NOTÍCIA
A escola real não concretizou os direitos de aprender, conhecer e fazer, entre outros ideais
“O que resta para a escola ensinar?”, perguntou a minha amiga Ely. E logo me vieram à mente os quatro pilares do relatório da Unesco. Terá a escola ensinado aquilo que Jacques Dellors, há muitos anos, recomendava? Os jovens terão aprendido a conhecer, a fazer, a ser e a conviver? Vejamos.
Aprender a conhecer é algo arredio do universo escolar. Quanto muito, os jovens são depositários de informação jamais transformada em conhecimento, quase inutilidades, que apenas servem para debitar em provas e alcançar um diploma. Talvez seja essa a razão por que somente 15% dos titulares de diploma de direito conseguem aprovação no exame da Ordem dos Advogados.
E estamos conversados quanto ao aprender a fazer, a ser e a conviver: atentemos na manutenção de um ensino livresco, ao desprezo pelo desenvolvimento pessoal e social, consideremos o bullying e os assassinatos de professores.
No último reduto da transmissão de informação, os professores arriscam-se a ser uma espécie em vias de extinção. A carreira dos professores “conteudistas” está por um fio. A Ely contou-me que “professor Google” lhe ensina quase tudo. Nos seus 60 anos, como qualquer professor que se preze, a aposentada Ely continua a aprender. Achou um site em inglês com uma animação interativa do efeito do sal nas moléculas de água. E pôde experimentar como era a reação da água ao sal nas temperaturas que colocava no site. Entendeu uma das complexas propriedades coligativas da química. E o “professor Google” traduziu o texto, com perfeição, do inglês para o português.
Bernie Dodge, professor da universidade estadual da Califórnia, criou uma proposta metodológica para usar a internet de maneira investigativa e criativa: a webquest. E eu vi na TV um comercial, no qual uma jovem dizia que tinha tudo aquilo que precisava para estudar. Em casa. Na internet. Sem precisar cumprir horário de aula.
A escola que, infelizmente, ainda temos não logrou concretizar os quatro pilares da Unesco. E nem supeita de que há mais três: o aprender a desaprender, o aprender a desobedecer e o aprender a desaparecer. Aprender a desaprender, porque, como diria o Manoel, aprender é desaprender, para vencer o que nos encerra e aliena, porque desaprender vinte e quatro horas por dia ensina princípios, e porque precisamos emancipar-nos da tralha cognitiva que nos foi imposta.
Aprender a desobedecer, porque a maior parte dos normativos que regem o funcionamento das escolas são desvarios teóricos. Como diriam os mestres da não violência, leis injustas não merecem respeito e não deverão ser acatadas.
Os projetos humanos são produtos de coletivos. Já lá vai o tempo dos seres providenciais e insubstituíveis. Deveremos evitar gerar dependência em outrem, para que não nos tornemos (supostamente) “imprescindíveis”. É preciso aprender a desaparecer, a fomentar autonomia nos grupos humanos em que participarmos. Uma autonomia que não pressupõe independência, mas interdependência. Como diria um amigo: interdependência, ou morte!
*José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)