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Ensino Superior

No caminho do bem

Atividades para despertar a cidadania, cultura e integração dos novos alunos ao entrar na faculdade transformam os trotes universitários e passam a contar positivamente na avaliação por Márcia Soligo O trote é uma tradição que faz parte da recepção aos calouros de uma faculdade, aplicado […]

Publicado em 25/02/2013

por Redação Ensino Superior

Atividades para despertar a cidadania, cultura e integração dos novos alunos ao entrar na faculdade transformam os trotes universitários e passam a contar positivamente na avaliação
por Márcia Soligo
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O trote é uma tradição que faz parte da recepção aos calouros de uma faculdade, aplicado muitas vezes pelos colegas veteranos ou mesmo promovido pela própria instituição. O momento que marca a entrada do estudante no mundo acadêmico, porém, apesar da fama alcançada pela prática de trotes vexatórios, que incluem o corte de cabelos, a pintura do corpo e rosto dos alunos, entre outras ações mais ou menos constrangedoras, há algum tempo vem se transformando em ação de responsabilidade social e integração e ganha reforço no sistema de avaliação do MEC.
No Brasil, o número de instituições que praticam os trotes solidários e “do bem” cresce a cada ano, explorando esse importante ritual de passagem como fonte de integração e alicerce para os anos de experiência acadêmica que virão na vida do estudante.
A constituição de uma boa base social desde a entrada do aluno na faculdade é defendida pelo diretor Acadêmico de Graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), Ismael Rocha. De acordo com ele, rituais de passagem existem, mas podem ser realizados envolvendo valores humanitários. Desde 2009, a ESPM da capital paulista realiza durante uma semana no início de cada semestre atividades de integração. O objetivo é substituir definitivamente qualquer outro tipo de trote por ações coordenadas pela própria instituição e que promovam uma recepção calorosa ao ingressante, agregando valor e cultura.
Segundo Ismael, esse momento é fundamental e indispensável para o ingressante, pois estimula o espírito coletivo e contribui para o processo de aprendizagem. Para o diretor, a partir do primeiro contato, o estudante passa a conhecer melhor a escola e a viver a instituição de forma que o importante processo de formação profissional se estabeleça agradavelmente.
O momento de recepção aos alunos no Instituto Metropolitano de Ensino Superior (Univaço), localizado no Vale do Aço, em Minas Gerais, também é aproveitado desde o princípio para envolver os estudantes e despertar o espírito de responsabilidade social. Por ser uma instituição voltada à área da saúde, o Univaço promove atividades sobre cuidados com o corpo e prevenção de doenças.
Para a diretora Acadêmica do Univaço, Vera Lúcia Venancio Gaspar, a iniciativa é um marco na vida dos novos universitários e contribui definitivamente para a formação de médicos responsáveis, comprometidos com a cidadania e a comunidade. Como recompensa, além do envolvimento social dos alunos e o seu comprometimento com o curso escolhido, a iniciativa já foi premiada pela Fundação Educar DPaschoal, que reconhece os trotes solidários em todo o Brasil.
Ponto na avaliação
A preocupação com a formação de um profissional e o desenvolvimento de uma consciência de cidadania e responsabilidade é o que conduz à realização de iniciativas como essas. Contudo, a preocupação das instituições deve ir além disso, e banir de uma vez por todas a realização de trotes violentos e prejudiciais à saúde física e mental dos alunos. O próprio governo entrou nessa campanha e estabeleceu no ano passado que o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) passasse a considerar como parte da avaliação de instituições públicas e privadas as ações promovidas para a implantação de trotes solidários.
A medida foi aceita por unanimidade pela Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Conaes), que é responsável pela coordenação e supervisão do Sinaes, e demonstra uma preocupação em acabar de forma definitiva com a ocorrência de trotes infelizes, como o do aluno de medicina da USP, Edison Tsung Chi Hsueh, calouro que foi encontrado morto na piscina após o trote em 1999, e as meninas que foram obrigadas a lamber linguiças simulando atos sexuais no trote da Faculdade de Agronomia e Veterinária da UNB, em 2011.
Algumas universidades proibiram completamente a prática de trotes e outras ainda criaram linhas diretas para denúncias de acontecimentos humilhantes ou violentos. Mesmo assim, a coibição muitas vezes se limita ao espaço da instituição, que apenas desaprova as ações realizadas externamente e não se responsabiliza quando o incidente ocorre fora das dependências da escola.
Na França, os trotes passaram a ser severamente punidos e são proibidos por lei desde a morte de um estudante em 1998. A pena para quem pratica é de seis meses de prisão ou o pagamento de € 7.600.
A simples proibição, contudo, não é o bastante para evitar definitivamente a ocorrência de ações brutais ou de mau gosto contra os calouros. Para Ismael Rocha, não basta proibir os trotes, é preciso vontade política da alta direção da instituição para criar alternativas, oferecer espaço, ajuda financeira e estrutura. Com novas possibilidades à disposição os alunos raramente recorrem a outras formas de trote que não as lúdicas e sociais. De acordo com a ESPM, nenhuma atividade desaprovada foi registrada pela instituição desde o começo das atividades de integração dos calouros.
A coordenadora do FAAP Social, pertencente à Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Andrea Sendulsky, diz que o trote solidário é importante pois tira o calouro das ruas nos primeiros dias de aula, evitando os trotes desagradáveis, e é uma forma de mostrar os valores da instituição com uma recepção baseada em respeito e espírito de cidadania.
As atividades para os calouros na FAAP mesclam cultura e solidariedade, com shows de stand up comedy, música, arte e arrecadação de alimentos para doações. Os diretórios e centros acadêmicos também são envolvidos na programação, que inclui a divulgação da iniciativa e uma campanha para alertar sobre a proibição e as penalidades nos casos de trotes violentos ou que venham a ferir os valores preconizados pela instituição.
De acordo com a FAAP, também desde o segundo semestre de 2009, quando a campanha foi iniciada, nenhum aluno foi submetido a qualquer forma de trote vexatório. Andrea explica que a consolidação do projeto de trote diferenciado tem contribuído para a mudança da cultura interna sobre o trote, pois os calouros que não estão sujeitos a situações de exposição ao ridículo ou estímulos agressivos, consequentemente, não sentem a necessidade de agir da mesma forma com os novos “bixos”.
Construção positiva
Ao entrar para o ensino superior, o jovem espera um novo universo. Tantas novidades e o desconhecido trazem a insegurança, a necessidade de se afirmar e escolher pessoas em quem se inspirar. Por tais motivos, a recepção pode marcar toda a vida acadêmica do aluno. Pode trazer uma experiência positiva de integração social e descobertas, com aceitação por parte dos veteranos e inclusão na realidade acadêmica, ou trazer humilhação e medo da realidade que o espera. Independentemente da experiência, ambas perduram por todos os anos do estudante no meio acadêmico e podem causar traumas irreparáveis e até o abandono da faculdade.
O movimento em curso não é o de apagar a cultura dos trotes, mas sim o de modificar o foco, transferindo o mote da ação para uma recepção mais harmoniosa, coordenada e acompanhada de perto pelos gestores das instituições. Nesse sentido, o caminho escolhido para os trotes ruma para a construção de atividades que agreguem valor social e cultural, fazendo com que os novos alunos sejam recepcionados de forma saudável e que tal experiência fortaleça suas relações com os colegas, com a faculdade e com a formação para toda a vida.
 

Calorosa iniciativa
De show e apresentações culturais à mobilização social, diferentes atividades são realizadas para dar as boas-vindas aos novos universitários. Na Semana de Integração da ESPM-SP, além de gincanas, acontece uma aula inaugural destinada a alunos e pais com a participação de personalidades importantes. Iniciativas sociais e o envolvimento dos calouros nas atividades acadêmicas da instituição, como nas empresas internas, também fazem parte da programação. Já o Trote Cidadão do Univaço é desenvolvido pela coordenação do curso de medicina, envolvendo os calouros em temas relacionados à saúde. No segundo semestre de 2012, os alunos realizaram uma campanha contra o tabagismo, com visitas a escolas da região, distribuindo material educativo e realizando palestras de orientação sobre os malefícios do cigarro. Na FAAP, desde 2009 as atividades de recepção aos novatos envolvem cultura e solidariedade, como shows de stand up comedy e improviso com grandes nomes do humor brasileiro, música, arte e arrecadação de alimentos para doações. Também ocorrem visitas a ONGs para desenvolver atividades lúdicas com crianças e adultos, como contação de histórias e oficinas de artes.

 

Incentivo ao trote solidário
 Com o intuito de contribuir para o fim da cultura dos trotes que não promovem ganho para a sociedade, a Fundação Educar DPaschoal realiza desde 1999 o Trote da Cidadania, uma iniciativa que reconhece as melhores práticas em trotes solidários no Brasil. A fundação também auxilia no desenvolvimento de projetos e  dispõe de uma plataforma on-line que funciona como um banco de ideias de projetos realizados nos anos anteriores para consulta e consequente inspiração de instituições que ainda não pratiquem trotes sociais ou que queiram melhorar suas práticas. A inscrição pode ser feita no site trotedacidadania.org.br.

 

No compasso da turma
O trote é uma prática antiga, aplicada pelos estudantes veteranos aos novos alunos que entram numa faculdade. O primeiro registrado na história data do ano de 1342, na Universidade de Paris. A designação desse momento de transição se origina da ação de trotar dos cavalos, um estilo de passada ensinada aos animais pelos seus treinadores, não praticado naturalmente pelo animal. Ou seja, o nome trote já sugeria que os calouros deviam ser ensinados como se portar na universidade pelos veteranos, mesmo que a custo de brincadeiras pesadas e vergonhosas.

 

Autor

Redação Ensino Superior


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