NOTÍCIA

Educação no Mundo

Autor

Beatriz Rey

Publicado em 10/09/2011

Crise e criatividade

Orçamento menor leva distritos do estado norte-americano da Geórgia a considerar mudança para sistema charter; quatro já efetivaram conversão


Barack Obama responde a perguntas de alunos na escola
charter

Capital City, em Washington, DC: expansão de modelos inovadores. (Foto: Jim Watson/AFP/Getty Images)

Em julho do ano passado, o diretor do distrito Decaur City Schools, Thomas Van Soelen, no Estado da Geórgia, sul dos Estados Unidos, iniciou uma transformação nas escolas de sua região. Depois de meses de discussão com a comunidade escolar, Van Soelen foi signatário de um contrato charter com o Estado da Geórgia, que formalizou objetivos educacionais a serem alcançados. "Capitalizamos uma chance de ter mais flexibilidade com mais responsabilidade", define Thomas.

Os motivos que levaram Thomas e seu distrito a adotar esse sistema coincidem com a própria definição de escola
charter

: uma escola pública que opera de acordo com os termos de um contrato aprovado pelas comissões local e estadual de educação. Em outras palavras, está desvinculada da maioria das leis que se aplicam às escolas públicas tradicionais. O grande diferencial é que quem trabalha nela escolhe estar nessa condição – professores também têm um grau maior de autoridade para tomar decisões. Como contrapartida, a escola assume total responsabilidade por resultados acadêmicos e pelo cumprimento dos objetivos previstos pelo contrato.

No caso do Estado da Geórgia, há outra "regalia", que provocou um movimento recente no sistema de administração escolar: as charter permitem certa autonomia nos gastos. Podem abrir mão de praticamente todo o Title 20 (Título 20, a parte da lei da Geórgia que trata de educação) e  estão livres de muitas regulamentações educacionais em nível local ou estadual. Em linhas gerais, além das leis federais e outras nove estaduais, as charter seguem o Charter Schools Act, lei estadual de 1998 que dispõe, entre outras, da possibilidade de as escolas receberem doações (do estado e do governo federal, por exemplo) e de aproveitar a renda gerada por impostos locais.  "Além disso, como seguem todas as leis, as escolas tradicionais devem investir um montante obrigatório de dinheiro em disciplinas fundamentais, como matemática e ciências. As charter podem transferir a verba de matemática para ciências, caso seja necessário", explica o superintendente associado para Política, Assuntos Externos e Escolas Charter, Andrew Broy. Desde o início do ano passado, quatro distritos se converteram ao modelo.

Há outros 16 que aguardam, desde o início da crise financeira, a aprovação do órgão para a conversão – ou seja, cerca de 10% dos 181 distritos escolares na Geórgia. "O processo de ‘charterizar’ uma escola traz flexibilidade, mas também uma grande responsabilidade acadêmica. Os candidatos a esse processo, distritos ou escolas, não devem olhar para isso apenas como uma maneira de economizar dinheiro, mas, sim, como uma oportunidade de criar inovações educacionais", ressalva Andrew. Apesar de ver uma melhora no desempenho escolar, mesmo com a redução do orçamento neste ano, ele reconhece que o cenário não é ideal. "Nossas escolas estão sentindo os efeitos da crise e vão ter de tomar decisões difíceis nos próximos meses para equilibrar seus balanços de pagamento", avalia.


Aposta no modelo

O distrito de Decaur cortou US$ 2 milhões do orçamento do próximo ano, logo após tirar US$ 1 bilhão deste ano. Apesar de a conversão ter ocorrido três meses antes da falência do banco Lehman Brothers, a aposta do distrito agora é justamente a flexibilidade do sistema.? "Esperamos que isso traga novas possibilidades financeiras em breve. Por enquanto, não aconteceu", diz Thomas. Ele lembra que a mudança foi pensada pela possibilidade de melhorar o desempenho escolar. "Tanto que nosso sistema não mudou significativamente. O tamanho das escolas, configurações, população atendida e tamanho da equipe continuam os mesmos", relata.

Coincidência ou não, o plano de educação lançado pelo governo Barack Obama (ver texto abaixo) prevê a expansão das charter "inovadoras". Hoje, segundo a US Charter School, há mais de 3 mil escolas do gênero, que atendem 700 mil alunos em 39 estados norte-americanos. Em discurso no último mês de março, sob os protestos dos sindicatos dos professores, Obama disse que os limites impostos por mais da metade dos estados norte-americanos ao número de escolas desse tipo não são bons para os alunos, para a economia e para o país. "Muitas inovações em educação estão acontecendo nas charter". O receio dos professores é de que escolas assim suguem o dinheiro e o talento das escolas tradicionais. Para Andrew Broy, a posição de Obama é inovadora, quando comparada à de George W. Bush. "Ele entende o conceito como uma das mudanças que deveria ser usada para melhorar o desempenho escolar", afirma. Pela liberdade que oferece, alçado à responsabilidade de melhorar resultados, o sistema pode ser uma maneira de corrigir os desvios da educação norte-americana, como a deficiência latente nas disciplinas de matemática e ciências. Andrew está animado. "É a primeira vez que ganhamos tanta atenção do governo federal. Está nas mãos deles a garantia de que a ‘charterização’ se torne realidade."

Obama: as polêmicas do plano de Educação


Uma das propostas de Barack Obama é conhecida no Brasil: atrelar o desempenho dos estudantes à performance dos professores. Além disso, Obama quer expandir as escolas charter inovadoras e aumentar o tempo de permanência do aluno na escola (em dias e anos). "Os desafios do novo milênio exigem mais tempo em sala de aula", disse em março.

Tais diretrizes provocaram resistência dos sindicatos docentes, segmento importante do Partido Democrata. "Muitos aliados de meu partido têm resistido à ideia de bonificar a excelência docente, mesmo que isso faça diferença em sala de aula." Obama considera que seu país pode melhorar muito quando o assunto é a lei
No Child Left Behind

(Nenhuma criança deixada para trás), promulgada por Bush filho.

Também quer investir na contenção da evasão no ensino médio, alta nos EUA. E melhorar o desempenho de crianças e jovens em ciências, matemática e educação tecnológica, elevando a qualidade docente e criando um fundo de investimento para a tecnologia.


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