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Publicado em 27/09/2011

Retrato da sala de aula

Pesquisa define personalidades de alunos e sugere que professor adapte sua metodologia, mas classificação pode engessar a visão docente


A tentativa de classificar o comportamento e temperamento humano vem de antes do surgimento de muitas das grandes filosofias e religiões do mundo. Hipócrates, pai da medicina ocidental – e cujas palavras ainda servem de juramento para graduandos de medicina hoje – marcou na Grécia Antiga a primeira categorização de personalidades. Segundo ele, existem quatro tipos de temperamento humano, de acordo com o fluido corporal que a pessoa mais possui: sanguíneo (sangue), fleumático (linfa ou fleuma), colérico (bílis) e melancólico (bílis negra).

Desde os tempos de Hipócrates, psicólogos, psiquiatras e outros  especialistas vêm tentando aperfeiçoar e definir os exatos tipos de personalidade humana. No fim de julho deste ano, a mais recente tentativa foi lançada no Brasil, quando Diogo Lara, psiquiatra e professor de Medicina e Biociências da PUC-RS, com sua equipe, concluíram a pesquisa Temperamento e chegaram a 12 tipos de personalidade, resumidos a quatro grupos principais: pessoas estáveis, instáveis, externalizadas e internalizadas. A novidade é que Lara aplicou esses perfis à educação, chegando a conclusões sobre como uma aula deve ser ministrada a partir das características de cada grupo de alunos. “Quisemos saber como o modelo se relacionava com diversas realidades e contextos, desde o videogame até o desempenho acadêmico”, conta Lara.

Segundo ele, a maior parte das pessoas consegue reconhecer os perfis aos quais a pesquisa chegou sem precisar de uma cartilha e, em geral, 40% dos alunos de uma sala são do tipo “estável” e os outros 60% se dividem igualmente entre os outros três perfis. Existe, na escola, a “turma do fundão”, em geral composta pelos alunos “externalizados” e alguns “instáveis”, que começam a fumar e namorar precocemente, desafiam o professor, tendem a assumir menos responsabilidades, são ótimos na aula de educação física, mas não se dão bem com o ambiente da sala de aula. Já os “internalizados”, ou “inibidos”, se sentam nas laterais da classe,  de maneira a evitar perguntas e olhares diretos. Por sua vez, os “estáveis” são mais previsíveis: prestam atenção, gostam e se conectam bem ao processo
de ensino.

A conclusão da pesquisa Temperamento é que existem dois tipos

básicos de aula: um mais expositivo, que privilegia informação, e outro mais dinâmico e prático, que foca habilidades. O tipo “estável” de aluno se adapta bem aos dois modos, enquanto os “inibidos” preferem a aula passiva, por temerem que o esquema mais participativo exponha suas vulnerabilidades. Os “instáveis” e “externalizados” precisam de atividades em que possam aplicar seu alto nível de energia, por isso preferem propostas mais práticas – em aulas expositivas não conseguem prestar atenção, cansam-se facilmente e se entendiam, o que mina sua autoestima e desempenho. “Se o professor entender que na sala de aula há pessoas desses vários tipos, pode equilibrar conscientemente atividades mais passivas com as mais participativas”, analisa Lara.

Ressalvas
Apesar de Lara garantir que a pesquisa é conclusiva, e que não há outros perfis além dos encontrados pela Temperamento, Melania Moroz, do Programa dos Estudos de Pós-Graduados em Educação, da Psicologia da Educação da PUC-SP, pondera que outros profissionais podem chegar a perfis diferentes, por isso é preciso ter cuidado na hora de classificar alunos. “Não acredito que há perfis específicos, a ponto de definirem o que deve ser ensinado e as estratégias de ensino a serem utilizadas”, observa.

A professora de história Maria Odette Brancatelli, do Colégio Bandeirantes, tem opinião parecida. Docente há 27 anos, ela diz que concorda com os perfis encontrados pela pesquisa, mas que muitos alunos possuem características de mais de um dos grupos de perfil. “As novas gerações são bem mais dinâmicas, têm mudado com uma rapidez incrível. Um novo estudo, daqui a um ou dois anos, pode apontar novos tipos de alunos”, observa. Ela também acredita que o lugar que o jovem escolhe para sentar nem sempre define o seu perfil – há inibidos na “turma do fundão” e há externalizados e instáveis na frente da sala.

Estratégias
A partir dos resultados da pesquisa, Diogo Lara defende que o segredo para uma boa aula é dividir o tempo em metade de exposição, metade de atividades práticas. Da mesma maneira, cada professor encontraria o seu jeito de envolver alunos com personalidades diferentes. Vera Lucia Antunes é coordenadora pedagógica, professora de geografia do colégio Objetivo e ex-docente da rede estadual de São Paulo. Com 42 anos de sala de aula, ela afirma que sua estratégia é, em princípio, conhecer os alunos pelo nome e lugar onde sentam, e decifrar como eles se comportam na classe. Depois, encontra maneiras diferentes de chamar a atenção de cada um. Quem está conversando ou dormindo, por exemplo, é chamado para debater algum assunto atual que se relacione com a matéria. “Procuro me aproximar, fazer com que o aluno preste atenção. Quando ele perde o que está sendo discutido, perde o interesse, e isso leva à desmotivação e à distração na aula”, afirma. Segundo ela, não há um só método em uma classe. Para os que dormiram, ela fala mais alto. Para os tímidos, ela fala mais direcionada, sem chamar a atenção.

O tipo mais difícil de motivar e envolver na aula é o “desligado” que, nas categorias de Lara, se encaixaria nos instáveis. Essa é a mesma opinião de Maria Odette, do Bandeirantes, que acha muito difícil trabalhar com os “indiferentes”, desinteressados pelo conteúdo independentemente da estratégia. Nos tipos da pesquisa, eles também se encaixariam nos instáveis. “Conquistá-los leva tempo”, diz.

A professora Vera, no entanto, atenta para o fato de que os perfis engessados podem impedir que o docente conheça de fato o estudante. Ela cita o exemplo de um aluno, hoje médico, que chegou a agredir fisicamente a diretora da escola e cujo desempenho nas avaliações escritas era baixo. Pelo contato em sala de aula, Vera sabia que ele conhecia o conteúdo. Uma prova oral mostrou que, na verdade, o garoto era disléxico – sua agressividade era resultado de frustração. “Esse tipo de aluno o professor muitas vezes acha que é vagabundo”, alerta.

Outra questão que contradiz a recomendação do professor de adaptar sua aula aos alunos diz respeito à necessidade de que os jovens desenvolvam novas habilidades e se adaptem a uma atividade à qual não estão habituados. Assim, um aluno que prefere uma aula expositiva a um trabalho em grupo deve, em algum momento, aprender a trabalhar com os colegas para ampliar suas habilidades. “Algumas vezes, o professor sabe que determinada estratégia é a mais adequada para um tema – nesse caso, são os alunos que precisam se adaptar. A necessidade de adaptação é recíproca”, afirma Maria Odette.

É o que defende Márcio Moreira, coordenador e professor do curso de psicologia do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb). Para ele, independentemente da existência de perfis de alunos e da necessidade de planejar atividades voltadas para o que os jovens trabalham melhor, o professor não pode se tornar escravo disso. “É preciso ter cuidado ao dizer que o professor precisa se adaptar, porque ele pode ficar em uma situação de receio, achando que tem de se adaptar para que o aluno aprenda”, observa. “Não posso simplesmente classificar as pessoas em tipos e dizer que elas são assim e não vão mudar.”

Outra crítica, levantada pela professora Melania Moroz, da PUC-SP, é que identificar perfis psicológicos não é o mais essencial para o sucesso de uma aula. O importante de conhecer os alunos, segundo ela, é entender o quanto eles sabem sobre o que será ensinado, para que o próprio docente possa se planejar e ter claro que proficiência o estudante deve ter no fim do processo. “Se um aluno não domina as operações matemáticas, qual é a probabilidade de que aprenda frações? Mínima! Ele provavelmente conversará com o colega, ouvirá música, ficará de cabeça deitada sobre a carteira, ou pensará em qualquer outra coisa não relacionada a frações”, diz. 

Os 12 perfis
Conheça os tipos de personalidades definidos pela pesquisa “Temperamento”

Internalizados 
* Depressivo
* Apático
* Ansioso     
(apreensivo)

Estáveis
* Eutímico 
(tranquilo)
* Hipertímico 
(energético)
* Obsessivo

Instáveis 
* Ciclotímico 
(ciclos de humor)
* Disfórico 
(humor agitado)
* Volátil 
(instável, mas aéreo)

Externalizados
* Desinibido
* Irritável
* Eufórico

Metodologia
A pesquisa Temperamento demorou seis anos para ser concluída. Está baseada na experiência clínica de Lara e seus colegas e, principalmente, nos resultados do site www.temperamento.com.br, dotado de um questionário virtual e anônimo que permite uma análise posterior do perfil de cada um. Mais de 50 mil pessoas já responderam às questões.

O método consiste em relacionar duas abordagens, o temperamento emocional e o afetivo. “No emocional levamos em conta o quanto a pessoa tem de vontade, de raiva, de medo, de sensibilidade a estresse, de capacidade de enfrentar e resolver problemas. São características fundamentais da nossa função mental”, detalha. “O temperamento afetivo é a combinação desses fatores com configurações específicas que nos levaram a 12 padrões afetivos mais comuns.”

Para aplicar a teoria à educação, a pesquisa verificou quais características afetivas e emocionais estavam relacionadas a um bom ou mau desempenho acadêmico, analisado por número de anos de escolaridade e número de repetências. “Por exemplo, quem não acabou o ensino médio tem hoje, como adulto de 24 anos ou mais, características de menos vontade, controle e capacidade de resolver problemas”, diz Lara. Os pesquisadores também levaram em conta a vivência que tiveram como alunos, a experiência de Lara como professor universitário durante dez anos e outros trabalhos de pedagogia com modelos parecidos de temperamento.


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