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Políticas Públicas

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Publicado em 29/03/2012

A busca pelo currículo

Com as diretrizes curriculares já consolidadas, governo se prepara para discutir as (controversas) expectativas de aprendizagem ao longo de 2012 e formatar um documento básico para o país

Imaginemos uma sala de aula em um dos rincões do Brasil. Um professor reproduz um trecho de seu livro didático na lousa. Em seguida, instrui os alunos a copiarem o trecho, que, juntamente com um pacote de exercícios, será cobrado em uma avaliação futura. Em outro canto do país, outro educador estuda as matrizes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e elabora um trabalho de leitura com sua classe baseado em compreensão e interpretação de um artigo de jornal. Em uma cidade sabe-se lá quão distante, um estudante se envolve em um grupo fora da escola para criar um aplicativo para tablet.

Esses três casos hipotéticos, porém recorrentemente observados (quanto mais próximo da primeira história, mais comum), retratam as três formas de classificar a aprendizagem de acordo com a concepção do antropólogo britânico Gregory Bateson e a análise do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. A primária é um nível básico focado na transmissão de conhecimentos específicos aos alunos. A segunda consiste em fornecer instrumentos aos jovens para que eles possam aprender a aprender, não apenas dentro da escola, mas em todas as esferas de suas vidas. A aprendizagem terciária, mais complexa, consistiria em produzir um novo conhecimento a partir da habilidade de aprender a aprender. “Os velhos padrões de desenvolvimento e de estudos do currículo são inadequados para a nova sociedade de riscos, instabilidades e rápidas mudanças na qual vivemos, pois ainda estão presos à aprendizagem primária e prescritiva”, conclui o britânico Ivor Goodson, professor da Universidade de Brighton, que também estuda o assunto.

Em outras palavras, no mundo totalmente interligado pela tecnologia e internet, em que as transformações são constantes, os jovens precisam de uma educação que ensine os conteúdos consagrados ao longo dos séculos, sim, mas também que proporcione ferramentas para que eles não apenas aprendam a buscar novos conhecimentos no mundo ao seu redor, mas produzam saberes que a sociedade de hoje ainda não conhece, e que, portanto, não podem ser ensinados. É nesse cenário que o Ministério da Educação (MEC) se prepara, em 2012, para decidir, junto às mais diversas esferas da educação brasileira, que tipo de currículo nacional quer para o país. Nesse debate, os tipos de aprendizagem descritos por Bateson e analisados por Bauman e Goodson refletem as diversas discussões em torno do novo currículo básico: desde o nível de prescrição do documento brasileiro, passando pela questão da autonomia docente, escolar e das redes, até a forma como as chamadas competências e habilidades (o “aprender a aprender” e o “aprender para produzir”, ditas as aprendizagens secundárias e terciárias) serão alinhadas ao conteúdo programático.

Um novo documento
Entre dezembro de 2009 e maio de 2011, o Conselho Nacional de Educação (CNE) elaborou as diretrizes curriculares atualizadas para todas as etapas da Educação Básica, da educação infantil ao ensino médio. Essas diretrizes, conforme explica Cesar Callegari, à frente do CNE até fevereiro e hoje secretário da Educação Básica, são orientações gerais para que as escolas, redes e sistemas de ensino elaborem os seus currículos (leia texto sobre as novas diretrizes abaixo). Concluídas e homologadas pelo MEC com o objetivo de atualizar a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de 1997, as novas diretrizes serão complementadas com o que foi denominado de “expectativas de aprendizagem”, uma relação de conhecimentos que os jovens deverão saber após o encerramento de cada série ou ciclo junto às condições necessárias para que essa aprendizagem aconteça.

Essas expectativas, que foram abertas para debate e consulta pública no início do ano (a previsão é de que esse processo termine no final de 2012), são “atos normativos que necessariamente deverão ser observados pelas escolas, redes e sistemas de ensino na elaboração de seus currículos e projetos pedagógicos”, explica Callegari. Isso é algo inédito no Brasil, pois nenhum documento curricular no passado foi compulsório (a exemplo dos PCNs, que não eram obrigatórios) ao mesmo tempo que descreveu com mais minúcia o que era esperado do aprendizado dos alunos (como a LDB, que é mais genérica).

A obrigatoriedade vem da preocupação do MEC de garantir que todas as crianças e jovens tenham os mesmos direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento – ou seja, todos os alunos devem finalizar cada ano de escolarização com conhecimentos básicos e comuns a todos, em qualquer ponto do país. O desafio, no entanto, é chegar a expectativas de aprendizagem que cumpram esse objetivo sem ferir a diversidade e o contexto regionais e a autonomia de professores, escolas e redes.

“Nada de prescrições que sufoquem o processo criativo de professores e alunos, tampouco que ignorem a diversidade de condições em que a educação se realiza no Brasil. Os percursos e recursos educativos são necessariamente diversos, mas as crianças e jovens brasileiros têm direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento iguais, independentemente de sua condição social”, afirma o secretário, salientando que definir expectativas de aprendizagem nacionais não significa que todos estarão estudando o mesmo conteúdo ao mesmo tempo, mas que existem conteúdos básicos que todos devem compartilhar. “Crianças e jovens não são maquininhas a serem programadas, mas eles têm o direito de chegar ao mesmo ponto, de atingir os mesmos objetivos independentemente de sua condição econômica e social”. É importante frisar também que, segundo Callegari, não se adotará um “currículo mínimo”, ou “único”, justamente para escapar dessa concepção de ensino engessado. “Devemos chamar de currículo básico, porque é para partir daquele ponto para mais. Significa que todas as crianças têm de ter condições de lidar com esses conteúdos, e não que existe um mínimo que elas devem saber”, detalha Cleuza Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Diversos conceitos
Mas o que são, afinal, expectativas de aprendizagem? Em termos óbvios, é o que se espera que todos os alunos aprendam ao concluírem uma série e um nível de ensino. Enquanto as diretrizes curriculares são mais amplas e genéricas, as expectativas chegam para complementá-las com recomendações explícitas sobre conhecimentos que precisam ser abordados em cada disciplina, sem, no entanto, fazer uma listagem de conteúdos, competências e habilidades. Maria do Pilar Lacerda, que conduzia a secretaria de Educação Básica até fevereiro, definiu em um fórum da Undime que as expectativas são “marcos desse percurso formativo em relação às áreas de conhecimento apontadas na LDB como base comum nacional”, e também “esclarecem as condições concretas para que as aprendizagens esperadas possam acontecer”. Apesar das definições, ninguém sabe dizer ao certo como as expectativas se configurarão na prática – segundo os entrevistados ouvidos pela reportagem, essa discussão será realizada ao longo de 2012.

De qualquer maneira, a própria adoção do termo não é consensual. De um lado do debate, Priscila Cruz, diretora executiva do Todos pela Educação, diz que esse foi o termo criado para definir os objetivos do currículo nacional que encontrou menos resistência. “Existe um trilhão de teorias sobre currículo, e como a palavra ‘currículo’ é carregada de simbolismo e conceitos na educação, quando começamos a falar de expectativas de aprendizagem uma parte da resistência deu uma aliviada, mas é a mesma coisa”, coloca.

De outro lado, pesquisadores da educação se incomodam com a confusão de conceitos e palavras, mas entendem o que significam essas expectativas e respondem negativamente a elas, alegando que  acabam excluindo uma parcela dos jovens que não consegue atingi-las. “Considero essas expectativas de aprendizagem um retrocesso. Não há novidade nelas, é uma nova retórica dos objetivos dos currículos nacionais, na qual são descartados os termos da pesquisa acadêmica”, critica Dalila Oliveira, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), entidade envolvida diretamente na discussão das novas diretrizes curriculares nacionais.

Para ela, definir prescritivamente o que cada aluno deve saber em cada período significa querer quantificar algo que não pode ser mensurado objetivamente. “O problema é que nossos alunos mais carentes e necessitados são aqueles que têm a maior dificuldade para responder a essas expectativas”, afirma. Ela acredita,  ainda, que a intenção das expectativas seja nobre, na prática vão acabar se tornando instrumentos de controle para determinar quem pode prosseguir nos estudos e quem não pode.

Elizabeth Macedo, pesquisadora especializada em currículo e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vai além. Para ela, as expectativas de aprendizagem, como estão colocadas hoje, estão esvaziadas de sentido, porque não existe um trabalho estruturado para atingi-las e por isso elas ficam como “deuses no Olimpo”, idealizadas, irreais – e, por isso, inalcançáveis. “Precisamos fazer um trabalho para entender aquilo que estou produzindo em termos de resultado e ver como consigo trabalhar em cima desses resultados. Não adianta ter expectativas que não condigam com esse processo. Claro que quando estou produzindo aquilo tenho expectativas, mas não estão postas para serem atingidas, estão sendo negociadas o tempo todo”, analisa.

Mais divergências
E como o termo “expectativa de aprendizagem” se une aos conceitos igualmente polêmicos de “competências e habilidades”? Em primeiro lugar, como esclareceu Maria do Pilar, as expectativas não são uma listagem de conteúdos, mas um grupo de orientações para auxiliar o planejamento do professor, que incluem também materiais adequados, tempo de trabalho, condições necessárias para colocá-lo na prática. Apesar de a expectativa não ser sinônimo do conteúdo em si, ela explicita o que se espera que os alunos aprendam, logo, eles podem aprender tanto conteúdos como competências e habilidades. A questão é que, como atualmente as expectativas ainda estão indefinidas, não se sabe como elas irão explicitar os conteúdos ou relacioná-los às competências e habilidades.

Priscila, do Todos pela Educação, afirma que embora cada um tenha uma concepção muito particular sobre o significado de cada termo, no entendimento de quem trabalha com avaliações, como o Enem, as competências englobam as habilidades, que por sua vez são um guarda-chuva dos conteúdos. “Existe, por exemplo, a competência leitora. Dentro disso, uma possível habilidade é saber extrair uma informação implícita de um texto. O conteúdo é uma parcela da habilidade, é mais operacional; seria como encontrar o sujeito e o predicado em uma frase do texto. O conhecimento é algo que o aluno precisa ter para poder usar o conteúdo”, exemplifica. Para ela, as expectativas de aprendizagem estão mais próximas das habilidades nesse sentido, porque se espera não apenas que o jovem saiba que em uma frase existe sujeito e predicado, por exemplo, mas saiba usar isso no entendimento de um texto como um todo.

Se existe uma falta de definição de como se espera que os professores trabalhem com essas competências e habilidades dentro do currículo, o problema na sala de aula é muito pior. Na reportagem “Modelo a construir”, publicada na edição 173 de Educação, fica claro que os educadores lutam para entender como trabalhar competências e habilidades em determinados conteúdos. E mais: a experiência mostra que quando as diretrizes curriculares são genéricas quanto à aplicação de tais conceitos, como era o caso dos PCNs, os professores voltam-se para livros didáticos, sistemas apostilados e a matriz dos sistemas de avaliação, buscando uma fórmula pronta para aplicação.

Na Austrália, país que enfrentou dificuldade semelhante, a reforma curricular incluiu prescrever uma tabela de conteúdos e, ao lado daqueles que abriam portas para trabalhar capacidades, adicionar um ícone de “competência pessoal e social” ou “pensamento crítico e criativo”. Não há certo ou errado, mas existe uma questão: qual seria a solução brasileira para tornar as competências e habilidades mais acessíveis ao professor, e não apenas conceitos idealizados mas inócuos na prática?

A principal solução apontada pelos especialistas para que os docentes possam fazer essa ponte com mais naturalidade estaria na melhoria da formação inicial e continuada. Para a pesquisadora Elizabeth, os professores ensinam no dia a dia competências básicas, enquanto as avaliações pedem competências complexas e articulação de conceitos, criando um abismo entre a competência desenvolvida pelo aluno na escola e aquela exigida nos exames nacionais.  

Segundo Heleno Araújo, secretário nacional de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), não é apenas uma mudança nas diretrizes ou a construção de expectativas de aprendizagem que irão transformar a educação no país. “Precisa-se de uma ação concomitante que ataque a raiz do problema, ou seja, devemos atacar a questão da política inicial de formação de professores”, aponta. Ele observa que fenômenos como o crescimento de cursos de pedagogia de educação a distância e a multiplicação de universidades privadas sem compromisso com a qualidade do ensino contribuem para a discrepância entre o que o educador aprende na faculdade e a realidade que enfrenta na sala de aula. Esse hiato entre o que é esperado dos alunos e as frágeis estruturas da educação, que refletem o que acontece na prática das salas de aula, é a base das críticas às expectativas de aprendizagem.

Prescrição e autonomia
Com as expectativas de aprendizagem sob os holofotes vem à tona um debate ainda mais polêmico: qual deve ser a medida ideal de prescrição do documento nacional? Um currículo dito prescritivo é aquele que define boa parte dos conteúdos que serão abordados durante cada ano letivo. Se, por um lado, ele é defendido por orientar detalhadamente o trabalho do professor, criando um padrão de qualidade, por outro, as críticas a esse modelo são duras justamente porque defendem que ele não deixa espaço ou liberdade para que os professores trabalhem.

E mais: especialistas questionam a própria escolha dos conteúdos inseridos em um currículo prescritivo. Por que alguns conteúdos são considerados mais relevantes do que outros? Todas as regiões de um país com proporções continentais, como o Brasil, têm as mesmas realidades na sala de aula? Ou o contrário: não há mesmo conteúdos comuns a todos? Segundo Callegari, a intenção é que as expectativas contemplem, em primeiro lugar, saberes que deverão ser comuns a todas as escolas, para garantir a equidade. Além disso, elas deixarão outra parte (minoritária) dos conteúdos em aberto, para que cada escola e rede trabalhem o que acreditam ser relevante para o seu contexto. A autonomia dos professores fica preservada também na medida em que a forma como os conteúdos devem ser aplicados não é explicitada.

Os dois lados
Para Afonso Scocuglia, professor da Universidade Federal da Paraíba e representante do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed), essa configuração é adequada. Ele defende o balanço de 70% comum e 30% à disposição dos estados e municípios. “Esse currículo único precisa ter objetivos e garantir certas coisas para ter equiparação do nível de ensino nas diferentes escolas”, argumenta.

Mas há quem enxergue problemas com as diretrizes curriculares já aprovadas, que servirão de base à elaboração das expectativas. Para o Todos pela Educação, o tom é o mesmo dos documentos anteriores: genérico. “O currículo tem a necessidade de ser nacional porque assim se torna mais importante, porque precisamos integrar as políticas para garantir que o aluno aprenda”, entende Priscila Cruz. “Ele tem de dar conta para orientar a formação inicial, continuada, o material didático. Por isso não há espaço para ser generalista como os PCNs, tem de ser mais programático e deixar claro o que cada aluno tem de aprender em cada série. Mas a forma de conduzir isso cabe a cada professor.” Ela comenta que vê uma forte resistência em relação a um currículo nacional e não concorda com isso, porque o que vai ser desenvolvido na escola nunca é 100% do currículo. “Sempre há um espaço muito grande para o mais, para o diferente, para o que é específico da escola.”

Do outro lado do debate, o CNTE e os teóricos da educação em geral se colocam contra uma solução prescritiva, ainda que o modelo brasileiro seja só parcialmente dessa forma. A professora Elizabeth Macedo volta à teoria dos três níveis de aprendizado do início do texto para defender que o mal da prescrição está no fato de que só se pode prescrever aquilo que conhecemos hoje, não se pode prescrever essa possibilidade de criar algo novo que ainda não se sabe o que é. E esse tipo de autonomia transcende aquela da simples aplicação do conteúdo previsto. Segundo ela, o currículo prescritivo bem aplicado e avaliado pode até ter bons resultados, mas o seu sucesso está em ensinar aqueles conteúdos que foram prescritos e, para ela, educar é mais do que isso. “Se eu quero ensinar determinadas coisas que eu já sei quais são, talvez o prescritivo não seja problemático”, diz. Em relação às novas diretrizes e às discussões sobre as expectativas de aprendizagem, Elizabeth acha que eles de certa forma ignoram que cada professor e aluno têm uma realidade, uma história de vida e um conjunto de experiências que são os principais ingredientes que ditarão como será o processo de aprendizagem, e não o conteúdo recomendado.

Enquanto isso, na sala de aula…
A favor ou contra as novas diretrizes curriculares, o fato é que sem uma definição nacional cada professor usa um documento norteador diferente para basear suas aulas. E se o objetivo nacional é a equidade de aprendizagem, essa não é a melhor rota a tomar. Elizabeth explica que professores de redes que possuem um currículo próprio em geral se apoiam em outros guias curriculares, especialmente em livros didáticos. Já quem não pode contar com um documento produzido por secretarias de Educação, em geral se orienta pela LDB e pelos PCNs.

Um fenômeno crescente em todas as escolas é a utilização das avaliações nacionais, como a Prova Brasil e o Enem, para extrair delas conteúdos a serem trabalhados. “Usar os resultados das avaliações para influenciar o que ensinar nas escolas é péssimo, é o pior dos mundos, porque são os exames que devem ser orientados pelos currículos, e não o contrário”, alerta Dalila Oliveira, da Anped. Cesar Callegari, do MEC, concorda plenamente. “Atualmente vivemos uma inversão inaceitável: provas externas estão determinando o currículo, quando deveriam apenas fornecer indicadores sobre o seu desenvolvimento. Precisamos enfrentar essa distorção”, afirma. Esse enfrentamento pode ser feito com as novas diretrizes, segundo Scocuglia, do Consed. Ele acredita que a pluralidade de documentos usados como guias curriculares por um lado traz uma riqueza, mas por outro, mais sério, causa a pulverização de visões. “O currículo nacional vai tentar não castrar isso, mas garantir que, apesar de visões diferentes, seja possível garantir a aprendizagem em qualquer escola. Mas você percebe que isso é mais fácil de falar do que de fazer.”

Cristiano Estrela

Porto Alegre: modelo misto
Na década de 90, a rede municipal de Porto Alegre (RS) criou a Escola Cidadã, uma proposta curricular para o ensino fundamental com seus alicerces na gestão democrática. As diretrizes foram feitas em conjunto por mais de 500 representantes da comunidade escolar de todas as unidades de ensino. O grupo criou metas de aprendizagem que deveriam ser alcançadas por todos os alunos até 2000, mas mudou as regras do jogo: dividiu o ensino fundamental em três ciclos – infância, pré-adolescência e adolescência – de três anos cada para respeitar o tempo de aprendizagem dos alunos, aboliu a reprovação e organizou o currículo em torno de competências e habilidades. Cada escola ficou responsável por criar seu próprio currículo, orientado pela rede. Houve prescrição, mas também espaço para a autonomia das escolas. O programa terminou em 2000.

Alex Almeida/ Folhapress

São Paulo: prescrição
O modelo de currículo adotado pela secretaria estadual de São Paulo em 2008 traz um elevado nível de prescrição: o documento é claro e objetivo, sintetizando em tabelas o que os alunos devem saber em termos de conteúdo em cada disciplina de cada série. Os conteúdos são relacionados a uma série de habilidades esperadas que o aluno desenvolva no fim do período, que são vinculadas a atividades correspondentes que os professores devem realizar em sala de aula. Por exemplo: no conteúdo “grandezas e medidas”, da matemática da 1ª série do ciclo I, é esperado que o aluno aprenda a identificar unidades de tempo, a utilizar calendários e a comparar grandezas da mesma natureza, e isso pode ser realizado através de uma série de atividades propostas, como elaborar um livro de receitas e observar embalagens de produtos.

Maria Tereza Correia/EM/D.A Press

Belo Horizonte: autonomia
Sem metas, reprovações ou boletins, esse modelo de currículo foi implementado no ensino fundamental de Belo Horizonte (MG) em 1995 e durou 15 anos. As notas eram baseadas em conceitos, no comportamento e no desenvolvimento apresentado pelo aluno em sala de aula, e os alunos eram agrupados por idade e área de interesse. O currículo era desvinculado da prescrição de conteúdos, mas estimulava fortemente o trabalho das competências e habilidades dos jovens. Problemas em sua aplicação e forte resistência impediram a Escola Plural de funcionar como o planejado e a levaram ao fracasso, sendo substituída por novas diretrizes curriculares focadas em metas e em gerar bons resultados nas avaliações nacionais.

15 anos depois, novo currículo
Diretrizes curriculares começaram a ser divulgadas em 2009

Em dezembro de 2009, foram fixadas as novas diretrizes para a educação infantil. Seguiram-se a isso, em julho de 2010, as diretrizes para a Educação Básica e, em dezembro do mesmo ano, para o ensino fundamental. Por último, em maio de 2011, ficaram prontas as diretrizes curriculares para o ensino médio. Com isso, a educação brasileira de fato entrou no século 21, pois se amparava ainda na LDB e nos PCNs, documentos de 1996 e 1997. Os novos documentos não são revolucionários, mas estão atualizados e contextualizados em uma realidade – educacional, econômica, social e mundial – totalmente diferente de 15 anos atrás, quando ainda se observava o surgimento da internet e o país completava apenas uma década de democracia. A partir de então, a educação registrou desde pequenas transformações, como a inclusão do ensino de espanhol e história e cultura afro-brasileira e africana, até grande mudanças, a exemplo do ensino fundamental de nove anos. Tudo isso está presente nos novos documentos. Sua legitimidade está no processo de construção democrático, que envolveu diretamente entes das mais diversas esferas da sociedade, como o Consed, a Undime, a Anped, entre outros, além de professores, pesquisadores, dirigentes municipais e estaduais de ensino, bem como representantes de escolas privadas.


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