NOTÍCIA
Novo plano do governo federal para a Educação Básica busca assentar-se em indicadores e metas para melhorar a gestão dos sistemas públicos; vinculação de verbas não é unanimidade
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Célio Cunha, da Unesco: metas devem ser qualificadas para serem atingíveis |
Apresentado como uma das grandes apostas do segundo mandato do presidente Lula, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) pode, de fato, atingir o seu objetivo e ajudar a melhorar a educação no país. Contudo, para que saia do papel, será necessário superar uma série de desafios: desde definir de onde serão retirados os R$ 8 bilhões que o governo promete investir, até uma mudança de mentalidade, que inclui a aceitação generalizada de uma cultura de gestão baseada em indicadores e metas.
Desde que foi apresentado pela primeira vez pelo ministro Fernando Haddad em março deste ano, o PDE contabiliza mais elogios do que críticas às diretrizes que estabelece para a educação como um todo, em especial para a Educação Básica. O eixo do Programa é um indicador, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que será utilizado como referência para avaliar a situação de cada município brasileiro, a partir dos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), da Prova Brasil e das taxas de aprovação.
Com isso será possível classificar os municípios e identificar as localidades cujo desempenho está aquém do esperado. Estes receberão apoio técnico e recursos, desde que se comprometam formalmente a cumprir metas estabelecidas por meio do Ideb. Para a professora Magda Becker Soares, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esse é um dos riscos do Plano. "Uma avaliação externa pode colaborar para melhorar a qualidade do ensino se for bem elaborada e se os resultados forem bem comunicados e analisados. O problema é quando a avaliação caminha para o que se tem chamado, em outros países, de ‘obrigação de resultados’", alerta.
Essa situação pode gerar dois efeitos negativos, em especial quando há vinculação de recursos a resultados: criar uma hierarquia dos sistemas de ensino, das escolas e dos alunos, conforme o "mérito" e, com isso, levar a distorções no currículo. "Em geral, nas avaliações externas, a língua e a matemática são privilegiadas. Então, a tendência é concentrar esforços nessas áreas para conseguir recursos, com a conseqüente minimização do papel das demais – ciências, história, geografia etc." Segundo a professora, o efeito é tema de debate nos EUA em função dos resultados do programa "No Child Left Behind", que condiciona a liberação de recursos a resultados em testes.
No caso do Brasil, além das metas para os municípios que aderirem à proposta, serão estabelecidos objetivos nos planos federal, estadual e municipal, a serem atingidos em prazos determinados. Uma das metas, conforme declarações do ministro Haddad, é fazer com que os alunos brasileiros tenham um desempenho semelhante ao dos estudantes dos países desenvolvidos até 2022.
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Metas qualificadas
Mas não basta estabelecer metas, alerta Célio da Cunha, especialista em educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). "Há um adjetivo muito importante que deve ser associado às metas: elas devem ser qualificadas". Isso significa, segundo Cunha, associá-las a um conjunto de ações que as tornem exeqüíveis. "É preciso melhorar a infra-estrutura das escolas, investir na formação do corpo docente, enfim, cuidar de todos os fatores associados ao sucesso do ensino", afirma.
Além disso, é necessário que todos os segmentos do sistema educacional atuem em função dos objetivos – o país, os Estados, os municípios e as escolas. "Na Finlândia, foram estabelecidas metas por disciplina", relata o especialista. "Cada professor tinha clareza do que precisava ser feito, permitindo que todo o processo fosse monitorado."
Generalizar, na área da educação, a mentalidade de busca de resultados a partir de objetivos e metas é um dos maiores desafios do PDE. "É preciso profissionalizar a gestão. Não adianta destinar verbas para a educação, sem mudar a gestão", analisa o diretor-executivo do Movimento Todos pela Educação, Mozart Ramos. Nessa medida, é importante a vinculação entre a distribuição de recursos, o apoio técnico aos municípios com desempenho ruim e o cumprimento de metas, assinala Erasto Fortes, professor de políticas e gestão educacional da Universidade de Brasília (UnB).
Outro aspecto relevante e delicado é o tempo. Ramos considera fundamental que o governo seja rápido na implementação, sob pena de perder credibilidade. "O MEC precisa estabelecer prioridades e colocar em marcha rapidamente algumas medidas anunciadas", afirma. Entre elas, cita a avaliação do processo de alfabetização nas séries iniciais. De outra parte, a competitividade global exige que o país seja ágil para melhorar a qualidade da educação. "O Brasil não pode mais perder tempo. Espanha e Coréia, que transformaram a educação em prioridade número um, tiveram 30 anos. Não temos esse prazo", diz Cunha.
Outro desafio importante é a transformação do Plano em projeto de nação. "O governo tem de buscar uma articulação com os secretários estaduais e municipais de educação para o PDE ganhar a dimensão de um projeto de nação", assinala Ramos, do Todos pela Educação. Já Cunha enfatiza a necessidade de uma articulação suprapartidária. "Se não se tornar uma política de Estado, não terá continuidade após este governo."
De onde vem o dinheiro?
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Liberação de recursos tem de estar vinculada a apoio técnico, alerta Erasto Fortes, da UnB |
Outra definição urgente é de onde virão os recursos. O governo tem anunciado várias ações além do Ideb. Entre elas, investimentos em energia elétrica para escolas, informatização, rmodernização de prédios e em qualificação docente. Para isso serão necessários R$ 8 bilhões em quatro anos. "São recursos voluntários e adicionais que o governo vai aplicar no Fundeb. São necessárias negociações com a área econômica ", explica Fortes, da UnB.
Apesar dos desafios inerentes ao PDE, a proposta é vista com bons olhos. Representa uma mudança de paradigma na área da educação, assinala Ramos. Por meio do Plano, o governo tem condições de induzir o sistema a assumir um mecanismo que pode, de fato, levar à melhoria da qualidade, como lembra Fortes. Ou, como assinala Célio da Cunha, o PDE representa uma oportunidade para colocar em prática uma idéia defendida desde 1849 pelo poeta Gonçalves Dias: a educação, no Brasil, precisa ter um centro de coordenação e de ação.
Ensinos técnico e rural: nova perspectiva
Duas áreas sempre relegadas a segundo plano devem receber atenção especial no PDE. Para o ensino técnico, o governo promete ampliar a rede de escolas de nível médio e superior (tecnológico) para os 150 municípios brasileiros classificados como pólos pelo Ministério do Comércio e Agricultura.
O MEC montará um cronograma para construir as escolas até 2010, a partir da classificação dos municípios, feita por uma pontuação: aqueles que se interessarem em ter uma escola, deverão participar de uma concorrência que será realizada por meio de edital e oferecer infra-estrutura (um terreno, um prédio etc.) como contrapartida. Quanto mais oferecerem, mais pontos terão, e mais rapidamente a escola será construída, já que o cronograma vai seguir a ordem da pontuação.
Para a educação rural, o MEC promete ações que fixem o aluno no campo, sem que ele precise ir à cidade para estudar. Entre outras medidas, o ministério propõe um programa para melhorar o transporte escolar, além da informatização de todas as escolas rurais com mais de 50 alunos.