NOTÍCIA
Ao promoverem programas de saúde física e mental, escolas e redes de ensino assumem a responsabilidade sobre os sintomas relacionados à natureza do trabalho docente e conseguem reduzir índices de absenteísmo
Publicado em 04/07/2012
No Colégio São Luiz, os professores têm dois dias da semana para a prática de exercícios na piscina do colégio |
A costumeira ausência por motivos de saúde é mais uma prova do que a maioria dos professores sabe ou desconfia: a carreira docente pode cobrar um alto custo da saúde física e emocional de seus profissionais. Para se ter uma ideia, entre os problemas mais comuns estão os distúrbios da voz e osteomusculares, mas estudos mostram ser comuns problemas como ansiedade e depressão. Diante dos reflexos na saúde do professor, fica a pergunta: até que ponto os sintomas relacionados ao cotidiano e à natureza do trabalho docente são também responsabilidade da escola?
Para Wanderley Codo, coordenador do Laboratório de Psicologia no Trabalho da UnB (Universidade de Brasília), é papel de diretores, escolas, secretarias e do Ministério da Educação adotar uma política para a melhoria das condições de trabalho que resultem na diminuição da incidência desses problemas na saúde do professor. Mas ele alerta que é impossível eliminar a causa desses distúrbios, pois eles são inerentes à carreira docente. Pensando nisso, algumas escolas particulares e de redes públicas têm se movimentado para auxiliar na prevenção e tratamento de distúrbios ligados ao trabalho docente. Iniciativa pioneira no país surgiu na rede estadual de educação da Bahia. Preocupada com o nível de absenteísmo dos professores por motivos de saúde, que chegava a 30% em algumas escolas, a Secretaria criou o Programa de Atenção à Saúde e Valorização do Professor, que levou às unidades da rede, em 16 encontros anuais, oficinas de quatro tipos: psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia e assistência social.
“O trabalho do professor é muito penoso porque não é só estar na sala de aula, envolve uma série de outros fatores. Se são proporcionadas condições ideais, claro que o trabalho melhora”, diz Cícera Lucia Coimbra, coordenadora técnica de psicologia do programa.
Tratamento gratuito
Cícera conta que as principais queixas nas oficinas são a dificuldade de lidar com a miséria dos alunos (material e de valores), a desvalorização do trabalho, os baixos salários, a perda de alunos para o tráfico de drogas, a evasão escolar e a infraestrutura da escola.
Quando, durante as oficinas, um professor é diagnosticado com um quadro patológico (já passou da fase de prevenção), a rede o encaminha para um tratamento gratuito em universidades parceiras (públicas e particulares). “Um dado preocupante é que 85% dos professores, de 1.000 que ouvimos para uma pesquisa, já têm pelo menos uma patologia instalada”, observa Maria Regina dos Anjos, idealizadora e coordenadora do programa.
Desde 2009, quando começou a ser adotado em escolas de Salvador e do município de Jequié, mais de cinco mil professores foram atendidos. Com isso, o nível de faltas dos educadores caiu drasticamente, dos 30% registrados em alguns casos até uma média de 5%. Recentemente a rede criou também o SAC Educação, um atendimento que, entre outros serviços, marca pelo telefone consultas para os professores nas instituições parceiras.
Amigos da voz
Aidé da Costa, da equipe pedagógica do Colégio Estadual Renan Baleeiro, de Salvador, participou da oficina de fisio e fonoterapia. “Mudei duas coisas na minha rotina: equilibrei meu tom de voz e faço alguns exercícios ao acordar. Senti que minha postura melhorou e minha voz também”, conta.
Na mesma linha da Bahia, a Secretaria de Educação de Sergipe criou em 2007 o Qualivida. Uma equipe multidisciplinar atende, na sede da Secretaria e nas dez diretorias regionais, todos os educadores da rede – no total foram realizados mais de 20 mil atendimentos. “O trabalho tem surtido muito resultado porque minimizou a falta”, afirma Silvio Oliveira, coordenador da rede.
A iniciativa também engloba o programa de educação vocal, que oferece oficinas de fonoaudiologia diretamente nas escolas, além da certificação “Escola Amiga da Voz”, um selo criado para unidades que promovem mudanças efetivas nas condições de trabalho do professor e conseguem reverter o quadro de adoecimento da equipe por causa de problemas vocais.
Academia parceira
Outra prática adotada pelas escolas é o convênio com unidades parceiras. O Colégio Marista Arquidiocesano, de São Paulo, oferece aos professores 50% de desconto em uma academia. “Em São Paulo temos uma incidência muito alta de doenças funcionais, muitos atestados médicos, muitos professores estressados e que, no cotidiano da cidade, não têm tempo para cuidar disso”, afirma o diretor Ascânio João Sedrez. No Colégio São Luiz, também de São Paulo, a ginástica laboral oferecida aos docentes é coordenada pela área de Educação Física, onde são oferecidas atividades semanais, como exercícios de concentração, relaxamento muscular e equilíbrio. Além disso, os professores têm dois dias da semana para a prática de exercícios na piscina.
Para o diretor administrativo do Colégio, Jairo Cardoso, as ações, porém, não devem se restringir aos professores. “As medidas que devemos tomar são de caráter estratégico e abrangente direcionadas a todas as equipes envolvidas na escola, corpo diretivo, administrativo, pedagógico, pessoal operacional e até os pais, por meio de palestras e cursos em que tomem contato com nossa maneira de ser e nossos profissionais.”
Problemas somatizados | |
Doutora em saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana, Tânia Maria de Araújo observa que os problemas de saúde física que mais acometem os professores são distúrbios da voz e os osteomusculares (relacionados aos ossos e aos músculos). Mas, acima disso, o que mais tem preocupado é a saúde mental. Segundo ela, 20% dos professores universitários de Feira de Santana e Salvador (UEFS e UFBA) são vítimas de ansiedade, depressão e sintomas somáticos. O índice sobe para 55% entre os docentes da rede pública municipal de Vitória da Conquista. “A diferença se explica porque há uma série de variáveis, do ponto de vista da qualificação, condições de trabalho e população atendida.”
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Falta foco nas pessoas | |||
A área de gestão de pessoas vem se desenvolvendo bastante nas instituições de ensino, mas ainda está atrasada em relação à gestão de pessoas praticada no mundo corporativo, acredita o diretor do Instituto Gestão Sustentável e diretor de Educação na Associação Brasileira de Recursos Humanos – ABRH, Luiz Edmundo Rosa. Isso porque a prática depende propriamente da direção das escolas. “A entrada de pessoas com pouca motivação, sem uma vocação clara, torna o processo educacional muito mais difícil. Poucas são a instituições que têm um programa sistemático com foco no desenvolvimento de seus professores em relação aos programas das empresas”, lamenta Rosa. Para a Ph.D. em Administração Maria de Fátima Abud Olivieri, um dos motivos para tal atraso está na falta de uma preparação formal e de adequada experiência destes gestores para assumir posições gerenciais nas instituições. “O desafio não é necessariamente o de trocar de gestores e sim de qualificar, com técnicas, os que já fazem parte das instituições. A relevância está no quanto o dirigente conhece na sua área de atuação e não simplesmente na sua formação de origem. Sendo em parte intangível, o capital humano não pode ser gerenciado da mesma maneira que as empresas gerenciam tecnologias, produtos e cargos/salários. Para realizar um trabalho com pessoas, é necessário entender um pouco do comportamento humano e conhecer os vários sistemas e práticas disponíveis, que auxiliam na construção de uma força de trabalho qualificada e motivada”, explica. (Amanda Proetti) |