NOTÍCIA
Matthew Crowley, diretor-assistente de escola de ensino médio em Brockton, Massachusetts (EUA), defende letramento e capacitação profissional para melhorar a qualidade de ensino
Dos 4.261 alunos matriculados na Escola de Ensino Médio Brockton, na cidade de Brockton, Massachusetts (EUA), 70% encontram-se abaixo do nível de pobreza, 73% são representantes de minorias étnicas e 50% falam outro idioma em casa. Para muitos, esta seria a receita do fracasso. E era. Em 1998, quando a direção da escola recebeu os resultados do recém-criado exame Massachusetts Comprehensive Assessment System (MCAS), o sentimento geral foi de desânimo. Quase 75% dos alunos foram reprovados em matemática e 44% em inglês. Somente 7% dos estudantes alcançaram nível de proficiência em matemática; em inglês, 22% do total. Hoje, a escola é reconhecida nacionalmente por ter apenas 5% de seus alunos reprovados em inglês e 14% em matemática. O percentual de proficientes também aumentou para as duas disciplinas: 74% em inglês e 61% em matemática. Um dos responsáveis pela mudança é o professor Matthew Crowley, diretor-assistente da escola. Em visita a São Paulo para um evento promovido pela Fundação Lemann, Crowley creditou os avanços a diversos fatores. Um dos pilares da reforma foi a exigência de habilidades de leitura, escrita, expressão oral e raciocínio em todas as disciplinas. Além disso, a equipe gestora apostou no desenvolvimento profissional dos professores. Outro fator destacado foi o gasto anual por aluno na escola: US$ 12.107 (R$ 21.792). No Brasil, o valor gasto por aluno do ensino médio em 2006 era de aproximadamente US$ 1.500. Na contramão da onda de accountability que toma conta de seu país, Crowley também não viu necessidade de demitir professores, transformar uma escola em diversas menores e bonificar professores por desempenho. Em entrevista concedida à editora Beatriz Rey , ele explica: “não estamos num negócio em que é interessante deixar os professores irem embora. A experiência docente só faz bem para os alunos”.
Como é a rotina de um professor de Brockton?
Para os alunos, o dia começa às 7h20 e termina às 14h. Para os professores, tem início às 7h10 e acaba às 14h23. Há cinco aulas por dia, cada uma de 66 minutos. Os docentes lecionam três disciplinas por dia. Além disso, têm um período dedicado à convivência escolar, onde andam pelos corredores e pelos espaços da escola para garantir que tudo está bem e ajudar os alunos. É mais um momento em que eles se dedicam à gestão escolar, e não ao conhecimento. O outro período é dedicado ao planejamento de suas aulas. Eles podem encontrar professores e alunos durante esse momento também. Só temos aulas durante o dia – não há turmas à noite.
Qual a estrutura do currículo escolar?
A escola atende alunos dos três anos do ensino médio. No primeiro ano, têm mais disciplinas obrigatórias, como inglês, matemática, ciências sociais e ciências. Eles podem escolher uma disciplina por dia. Quando chegam ao segundo ano, podem escolher mais – conforme você vai passando de ano, pode escolher mais aulas. Os alunos fazem cursos de línguas estrangeiras, artes, mecânica de carros, culinária… há um leque grande de opções. Somos uma escola de ensino médio abrangente.
As linhas gerais do currículo escolar são estabelecidas pelo Estado de Massachusetts. Como fica a elaboração do currículo na escola?
Nos espelhamos no currículo estadual, mas não acho que seria justo dizer aos professores exatamente o que devem ensinar. Temos um currículo próprio da escola de Brockton. Cada departamento é responsável pela produção de um guia curricular. Os professores se planejam de acordo com esses objetivos. Por exemplo, quando eu era professor e precisava ensinar as causas da Guerra Civil, pensava primeiro nas mais importantes. Para mim, uma delas foi o acordo do “Compromisso de Missouri”, estabelecido em 1820 por forças pró e antiescravidão. E listava outras. Como professor, escolhia uma perspectiva com a qual me sentia confortável para ensinar. Ainda estava ensinando as causas da Guerra Civil, mas era permitido escolher a maneira mais eficaz de fazer isso.
O processo de elaboração das aulas acontece somente na escola?
Não. Professores bons passam muito tempo pensando sobre como ensinar. Para isso, precisam trabalhar em casa. É preciso ir além do que se faz na escola.
A partir da reforma que começou em 1998, as capacidades de leitura, escrita, expressão oral e raciocínio passaram a ser exigidas em todas as disciplinas. Como é isso na prática?
Na disciplina “orquestra”, por exemplo, o aluno não só recebe a partitura de uma música, mas também um texto sobre quem a escreveu. Assim, conhece um pouco o ponto de vista do compositor. O estudante também deve fazer uma pesquisa para aumentar seus conhecimentos sobre o mesmo músico. Depois de tocar a música em questão, o aluno terá de explicar, numa redação, a relação entre a maneira pela qual o compositor gostaria que sua música fosse executada com a experiência de tocar a mesma música com o resto da sala de aula. Ele entende todo o contexto daquela música. Este é um exemplo sobre uma disciplina eletiva, porque faz sentido que essas capacidades estejam presentes em inglês, mas a expectativa é que você as aplique em todas as outras. Levou tempo para que os docentes aceitassem essa nova cultura. Agora, todos fazem. Ajudar os professores a entender o que esperamos deles e auxiliá-los no processo de implementação faz parte do desenvolvimento profissional que proporcionamos.
Por que a direção da escola optou por não dividi-la em instituições menores, prática comum nos EUA?
Somos a única escola de ensino médio da cidade. Além disso, não tínhamos dinheiro para construir outros prédios. Decidimos não mudar a estrutura física, mas a cultura. Sempre dizemos: você não pode discutir com a arquitetura; o prédio é como é. Mas pode personalizar a educação para cada aluno, e conhecer o máximo de alunos possível.
Ainda assim, poderiam ter recorrido a instituições que financiassem a divisão da escola…
Não acho que o tamanho da escola importe tanto quanto a qualidade do ensino dentro da sala de aula. Uma escola pequena, com professores ruins, pode não ter bom rendimento. O que podemos controlar é a qualidade do ensino e o nível da expectativa em relação aos alunos. Sei que há pesquisas acadêmicas que apontam melhor performance em escolas menores. Não quero deixá-las de lado, mas ainda acho que se há um número ideal de alunos e não há bons professores, o tamanho da escola se torna irrelevante.
Quantos professores foram demitidos desde que a reforma começou em 1998?
Muito poucos. Chegamos ao ponto em que a maioria aceitou a mudança de cultura na escola. Não acreditamos em demissões de docentes, mas sim em ajudá-los a crescer como profissionais. Entendo que há uma era de accountability agora no país, com a lei No Child Left Behind . Se você dá às pessoas as habilidades e oportunidades de desenvolvimento profissional, não é necessário demitir.
Como vocês lidam com professores cujo desempenho é inferior em relação aos outros?
Tentamos ser transparentes. Aqueles ruins sabem que não estão dando o melhor de si. E os melhores também sabem quem são. Eles se conhecem. Há professores que se oferecem para ser mentores dos mais fracos. É o que chamamos de co-teaching . Assim, em situações extremas, a sala do professor fraco é dissolv
ida e os alunos vão para outras classes. O docente fr
aco inicia um processo de observação do mais experiente, para registrar quais práticas são aplicadas no cotidiano escolar. O tempo de observação pode variar. Já tivemos casos de um semestre ou de um ano. Oferecemos suporte a esse professor. Pedimos a ele que faça um diário, para que anote todas as estratégias que considerar eficazes. Uma das coisas que eles percebem é que bons professores fazem o ato de ensinar parecer fácil. Demora um pouco para um docente mais fraco ou mais novo perceber as estratégias que os experientes usam. Esse caminho funcionou. Atualmente, não temos mais professores fracos. Outra solução que encontramos foi instituir um mentor para cada professor que é contratado. Um professor mais experiente o ajuda durante os primeiros anos na escola. Também focamos a oferta de formação continuada aos docentes.
Há outros tipos de apoio institucional para os docentes?
Cada departamento tem um “diretor”, um professor experiente que ajuda os outros com ideias e encaminhamentos. Oferecemos aos docentes oportunidades de participar de seminários fora da escola durante o verão. Como a escola é grande, há diversos departamentos e grupos de professores da mesma disciplina que se reúnem. Também encorajamos os docentes a colocar seus planos de aula na internet, para que os outros tenham acesso. E a padronizar o processo de criar suas aulas. Quando um aluno o questiona sobre como resolver um problema complexo de matemática, o professor vai dizer: “a primeira coisa a fazer é X, e quando você chegar a esse ponto, faça Y”. Assim, os alunos podem ver um adulto aprendendo e pensando em como resolver um problema.
Vocês praticaram a bonificação por desempenho durante a reforma?
Não. Nossos professores estão atrelados a salários por contratos.
Mas o senhor considera que seria necessário ter implantado essa política?
O bônus por desempenho é um tópico muito discutido em debates educacionais. Não é necessário em Brockton. Nossos professores querem ver seus alunos indo bem. Sentem-se bem com isso. Acredito que teríamos oposição dentro da escola, porque as pessoas teriam receio de associar o desempenho ao salário.
Vocês utilizam algum tipo de avaliação de professores?
Quando são contratados, os docentes são avaliados formalmente seis vezes no ano, durante os primeiros três anos. Temos um instrumento de avaliação aprovado pelo sindicato dos professores. Um grupo composto por mim e outros gestores entra nas salas e avalia as aulas, usando os seguintes critérios: práticas pedagógicas, nível de engajamento estudantil, implantação do letramento, grau de responsabilidade dos alunos e gerenciamento da sala de aula. Depois dos primeiros três anos, essa avaliação é feita quatro vezes por ano. Foi assim que detectamos os professores mais fracos ao longo da reforma.
Os resultados da prova estadual aplicada em alunos também fazem parte da avaliação docente?
Não atrelamos a avaliação docente ao desempenho acadêmico dos estudantes.