NOTÍCIA
Publicado em 10/09/2011
Linguagens artísticas também ampliam o entendimento de temas diversos
Responsável por alguns projetos bem-sucedidos de difusão cultural para educadores, Renata Bitencourt ressalta que, nesse âmbito, uma das principais deficiências do professor é a falta do hábito de leitura. “Um professor que não lê dificilmente vai se relacionar com a arte contemporânea, por exemplo.” Para ela, um dos fatores preponderantes se deve ao fato de que a formação do leitor geralmente não acontece no ambiente escolar. “O professor deveria ser estimulado à leitura não só tendo em vista os seus alunos, mas a sua vida pessoal, os seus filhos”, defende.
Na opinião da pesquisadora Monique, a universidade precisa assumir esse papel, ainda que tardio, de estimular o repertório cultural, principalmente quando se está falando da formação de futuros professores. “O curso de pedagogia tem um recorte nacional de classe média baixa, e a maioria não teve essa prática cultural consolidada na família ou nas atividades escolares. A grande questão é a formação do hábito”, diz. A consequência dessa lacuna é ainda mais grave ao se pensar que o educador vai continuar reproduzindo o modelo com seus alunos. “Os professores com repertório pobre dificilmente vão para a rede privada. Eles vão para a rede pública, para as escolas da periferia”, completa.
Mesmo o ato de ir ao cinema pode se tornar mais valioso se a universidade estiver envolvida. Por isso, Monique defende que é papel dos cursos de formação prever essas medidas, ainda que por meio de atividades extracurriculares. “Um aluno pode frequentar muito o cinema, mas só assistir a blockbusters. É função da universidade ampliar essa experiência, mostrar que há, por exemplo, o cinema iraniano, que o aluno pode não ter tido a oportunidade de conhecer.”
Contato direto
Embora a grande maioria dos currículos de formação de professores não contemple a formação de um repertório cultural, algumas iniciativas de professores, instituições ou mesmo governos têm auxiliado na ampliação da bagagem dos educadores por meio do contato direto com a arte. Na UFRJ, diz Monique, seus alunos devem, obrigatoriamente, ir a um evento cultural por mês e trazer relatório da atividade. E por “arte” ela entende a maior amplitude possível de manifestações, de balé a roda de samba, de concertos eruditos a shows populares. “Os alunos (universitários) começam a mostrar seu repertório nos trabalhos escolares. Até os projetos interdisciplinares são melhores”, conta.
Os museus de arte também são espaços para “vivenciar” a cultura tendo em vista a formação de novos públicos. Muitos deles oferecem mais do que horários de visita para a escola, e procuram fazer um trabalho de base com os educadores – não só os de arte. O Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, por exemplo, recebe docentes de diversas disciplinas e níveis de ensino para os encontros do projeto Contatos com a Arte. “O museu é um espaço para a formação do conhecimento e do repertório e favorece a interdisciplinaridade. Os conteúdos de arte possibilitam diferentes abordagens”, diz Patrícia Naka, coordenadora do setor educativo.
Nos encontros, que acontecem durante todo o ano, ensina-se como alinhar conteúdos curriculares a
conteúdos artísticos. Em uma exposição do paisagista Burle Marx, por exemplo, seu caráter de multiartista pode ser fonte de conteúdo para docentes de várias disciplinas, de história a matemática. “Ganha-se outro significado quando se insere a arte nos projetos transversais”, exemplifica Patrícia.
No Museu Lasar Segall, as visitas podem ser feitas de acordo com a demanda do educador da disciplina. Embora a maioria das visitas seja liderada por professores de educação artística, a museóloga Anny Christina ressalta que qualquer área do conhecimento pode ser abordada, uma vez que os roteiros estão à parte do conteúdo curricular. “Nossa intenção é colocar a escolha (do roteiro) na mão do professor”, diz. Um professor de química do ensino médio, por exemplo, visitou o museu com os alunos. “A ideia dele era relacionar a leitura das obras, a discussão do que se está vendo, a narrativa que se constrói, ao trabalho do cientista ao observar a natureza, explicando o pensamento científico”, conta.
Sentido na sala de aula |
Uma das principais características do professor com maior repertório cultural é a capacidade de fazer uma leitura crítica do mundo e, mais ainda, de sua própria função de educador. A partir de um “incômodo” em relação ao modo tradicional de lecionar, o professor com maior bagagem consegue extrair mais interesse dos alunos e é capaz de fazer escolhas mais criativas diante do conteúdo. “Nunca entro ‘de sola’ em um assunto. Sempre procuro antes fazer aquilo produzir algum tipo de sentido para os alunos”, conta a professora Adriana Beatriz Saporito, responsável pelas disciplinas de português e inglês em dois colégios privados paulistanos. Na opinião de Adriana, mais do que uma preocupação pessoal, a formação cultural permite ampliar os significados e estabelecer relação entre o “mundo real” e o que está sendo transmitido aos alunos. “Ao ensinar a composição de um personagem romântico para o ensino médio, antes os alunos têm de assistir ao filme Lisbela e o prisioneiro. Para apresentar O primo Basílio, de Eça de Queiroz, introduzo músicas, casos de jornal que falam de traição. É preciso trazer para a realidade”, relata a professora. Para a turma de inglês da 8ª série que estava lendo O fantasma da ópera, ela antes pediu que os alunos pesquisassem músicas e temas da época. “Essa disponibilidade tem de partir do professor. É possível dar uma aula de matemática a partir de uma omelete”, aponta. Embora tenha começado a carreira no magistério, há mais de 15 anos, de maneira tradicional, Adriana começou aos poucos a questionar o modelo que havia recebido na universidade para procurar “sentido” no que estava fazendo. Atualmente, diz, não passa mais que dois meses sem fazer algum tipo de curso. A preocupação de Adriana encontra eco no relato da professora Magda Medhat Pechliye, que por mais de 20 anos deu aulas de ciências para o ensino fundamental e hoje é docente do curso de formação de professores da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduada em biologia, Magda conta que teve sua formação no ensino superior de maneira bastante tradicional e também sentiu necessidade de mudar a forma com que trabalhava em sala de aula. “Incomodava olhar para o aluno e perceber que ele não estava interessado”, lembra. A alternativa, que acabou surgindo de maneira muito gradual, foi valer-se do repertório cultural e de experiências acadêmicas para levar aos alunos um novo olhar. “Quando você fala de arte, de filmes, o interesse aumenta, você faz uma aproximação com o cotidiano”, diz. Hoje responsável pela formação de novos professores, Magda procura pedir aos alunos nas aulas da universidade atividades diferentes das tradicionais. Uma atividade de análise de uma obra do artista abstracionista russo Wassily Kandinsky, por exemplo, em que fragmentos podem representar “inteiros” independentes, pode levar os alunos a associar a atividade à observação necessária ao fazer científico. “O objetivo é mostrar o quanto é importante o olhar na ciência”, diz. A formação cultural e artística também se mostra uma aliada ao lidar com temas interdisciplinares, como é cada vez mais exigido na educação contemporânea. “Hoje não é possível existir uma disciplina solitária. É uma questão da vida globalizada e do acesso fácil a culturas de todo o mundo”, ressalta o professor de arte Pio Santana, que trabalha em uma escola pública de ensino fundamental e médio de São Paulo, além de dar aulas de arte em uma universidade de Santos. Segundo o professor, participante assíduo dos cursos do Museu de Arte Moderna (MAM), a arte engloba hoje elementos que estão à disposição do aluno, como videoclipes e música pop. “Por sua natureza, a arte é uma disciplina aberta, que faz parcerias com outras áreas do conhecimento”, diz. Atualmente, por exemplo, Santana está desenvolvendo um trabalho que envolve a participação do professor de língua portuguesa: os alunos deverão interpretar poemas por meio de instalações artísticas. “O professor é um mediador cultural e está diante de inúmeras possibilidades artísticas, mas são poucos aqueles que se interessam”, lamenta. |