confirma uma tendência já evidenciada na série histórica iniciada em 2005. Daquele ano até 2009, a quantidade de concluintes pelo modelo presencial decresceu, ano a ano, com queda de quase 50% no período (de 103.626 para 52.842). Ao mesmo tempo, a quantidade de formados por EAD cresceu, aproximadamente, 464% (de 11.576 para 65.354).
Também no que diz respeito à quantidade de docentes em exercício na Educação Básica que estavam matriculados em cursos de pedagogia, aqueles oriundos da formação a distância eram maioria em 2009, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). Das 192.965 matrículas, 60% eram em EAD. Em outras licenciaturas, letras, matemática, história, a lógica se inverte. Porém, a diferença a favor do presencial varia caso a caso e, em muitos deles, é inexpressiva.
Em números absolutos, o ensino presencial responde pela maioria dos docentes, mas em termos percentuais, ou seja, como tendência, EAD cresce mais. Entre 2000 e 2009, licenciaturas nesse segmento saíram de 1.682 matrículas para 427.730. No presencial, foram de 836.154 para 978.061. Expansão entre 2000 e 2004 e retração de 2005 a 2009.
Outro dado relevante refere-se à evasão (ao analisar a quantidade das matrículas e o número de concluintes). Com base nos dados de 2009, em EAD, 20% dos matriculados se formaram (88.194). No presencial foram 19% (188.807). Os dados de formados se referem aos ingressantes de quatro anos antes.
Universo pantanoso
O fato de termos mais pedagogos e substancial quantidade de professores da Educação Básica graduados integralmente ou obtendo qualificação continuada, mestrado e doutorado a distância exige reflexão. Implica mensurar qual é o crescimento real desse ensino, especialmente, no tangente à licenciatura. Nem entidades civis nem o governo têm acompanhado com precisão essas modificações. Em termos de levantamento quantitativo educacional, relacionado aos docentes, as estatísticas não se consolidam numa instância única. Os estudantes do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) e da Universidade Aberta do Brasil (UAB) são de responsabilidade da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Demais alunos, oriundos do setor particular, assim como egressos dos sistemas estaduais do Ensino Superior, são contabilizados pelo Inep. Cada um dos níveis executivos governamentais tem maneiras distintas de realizar suas verificações com questionários próprios, softwares exclusivos (como a plataforma Paulo Freire) e necessidades particulares de averiguação da informação. O MEC oferece tais dados, mas não há uma mensuração final dos resultados.
A expansão em EAD requer, ainda, verificar quais medidas são adotadas para adequá-la às necessidades dos alunos brasileiros, particularmente, àqueles na graduação, período educacional composto, em tese, por jovens (entre 18 e 24 anos de idade), sem experiência prévia de trabalho, muitas vezes, com formação precária no ensino fundamental. Neste cenário, surgem algumas perguntas: A educação a distância garante uma boa formação pedagógica desses alunos? O país está apto a adotá-la maciçamente como maneira de suprir a carência de professores? E esse professor terá qualidade para educar?
Colaboração
O Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão independente, com funções consultivas junto ao MEC emite desde 2008 pareceres ao Ministério para investir em EAD, para combater o déficit docente. Neste ano, o CNE, por meio de uma comissão bicameral, revê as diretrizes da formação de professores em nível superior para atuação na Educação Básica. O trabalho realizado por reuniões mensais entre sete conselheiros das Câmaras de Ensino Básico e Superior tem previsão de término no final de 2011, quando se emitirá um parecer sobre o assunto. O MEC poderá homologá-lo até maio de 2012.
A importância desse modelo de ensino, conferido pelo Conselho, é identificada em outra de suas ações, seu parecer para as novas Diretrizes Curriculares no Ensino Médio, proferido em abril último.
Para Clélia Brandão, presidente da Comissão Bicameral do CNE, o desenvolvimento de EAD na formação dos docentes ou no sistema de ensino é estratégico. “O país precisa para isso de investimento e planejamento integrados entre União, estados e municípios.”
Quando questionada sobre o acompanhamento tanto do professor em sala de aula quanto em seu período de graduação ou especialização, a conselheira diz não haver ferramentas para medir de forma garantida a aprendizagem dos profissionais formados pela via do EAD. “A qualidade precisa ser acompanhada por pais, gestores públicos, pela sociedade”, reforça. Ela lembra, porém, o fato de o Brasil ser federativo, com as secretarias de Educação tendo autonomia para avaliar o desempenho dos professores. “Não há como fazer uma determinação nacional daquilo que é específico de cada estado e município. Uma avaliação nacional nesse tema não sanaria deficiências”, enfatiza.
Daí, sua lembrança sobre a importância dos fóruns estaduais de educação. Na visão dela, locais mais indicados para o acompanhamento da oferta do ensino e qualidade profissional resultante dele. “Os fóruns são os espaços mais legítimos para começar a pensar no acompanhamento da qualidade profissional”, garante. Ela reforça a importância de tais acompanhamentos não serem provas nacionais, e sim instrumentos para resguardar a educação como direito de todos, e a aprendizagem como direito social. Tudo isso tendo em vista diferenças regionais, metas e objetivos planejados.
É desse trabalho de “colaboração” entre os entes federados que devem surgir os melhores instrumentos avaliativos. “Gestores universitários, professores, entre outros, precisam estar nesse processo”, defende. Ainda neste ano, o CNE promoverá o Seminário para a Avaliação do Desempenho na Educação Básica. A data ainda não foi definida.
A falta de supervisão sobre a qualidade do ensino oferecido aos professores foi um dos aspectos realçados por um estudo publicado pela Unesco em 2009. “Professores do Brasil: Impasses e desafios”, coordenado por Bernardete Gatti, da Fundação Carlos Chagas, indicou a incapacidade do governo na fiscalização dos cursos, entre outras conclusões.
Importação arriscada
A via de simplesmente adaptar o que já existe em outros países não é uma solução recomendada para dar o pontapé inicial a esse tipo de fiscalização. Isso porque há vários fatores bastante distintos daqueles que encontramos aqui. Na Finlândia, por exemplo, país que é referência mundial pela qualidade do sistema educacional, a formação docente é mais longa, com no mínimo cinco anos de duração. São atraídos à docência pela valorização profissional existente por lá. Por estatísticas do governo finlandês, a média inicial do salário do professor é de US$ 2.111,00. “Em função desse tipo de diferença entre os países, acho difícil utilizar qualquer modelo aplicado em outros lugares. Isso é tentar comparar coisas incomparáveis”, acredita Clélia.
Para a atual secretária de Educação do Distrito Federal, Regina Vinhaes Gracindo, um modelo d
e avaliação possível para a questão da qualidade do prof
essor baseia-se em três etapas: na verificação do credenciamento das instituições de ensino superior (locais de oferta dos cursos); nos concursos públicos (competências exigidas pelas secretarias de Educação); e no processo educativo das escolas. “De qualquer maneira, avaliação não deve ser planejada para a emissão de bônus. Não se trata de premiar ou castigar os avaliados, mas aprimorar o professor”, reflete.
No DF, há 28 mil professores no sistema educacional. Desses, mil não têm curso superior. Para modificar essa situação, foram desenvolvidos programas de capacitação para aprimorar as habilidades docentes. A secretária vê com ressalvas a expansão da EAD entre as licenciaturas. “É uma modalidade importante para a formação continuada, mas não para a inicial. Se possível, a primeira graduação deve ser presencial, seja qual for a licenciatura”, diz. O modelo presencial é mais completo por possibilitar maior socialização, estimulando o processo cognitivo e a aprendizagem coletiva, relações menos intensas em EAD, pondera.
Pesquisas sobre o perfil do estudante nas licenciaturas em EAD, no Brasil, são feitas, em grande parte, por universidades particulares ou por pós-graduandos dedicados ao tema. Porém, não há material de investigação acadêmica (ou do governo) conclusivo sobre o perfil desse aluno. Um dos fatores para isso é o crescimento recente da modalidade e o pouco tempo de prática em sala de aula dos formandos. Algumas características dos estudantes que aderem a ela, no entanto, são comuns entre os alunos de licenciaturas e aqueles de outras áreas.
Dificuldades
“No Brasil, EAD se impõe como necessidade, como ocorreu em muitos países”, assegura João Carlos Teatini, diretor de Ensino a Distância da Capes. Essa “necessidade” fundamenta-se, entre outros aspectos, pela dimensão continental do território e pela carência financeira de grande parte da população.
No âmbito das licenciaturas, Teatini indica a alta carga horária do professor em exercício como elemento complicador para aperfeiçoamento em cursos presenciais. “Eles enfrentam dificuldades enormes de deslocamento. Não têm tempo para se qualificar. Essa realidade existe nas metrópoles ou cidades afastadas dos centros urbanos.” Esse seria um dos “fortíssimos” motivos à aplicação de EAD no aprimoramento do docente.
A Capes é a instância responsável pela UAB, iniciativa do governo federal de fomento à modalidade. Suas graduações, basicamente, destinam-se às licenciaturas, para capacitar o professor da Educação Básica, em municípios do interior sem oferta de educação superior pública. Outra ação do governo, o Parfor, está sob a alçada da Capes. Por isso, a posição de Teatini no órgão coloca-o no centro do debate sobre as licenciaturas. Ciente de seu papel, alerta: “Do ponto de vista cronológico, estamos 40 anos atrasados em política pública para EAD ao nos compararmos a outros países” (ver texto na página 32). Nesse hiato, ocorreu um crescimento desenfreado das instituições de ensino superior particulares. Dos atuais professores da Educação Básica, 75% são egressos dessas instituições. “Um dos esforços do governo é conscientizar instituições superiores públicas para se voltarem às licenciaturas, como já fizeram no passado”, enfatiza.
Antes de apontar para um problema específico da modalidade a distância, Heleno Araújo, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), introduz o tema com a ressalva de que os investimentos em educação são pequenos e que duplicá-los seria o primeiro passo para melhorar a formação.
Lembra, ainda, a urgência de verificar como o governo deseja informatizar as escolas. “Muitas delas sofrem com falta de energia. Em vários casos, a rede elétrica não comporta o computador e, às vezes, por falta de segurança, o computador, lá instalado, é roubado. Estamos longe do uso da tecnologia na perspectiva como se coloca em EAD.”
Acesso remoto
A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) também destaca a necessidade de observar aspectos de infraestrutura para que o ensino a distância possa cumprir seu papel. “Precisamos oferecer banda larga de qualidade nos estados”, pondera Cleuza Repulho, presidente da Undime, para quem as dimensões continentais do Brasil favorecem a modalidade.
Ao exemplificar seu argumento, ela lembra diálogo com representantes educacionais de Abaetetuba (PA), onde se leva, segundo relatos, 15 dias para visitar todas as escolas da área. “A dificuldade deles é imensa. Vamos desconsiderar esses alunos? Esses professores? Ou as universidades se disporão a ir até os lugares mais remotos?”, pergunta.
Apesar de dificuldades técnicas para utilização da internet, o Brasil é o quinto maior país do mundo em conexão à web. E mais: por projeções do Centro de Tecnologia da Fundação Getulio Vargas, até 2012 teremos um computador para cada dois habitantes. Atualmente, há 85 milhões de computadores em uso.
A despeito de ainda serem incipientes os estudos sobre os egressos da formação a distância ou as métricas para avaliação desse graduado, resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) são utilizados por instituições e entidades defensoras do EAD para reafirmar a qualidade de ensino da modalidade.
Em 2010, a maior nota do Enade, 80,3 pontos, foi alcançada por Antônio Edijalma Rocha Júnior, do curso a distância de Tecnologia em Gestão da Produção Industrial, do Grupo Educacional Uninter. Bem acima da média geral do teste, 45 pontos. Outros levantamentos do Inep apontaram, também, que estudantes em EAD saíram-se melhor em sete de 13 áreas possíveis de comparação entre as modalidades, entre elas biologia, geografia e matemática. Ainda a título de comparação, o Inep analisou, em anos anteriores, o desempenho no Enade dos formandos em EAD e presencial em administração, matemática, pedagogia e serviço social. No geral, o resultado dos egressos da educação a distância foi 6,7 pontos superior ao dos alunos de cursos presenciais.
Para o presidente do Instituto de Pesquisa e Administração da Educação (Ipae), João Roberto Moreira Alves, os resultados do Enade são indicativos de qualidade do ensino, mas são incompletos. “Os alunos que fazem o exame precisariam ter mais comprometimento.” Segundo ele, muitos se submetem ao exame apenas para cumprir uma obrigação, sem compromisso de ter um bom desempenho.
Prática
A Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) é responsável pela supervisão dos cursos da modalidade a distância nas instituições superiores. Criada no início deste ano, absorveu atribuições que antes eram das secretarias de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), de Educação Superior (Sesu) e de Educação a Distância (SEED), essa extinta no começo do ano.
Como os processos de regulação, supervisão e credenciamento das instituições em EAD são relativamente recentes, apenas três instituições foram descredenciadas pelo MEC por não atenderem às condições exigidas de ensino ou funcionamento. Até 2008, de acordo com a Seres, o MEC se concentrou na regulação (credenciamento e autorização de cursos). A supervisão foi iniciada a partir de então, e as instituições supervisionadas foram aquelas com maior número de alunos ou com denúncias significativas. Ou seja, nestes três últimos anos passaram por supervisão 40 instituições. Foram assinados 18 termos de saneamento, ajustes na oferta do ensino e gestão da instituição. Foram fechados 3.800 polos de apoio presencial e extinguiram-se mais de 20 mil vagas de ingresso.
Nessa discussão, Cezar Nunes, pesquisador da Fundação de
Apoio à Faculdade de Educação da USP (Fafe), agrega outro po
nto de reflexão: o fato de o país não ter estabelecido práticas de como os graduandos possam utilizar ferramentas tecnológicas para explorar o conteúdo educacional a ser ensinado nas licenciaturas em EAD. “Fazemos uma formação específica de professores, mas eles não trabalharão a distância. Estarão no presencial, porque assim é a nossa Educação Básica”, pondera.
A educação desenvolve diversas habilidades humanas como a colaboração, pensamento crítico, pesquisas. “Daí a tecnologia ser forte aliada para dinamizar o processo de aprendizagem. Mas essa prática precisa ser mostrada aos professores em sua formação”, adverte.