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Entrevistas

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 10/09/2011

Por uma educação mais humana

Ativista suíça da Anistia Internacional defende que direitos humanos devem ser disciplina obrigatória na educação em todo o mundo

Para a ativista Aude Valérie Bumbacher, os direitos humanos deveriam ser considerados tão essenciais na educação e no desenvolvimento infantil quanto a matemática. "É muito importante que líderes políticos de todos os países entendam que introduzir os direitos humanos no primeiro estágio da vida estimula a cidadania ativa no futuro", defende. A suíça, mestre em relações internacionais pelo Graduate Institute of International Studies, de Genebra, participa desde a época da escola de atividades e organizações não-governamentais relacionadas à discussão e promoção dos direitos humanos. Atualmente, é responsável em seu país pela área de educação para direitos humanos da Anistia Internacional (AI), ONG com sede na Inglaterra e atuação em 150 países do mundo. Além disso, treina jovens ativistas no tema, pela ONG suíça Youth Resource Centre on Human Rights. Sua experiência de estudos e viagens por diversos países – como Canadá, Sérvia e Guatemala -, seja por hobby ou a trabalho, permite que Aude não tenha dúvidas ao afirmar, em entrevista à repórter Carmen Guerreiro, que os direitos humanos não devem ser ensinados da mesma maneira ao redor do mundo. "Diferenças regionais e culturais devem ser levadas em consideração", defende.


Como a senhora definiria a relação entre educação e direitos humanos?


Direitos humanos e educação são bases universais e indivisíveis das sociedades. Nos últimos séculos, pessoas lutaram e ainda lutam para conseguir acesso gratuito e obrigatório ao ensino fundamental para todas as crianças. No início dos anos 1990, a educação para os direitos humanos foi apresentada pelas Nações Unidas como um elemento essencial para a paz, tolerância e compreensão mútua entre comunidades. Através das lentes da Anistia Internacional, definimos a educação para os direitos humanos como uma "prática participativa e deliberada com alvo no aumento de poder dos indivíduos, grupos e comunidades por meio do incentivo ao conhecimento, habilidades e atitudes em alinhamento com princípios de direitos humanos internacionalmente reconhecidos". De maneira mais ampla, a meta é estabelecer uma cultura na qual os direitos humanos sejam compreendidos, defendidos e respeitados.


De que forma?


Na escola, crianças recebem uma gama completa de noções fundamentais que permitem o desenvolvimento de conhecimentos, pensamento crítico e personalidade. Desta forma, podemos considerar que princípios de direitos humanos deveriam ser parte de uma experiência escolar. Crianças e estudantes deveriam saber e se comportar de acordo com princípios dos direitos humanos para encarar os desafios do mundo atual. De um lado, as crianças deveriam saber seus direitos (por exemplo, a liberdade de expressão e de associação) e também desenvolver uma atitude de respeito pelas diferenças. Por outro lado, deveriam ter consciência dos problemas e dificuldades de outros países para, a partir daí, desenvolver conhecimentos e ter iniciativas contra violações dos direitos humanos no nível local, em suas comunidades.


Existe hoje nos países com regimes democráticos uma preocupação real com o ensino dos direitos humanos na escola?


Sim, podemos observar que atualmente os professores e as escolas estão muito mais preocupados em relação à implementação de questões de direitos humanos nos programas educacionais. Podemos distinguir diversas formas de incluir os direitos humanos na escola. Em primeiro lugar, pode ser uma iniciativa dos professores de trabalhar o assunto em suas aulas, escolhendo um tema específico e usando informações e ferramentas disponíveis. A iniciativa também pode partir da diretoria, coordenação ou de um grupo de professores, com a organização de workshops realizados por organizações especializadas. Criar uma "semana de direitos humanos" também é freqüente em escolas, com eventos temáticos organizados pelos e para os estudantes, como apresentações artísticas e palestras com ativistas.


Em países onde o Estado está ligado à religião, como fica a questão dos direitos humanos nas escolas?


Geralmente, em países onde a religião faz parte da vida civil pública, há pouco espaço para o desenvolvimento da educação para os direitos humanos. As crianças não têm escolha em participar de sermões religiosos e a escola não abre espaço para os direitos humanos. Entretanto, isso é uma questão muito delicada que depende da história do país, suas tradições e a forma de funcionar. Freqüentemente, até mesmo a educação cívica não é ensinada, porque é vista como uma concorrência à educação religiosa. Isso acontece também em países onde o Estado não está necessariamente vinculado a uma religião, mas onde a religião tem grande importância na vida pública.


E em países que advogam a laicidade do Estado?


Em primeiro lugar, podemos dizer que o conceito de Estado laico hoje é usado de diferentes formas, inclusive a serviço de partidos políticos. A França, por exemplo, tem uma definição e aplicação desse conceito muito restrita. Símbolos religiosos são proibidos na esfera pública, portanto nem professores nem estudantes podem portá-los, como acontece com o uso do véu por mulheres muçulmanas. Praticar ou exibir esses símbolos é possível apenas na esfera privada ou nas comunidades religiosas específicas.


Como organizações internacionais e ONGs podem agir na promoção dos direitos humanos em sistemas educacionais ao redor do mundo??Como é o trabalho da Anistia Internacional nesse sentido?

Organizações internacionais como as Nações Unidas, por meio do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, desenvolveram diferentes programas, treinamentos e materiais voltados especificamente para educadores e professores de direitos humanos. Desde a metade dos anos 1990, educação para os direitos humanos tornou-se uma preocupação no sistema das Nações Unidas como uma meta para encontrar a paz e a tolerância no mundo. Em um nível mais concreto, podemos destacar o trabalho de diferentes ONGs – como a Anistia Internacional – nesse campo. A Anistia desenvolveu diferentes materiais e oficinas pedagógicas, e freqüentemente é convidada por escolas para passar esse conteúdo, como, por exemplo, a violência de gênero.


Como isso é trabalhado?


Assumindo papéis interativos distribuídos por facilitadores de direitos humanos, as crianças experimentam diferentes situações e desenvolvem habilidades e atitudes que podem ser transformadas mais tarde em pensamento crítico, a habilidade de lidar com conflitos e talvez tomar iniciativas em relação a violações aos direitos humanos ao redor delas ou mesmo distante. Outras organizações menores, sempre em parceria com professores, também trabalham com atividades de conscientização, por exemplo, colocando a criança na situação de um refugiado e desenvolvendo essa questão sob o ângulo dos direitos humanos.


Os meios de comunicação costumam publicar rankings com os países que supostamente teriam a melhor educação. As questões ligadas aos direitos humanos deveriam estar contempladas nessas avaliações?

Em primeiro lugar, deveríamos entender que tipos de critérios são incluídos nesses rankings. De qualquer forma, posso afirmar que escolas que levam os direitos humanos em consideração no desenvolvimento de seu estabelecimento tendem a melhorar o bem-estar de seus estudantes e professores, e por isso caminham na direção da cultura dos direitos humanos. Não se trata apenas de ensinar os direitos humanos na sala de aula, mas de todo o universo escolar. Há instalações para estudantes deficientes? Há espaço para discussão e mediação quando surgem conflitos? Como são resolvidos esses conflitos? Há discriminação entre estudantes?


Como lidar com as minorias nos sistemas educacionais, como é o caso dos índios no Brasil, ou os curdos no Irã, Iraque, Turquia e Síria? Como a escola pode respeitar os limites culturais e educar?


O mais importante é respeitar os valores culturais e tradicionais da minoria e tentar ao máximo promover um espaço de discussão sobre diferenças. Poderia ser uma apresentação das crianças sobre suas comunidades, com todos trazendo algo especial que define sua cultura. Acredito que a educação para os direitos humanos pode ajudar a desenvolver um senso de respeito mútuo e compreensão. Entretanto, é um tema muito complicado que freqüentemente se envolve com o nível político, algo em que nem a escola nem as crianças têm o poder de interferir.


A respeito do bullying, como os educadores podem trabalhar esse problema com os estudantes?


Seria interessante convidar ONGs que trabalham com atitudes antiviolência para falar sobre esse tema e possíveis conciliações. Adicionar um outro olhar sempre ajuda a expandir um ponto de vista e encontrar soluções alternativas.


Quais são os desafios e dificuldades da educação para os direitos humanos?

O principal desafio da educação para os direitos humanos é ser aceita e compreendida como um elemento fundamental para o desenvolvimento escolar das crianças. Ser obrigatória no sistema educacional e entendida como um assunto tão importante a ser ensinado quanto a matemática. Os direitos humanos não devem ser ensinados da mesma maneira ao redor do mundo, diferenças regionais e culturais devem ser levadas em consideração. É muito importante que líderes políticos de todos os países entendam que introduzir os direitos humanos no primeiro estágio da vida estimula cidadania ativa no futuro.


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