NOTÍCIA

Entrevistas

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 10/09/2011

Parceiro pedagógico

Espaço reservado ao ensino infantil é um aliado do aprendizado

O que colocar numa sala de aula? Ou no pátio? Erros nessas decisões podem atrapalhar muito o desenvolvimento de uma criança, afirma a professora Maria da Graça Horn (
foto

). Autora de Sabores, Cores, Sons e Aromas (Artmed, 119 págs., R$ 31), ela conhece muitas escolas no Brasil por conta de seus trabalhos acadêmicos e das consultorias que realiza para prefeituras e escolas. E já viu muita coisa errada. Segundo Maria da Graça, a construção dos espaços nas escolas brasileiras reflete a tradição de um ensino excessivamente centrado na figura do mestre.

Ex-professora da graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ela trabalha hoje no curso de especialização em educação infantil da mesma instituição, além de lecionar nos cursos de extensão da Uniritter, da Unisinos e da Univates, todas no Rio Grande do Sul. Nesta entrevista a Alceu Luís Castilho, da Agência Repórter Social, Maria da Graça defende a necessidade de busca de parcerias, pelas prefeituras, com alguns segmentos do setor privado para melhorar a estrutura da rede pública.


Como foi feito o seu levantamento sobre os espaços escolares?


A coleta de dados, para minha tese de doutorado, aconteceu em uma escola da rede privada de Porto Alegre. A abordagem metodológica foi qualitativa, realizei um estudo de caso. Porém, o que alimentou e subsidiou minha escolha por essa temática foi minha longa trajetória na educação infantil, como professora, coordenadora pedagógica, pesquisadora, administradora e orientadora de estágios em cursos de formação, tanto em nível de graduação como em nível de especialização. Além disso, durante dois anos exerci a função de gerente de projetos para crianças de até 6 anos do então chamado Ministério da Previdência Social, o que possibilitou uma visão nacional das escolas infantis. Conheço muitas realidades, tanto de escolas da rede pública quanto da privada. Nesses caminhos, meu olhar sempre focou a questão da organização dos espaços e como isso se refletia na prática pedagógica.


O que foi observado?


Encontramos espaços organizados de modo aberto, sem limitações feitas por tapetes, móveis, estantes. Espaços estruturados em arranjos semi-abertos e espaços chamados de fechados, divididos por paredes. Esses modos estão geralmente atrelados às concepções e crenças pedagógicas dos educadores. O modo como organizamos esses espaços nos identifica com diferentes tendências pedagógicas, mais tradicionais ou mais contemporâneas. O espaço é socialmente construído.


Qual a tendência predominante?


Infelizmente a tendência predominante é a dos arranjos abertos, com os espaços nobres das salas de aula ocupados por mesas, cadeiras e armários. Nos espaços externos, há um convite ao “correr e correr”, isto é, os pátios não prevêem uma sombra gostosa, um lugar para brincar mais sossegadamente, uma cabana para se esconder, uma rede para se balançar…


Isso varia por região ou Estados?


Acredito que não. Aliás, existe um padrão de construção de escolas infantis, principalmente nas redes públicas, que não leva em conta clima ou realidade social. Numa realidade como a nossa, tão contrastante em muitos aspectos, isso é altamente pernicioso. Sei de experiências, por exemplo, de construção em aldeia indígena de escola infantil com altas paredes, janelas estreitas e prédios que não consideram o tipo de vida das crianças indígenas.


Como deve ser a organização desse espaço pelas creches e escolas infantis?


Acredito que a organização dos espaços deverá ter como norte a possibilidade de a criança se descentrar da figura do adulto, dando assim oportunidade à construção da autonomia moral e intelectual. Pensar numa organização em áreas temáticas (por exemplo, dos jogos, da biblioteca, do faz-de-conta, das artes) delimitadas por arranjos semi-abertos é uma alternativa que poderá contemplar a interação da criança com diferentes espaços, objetos e materiais sem a intervenção direta do educador.


A criança aprende menos em ambientes fechados?


Com certeza. Há estudiosos como Vygotsky, Wallon, Montagné, Winnicott, entre outros, alinhados ao que chamamos de sociointeracionismo. Eles comprovaram que a criança aprende na interação com o meio, com seus pares, com o mundo, enfim, mediados nesse processo de construção por adultos ou por parceiros mais experientes. Na perspectiva desses autores, o meio é fator fundamental na aprendizagem. Portanto, quanto mais bem qualificado, quanto mais instigante e desafiador for esse meio, mais aprendizagens serão construídas.  


Quais os erros mais comuns na construção do ambiente escolar infantil?

O que encontramos em muitas realidades, tanto nas escolas públicas quanto nas privadas, é a ocupação dos espaços “mais nobres” da instituição por mesas, cadeiras e armários, determinando muitas vezes às crianças a postura de estarem sentadas e, de preferência, usando lápis e papel. Essa identificação se inspira na escola de ensino fundamental, norteada em princípios muito tradicionais. Revela ainda um ensino centrado no professor, que acredita que dele dependem todas as ações a serem propostas e realizadas pelas crianças.


Como evitar esses erros?

Estudando para compreender como a criança aprende, como se desenvolve, observando diferentes realidades e, principalmente, partindo sempre das necessidades das suas crianças. Elas com certeza se inserem num contexto com características peculiares quanto aos aspectos sociais e culturais. Aguçar a observação e trabalhar com a sensibilidade dos educadores me parece fundamental. E uma sólida formação permanente, em que não somente as questões mais didáticas ou técnicas sejam enfocadas, mas também atividades mais culturais, artísticas, que trabalhem justamente com o desenvolvimento da sensibilidade.


As faculdades estão preparando o professor para isso?


Temos novas orientações para a construção dos currículos para os cursos de pedagogia. Teremos a formação de professores para atuarem com crianças de até 10 anos. Talvez seja uma oportunidade de revermos muitas questões importantes, inclusive com relação ao entendimento do que é ser criança em diferentes contextos, propiciando uma visão não facetada do que é ser criança. É preciso avançar muito em termos de formação docente em nosso país.


Em que tipo de espaço as crianças estão mais seguras?


A organização do espaço em áreas semi-abertas permite ao educador ver as crianças, observá-las e, ao mesmo tempo, que também as crianças, de onde estejam, consigam enxergar esse educador e pedir ajuda quando necessitem. Adotando uma postura de observador, o educador pode intervir e interagir junto aos seus alunos, incentivando-os, instigando-os a fazer novas descobertas, auxiliando-os a construir aprendizagens nas diferentes esferas do conhecimento.


No caso do ensino privado ocorre uma maior “individualização” desse espaço?


Na realidade, os educadores revelam suas concepções de criança, de educação e de aprendizagem quando organizam seus espaços internos e externos na educação infantil. Impor novos modos de organizar esses espaços sem um trabalho de formação teórica implica muitas vezes “tirar o tapete” do educador, lançando-o à sua própria sorte. Vivemos numa sociedade altamente competitiva, na qual desde muito cedo, principalmente nas camadas mais altas da escala social, a ordem é “competir para ser melhor que o outro”. Onde reina esse espírito, um espaço solidário, fraterno, onde construir juntos seja fundamental, não terá vez.


A senhora quer dizer que as escolas de elite, com mais recursos, estão entre as que menos apostam num espaço democratizado?


Não necessariamente. Há muitas ex-periências interessantes na rede privada. Talvez até em número maior que na rede pública, em nosso país. Em outros países, como Espanha e Itália, é o inverso que acontece. O que quero dizer é que muitas vezes existe mais risco nessas
realidades, até por uma pressão familiar.


Por outro lado, no ensino público, pela questão da escala, as secretarias podem, em tese, oferecer especialistas, como arquitetos, programadores visuais. Há alguma experiência no Brasil nesse sentido?


Algumas redes municipais têm se preocupado em qualificar a rede de atendimento. Essa qualificação certamente passa pela organização de um espaço entendido como parceiro pedagógico do educador. Infelizmente, ainda se constitui numa parcela ínfima com relação à grande demanda. 


Pode citar experiências internacionais importantes?


Algumas experiências em nível mundial têm servido de norte para muitos países, como a da rede pública de Barcelona, na Espanha, e, principalmente, as escolas também públicas na Itália, em lugares como Modena e Reggio Emilia.


Como equilibrar o “espontaneísmo” de diretores ou secretários de educação com a recomendação de especialistas?


Existem as Diretrizes Curriculares para educação infantil, as demandas do MEC. Ao lado disso há um ordenamento legal que dá suporte a qualquer ação que qualifique o atendimento nessa área. É preciso, porém, que mude a mentalidade de muitos gestores públicos, os quais acreditam que as crianças pequenas não aprendem, que qualquer atendimento às suas necessidades de saúde e higiene bastam. Para se fazer uma educação de qualidade certamente se faz necessária a participação de equipe interdisciplinar. Investir nessa etapa, com certeza, é ter muitos ganhos mais adiante.


Nos rincões do Brasil, a miséria se reflete também nos equipamentos públicos. Como atingir essa criança?


A busca de parcerias da esfera pública junto a alguns segmentos da esfera privada pode ser uma alternativa interessante para qualificar o trabalho junto aos pequenos, no que se refere a custos, por exemplo. Friso mais uma vez que os gestores devem entender que essa etapa de ensino é fundamental no desenvolvimento humano, pois, dentre muitos outros fatores que poderíamos apontar para essa defesa, muitas das estruturas, neurológicas, biológicas e cognitivas propriamente ditas se constroem nessa fase.


Tendo em vista essa realidade, como poderia ser uma espécie de sala de aula com o mínimo possível, oferecendo o máximo de possibilidades?


Com uma clara concepção do que podemos considerar como um espaço  que ajuda o professor, podemos com poucos recursos organizá-lo com muita qualidade.


Qual o mínimo em termos de equipamento e material?


Fica difícil determinar um mínimo e um máximo em termos de materiais e equipamentos. Esse é um dos eixos do currículo na educação infantil que tem a ver com a realidade sociocultural, com as concepções de infância, aprendizagem, educação. Um parâmetro que podemos ter é o atendimento das diferentes linguagens infantis. Ou seja, é necessário ter equipamentos e materiais que levem em conta essas necessidades.


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