NOTÍCIA
Secretarias de Educação buscam modelos de gestão distintos para trabalhar de maneira eficiente, menos burocrática e em prol de um objetivo: a aprendizagem dos alunos
Nas últimas décadas, o país praticamente superou um grande desafio da política educacional: a universalização do acesso à Educação Básica. Em 2009, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontaram que 97,6% das crianças de 6 a 14 anos frequentavam a escola. Mesmo com o avanço, os altos índices de analfabetismo e a própria dificuldade das redes em manter a oferta continuam presentes. Além disso, é cada vez mais urgente uma velha questão da educação pública, ressaltada constantemente pelas avaliações em larga escala: a baixa qualidade do ensino.
Além da necessidade de atender a essas demandas, outros fatores relacionados à dinâmica da própria máquina pública estão levando as secretarias de Educação a modificar um ponto específico de sua engrenagem: a organização dos processos de gestão. O objetivo é entender como um órgão de proporções significativas, que geralmente movimenta o maior orçamento do estado ou município, pode trabalhar de maneira eficiente e menos burocrática. “O que se tem visto é a introdução de mecanismos pautados na administração gerencial, de natureza empresarial”, afirma Theresa Adrião, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fernando Abrucio, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que as reformulações são decorrentes da necessidade de efetivar o direito de aprendizagem dos alunos. “Para se chegar a isso, um dos mecanismos é buscar maior eficiência e efetividade nas políticas públicas”, afirma.
É o caso das secretarias estaduais de Educação de São Paulo, do Paraná e do Espírito Santo, além da secretaria municipal de Educação de Sorocaba (SP), que investiram recentemente em mecanismos gerenciais distintos. Em São Paulo, rede que concentra 5,3 mil escolas, 230 mil professores e mais de quatro milhões de alunos, a reformulação foi implantada no final de 2011, e trouxe alterações profundas na organização do órgão. Em linhas gerais, buscou-se solucionar problemas de desalinhamento entre as diretorias, superposição de tarefas e burocratização das funções dos diretores e da gestão de recursos humanos. Segundo Fernando Padula, chefe de gabinete, a estrutura que vigorou até 2011 remontava a 1976. Portanto, mais de 30 anos se passaram, o que a tornou obsoleta.
Contornos atuais
Na recente configuração, a pasta passou a ter cinco novas coordenadorias que centralizam as tarefas administrativas. As antigas coordenadorias de ensino da Grande São Paulo e do Interior (COGSP e CEI), de Ensino e Normas Pedagógicas (Cenp) e os departamentos de Recursos Humanos (DRHU) e Suprimento Escolar (DSE) foram extintas, e os servidores destas áreas, transferidos para as novas unidades de acordo com suas funções. Agora, operam cinco novas coordenadorias: de Gestão da Educação Básica; de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional; de Infraestrutura e Serviços Escolares; de Gestão de Recursos Humanos; de Orçamento e Finanças. Em paralelo, está posicionada a Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores Paulo Renato Costa Souza. O Conselho Estadual de Educação (CEE), a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e o Comitê de Políticas Educacionais aparecem, no novo organograma, como órgãos vinculados à pasta.
O novo modelo resultou de um projeto realizado nos últimos três anos, com apoio técnico da Fundação para o Desenvolvimento Administrativo (Fundap), órgão vinculado à secretaria de Gestão Pública do Estado. Segundo a secretaria, as novas coordenadorias centralizarão procedimentos administrativos específicos, atualmente dispersos na rede – o objetivo é corrigir distorções, fortalecer as estruturas regionais e desonerar as escolas de trabalho burocrático.
Centralização versus autonomia
Um dos aspectos da reforma da SEE retirou as tarefas burocráticas da responsabilidade de supervisores de ensino e diretores de escola. “Eles ficavam com uma série de atividades que não as suas prioridades, que são visitar escolas, orientar diretores, verificar implementação do currículo”, comenta o chefe de gabinete. “Não dá para prescindir do supervisor de ensino. É um elo importante na engrenagem para garantir que as políticas formatadas pela secretaria consigam ser implementadas lá na ponta”, destaca.
Um exemplo de tarefa que desviava o foco dos gestores das questões pedagógicas é a de compra. O novo formato trabalha com o conceito de gestão da cadeia de suprimentos, prática já utilizada nas empresas privadas. Em outras palavras, integra fornecedores e fabricantes para que a mercadoria necessária nas escolas seja produzida e distribuída nas quantidades ideais, na localização certa e no tempo adequado. Ao mesmo tempo, o sistema foi montado de tal maneira que procura manter a autonomia da escola, sem burocracia, dentro da lógica de ganho de escala. Segundo Padula, os diretores vão definir as necessidades de compra e administrar uma conta corrente virtual, sem lidar com dinheiro e tarefas burocráticas, como prestação de contas. A coordenadoria de infraestrutura e serviços escolares incluirá o órgão licitante da secretaria para todas as áreas.
Para o cientista político Fernando Abrucio, a boa autonomia das escolas é a de caráter pedagógico. “O avanço da gestão do secretário Herman Voorwald está na decisão de melhorar os insumos – como professores, estrutura administrativa, compras – em função dos resultados. Se você olhar apenas para os resultados, torna-se uma ‘corrida de cavalos'”, comenta. Criar condições para o professor ensinar bem os alunos deve estar entre os objetivos fundamentais do órgão, sugere.
Caminho antagônico
Sem investir em mudanças significativas em sua estrutura, a secretaria estadual de Educação do Paraná vem apostando no modelo oposto ao adotado pela pasta paulista: a descentralização de recursos para as escolas. Segundo Jorge Eduardo Weckerlin, diretor-geral da rede, o sistema adotado evita processos administrativos intermediários. A pasta paranaense trabalha com um fundo rotativo de recursos, que concentra somente os recursos passíveis de serem manejados pelas escolas – o fundo movimenta R$ 80 milhões por ano. O valor é distribuído às escolas para a aquisição de materiais de consumo e serviços. Para garantir a eficiência do sistema, Weckerlin garante que os repasses são feitos rigorosamente de acordo com o cronograma estabelecido. “Apesar de básico, isto é importante, pois sabemos que é comum no setor público aquela situação em que os recursos só chegam ao final do ano.”
As compras feitas pelos gestores da escola são cadastradas em sistema eletrônico e podem ser consultadas no portal Dia a Dia Educação (www.diaadia.pr.gov.br). O diretor da rede aponta a facilidade de administração do recurso pelas próprias escolas e maior controle social sobre o dinheiro público como benefícios da modalidade adotada na secretaria. Segundo ele, entre os resultados positivos estão acesso a pequenas empreiteiras e participação da comunidade escolar nas decisões, o que levará à expansão do sistema para outras unidades, nos próximos anos.
A política de descentralização da SEED passa também pela merenda escolar. “Estamos testando em 21 escolas, que devem seguir o manual do fundo rotativo. Além do controle social, o programa favorece o pequeno comerciante”, comenta. A compra de produtos de agricultura familiar para merenda escolar está prevista pelo Ministério da Educação. No tocante à educação propriamente dita, o planejamento pedagógico também foi descentralizado.
Questionado sobre a carga de processos e possível burocracia com que as escolas serão acarretadas com as novas responsabilidades, Weckerlin responde que os sistemas precisam ser muito bem organizados. “Para não dar mais trabalho às escolas”, comenta. Para a professora Theresa Adrião, a aproximação à comunidade na gestão escolar está dimensionada na relação entre os meios adotados e os fins que se pretende atingir pela administração pública. “A construção de relações democráticas e o estabelecimento efetivo do compromisso dos segmentos interessados na educação com a sua melhoria exigem a instalação de mecanismos e instâncias com poder efetivo para decidir”, ensina.
Digitalizar
Seja por meio da tecnologia da informação ou pela aplicação de metodologias de trabalho, algumas secretarias optam por sistematizar o trabalho pedagógico, como tentativa de organizá-lo. Desde 2008, a secretaria estadual de Educação do Espírito Santo utiliza em sua rede o Sistema de Gestão Escolar. Baseado em tecnologia do CPqD, instituição de tecnologias da informação, o objetivo é justamente otimizar o processo de administração, de acordo com Paulo Possato, gerente de planejamento e avaliação do órgão.
Informatizar
“Trata-se de uma ferramenta gerencial para o trabalho de diretores de escolas e para o secretário da Educação”, afirma. O software concentra informações como matrícula, nota e frequência, boletins eletrônicos dos alunos e controle de transporte escolar da rede. A possibilidade de planejamento mais aprimorado da rede física – em função das informações atualizadas sobre fluxo e demanda de matrículas – e acompanhamento do currículo são alguns dos benefícios citados por Possato. Ele conta que houve uma mudança de cultura no sentido de os diretores se acostumarem com a dinâmica tecnológica. “Antes, uma série de informações estava, em grande parte, em papel. Com isso, tivemos de entrar com processo forte de capacitação. E como a rotatividade de gestores é grande, a formação tem de ser feita anualmente”, comenta.
O trabalho contínuo caracteriza, também, o Sistema de Gestão Integrado (SGI), implantado na Secretaria da Educação de Sorocaba, no interior de São Paulo. Trata-se de um modelo de gestão que orquestra os esforços de todos os que trabalham ou estudam em um sistema público de ensino, visando o alto desempenho dos alunos, segundo descrição da Fundação Pitágoras, responsável pelo sistema. O projeto teve início em 2007. “Sabíamos da necessidade de alinhamento das ações, desde o governo até as escolas. E tivemos a oportunidade de conhecer a experiência com o SGI em São José dos Campos”, conta a secretária Maria Teresinha Del Cista. A metodologia consiste em reuniões periódicas com gestores e consultores da Fundação Pitágoras, para aplicação dos processos próprios do sistema. Maria Teresinha aponta o alinhamento da matriz curricular em toda a rede (composta por 120 unidades escolares) e o monitoramento padronizado da aprendizagem como resultados do processo.
Perspectivas
Para Theresa Adrião, os modelos de gestão adotados pelas secretarias mencionadas nesta reportagem são de natureza empresarial, o que simboliza um contrassenso para a administração pública. Isso porque na iniciativa privada eles têm como objetivo a diminuição dos custos (da organização), tendo em vista a perspectiva de ampliação do capital. “Não são estes os objetivos da gestão pública”, comenta. A educadora afirma que o importante é ter clara a noção de que toda posição ou proposta representa, fundamenta-se e indica uma visão de mundo. “A administração pública difere da privada por poder ser objeto e palco de debate e disputa, no mínimo a cada eleição. Isto não ocorre no setor privado e faz toda a diferença. Vivemos em uma sociedade mais aberta, na qual as disputas e debates entre grupos precisam ser bem-vindos. A questão é que essa disputa é desigual”, pondera a professora.
Mas, uma vez que essas secretarias optaram por buscar melhorias para sua gestão, o importante a considerar é o objetivo a que se prestam – ou seja, sua razão de ser. Theresa cita ideias do professor Vitor Henrique Paro, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), para citar princípios “aparentemente” elementares do campo da gestão. “Para ampliar a eficiência, os meios precisam ser adequados aos fins. Os fins da administração educacional pública são a ampliação do direito à educação nas dimensões de acesso e qualidade. Isto é ser eficiente”, afirma Theresa. Se a adoção de modelos de gestão fará diferença na busca pela universalização do acesso e qualidade da educação pública, somente o tempo e futuros estudos poderão dizer.