NOTÍCIA
Estudo mostra que o Brasil é o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo e tenta apontar saídas para o modelo de agronegócio brasileiro
Publicado em 04/03/2013
Diversos agrotóxicos usados no Brasil já são proibidos na União Europeia |
O documentário de Silvio Tendler pode insinuar um filme de terror, mas O veneno está na mesa, película do experiente documentarista brasileiro, assusta mesmo pela revelação, em vídeo, de uma realidade cotidiana: 28% dos alimentos oferecidos à população brasileira são insatisfatórios para consumo. Baseado em dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), divulgado em 2012, o filme mostra que desde 2008, quando ultrapassou os Estados Unidos, o Brasil é o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo.
Elaborado por pesquisadores de diversas universidades federais brasileiras, o extenso relatório da Abrasco reúne dados oficiais e uma série de estudos que denunciam o descontrole do uso de agrotóxicos no Brasil e comprovam os graves e diversificados danos à saúde provocados pelo uso de biocidas. O dossiê foi divulgado em três momentos no ano passado, sendo que os últimos dados foram tornados públicos em novembro. O nível médio de contaminação dos alimentos colhidos nos 26 estados do país é grave: pimentão (91,8%), morango (63,4%), pepino (57,4%), alface (54,2%) e cenoura (49,6%), apenas para citar alguns exemplos.
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O dossiê revela ainda que o Brasil é o mercado prioritário de uma indústria milionária. Nos últimos dez anos, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, enquanto o mercado brasileiro cresceu 190%. Em 2010, o mercado nacional representou 19% do mercado global de agrotóxicos, movimentando US$ 7,3 bilhões. Em 2011, as vendas aumentaram em 16,3%, atingindo US$ 8,5 bilhões.
Neste universo de cifras bilionárias, as lavouras de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar representam 80% do total das vendas do setor, sendo que só a soja é responsável por utilizar 40% do volume total entre herbicidas, inseticidas, fungicidas, acaricidas e outros (adjuvantes, surfactantes e reguladores).
Efeitos na saúde
Os estudos referentes aos malefícios causados à saúde pelo uso e ingestão de alimentos com agrotóxicos demonstram que o problema é muito maior do que se tem conhecimento, pois a maioria desses estudos decorre de análises em animais ou in vitro. Além disto, tais experiências examinam a exposição animal ou humana a um único ingrediente ativo, situação que não condiz com a realidade da população, que pode ingerir dezenas de ingredientes ativos num só alimento ou combinando diversos produtos numa única refeição.
Quando um ou mais agrotóxico são utilizados em culturas para as quais não estão autorizados, principalmente aqueles em fase de reavaliação devido à sua alta toxicidade, as consequências na saúde humana e ambiental são nocivas. A começar pelo aumento da insegurança alimentar para os consumidores que ingerem o alimento contaminado com ingredientes ativos, pois esse uso irregular não é considerado no cálculo da Ingestão Diária Aceitável (IDA). Segundo definição da Anvisa, os agrotóxicos “são ingredientes ativos com elevado grau de toxicidade aguda comprovada e que causam problemas neurológicos, reprodutivos, de desregularão hormonal e até câncer”.
Pesquisa realizada em 2010 pela Universidade Federal do Mato Grosso coletou amostras de leite materno de 62 moradoras do município de Lucas do Rio Verde que estavam amamentando da segunda à oitava semana após o parto. Todas as amostras apresentaram contaminação com pelo menos um tipo de agrotóxico. A explicação pode estar na exposição ocupacional, ambiental e alimentar do processo agrícola de Lucas do Rio Verde, que expôs a população da cidade a 136 litros de agrotóxico por habitante na safra de 2010. Ao ser consumido pelos bebês, o leite contaminado pode provocar sérios danos à saúde, considerando a maior fragilidade orgânica dos recém-nascidos quando em contato com agentes químicos, agravada pela característica de se alimentarem, quase exclusivamente, com o leite materno até os seis meses de idade.
Atualmente, 434 ingredientes ativos (IA) e 2.400 formulações de agrotóxicos estão registrados nos ministérios da Saúde, Agricultura e do Meio Ambiente, sendo permitidos no Brasil de acordo com critérios de uso e indicação estabelecidos. Mesmo assim, dos 50 agrotóxicos mais utilizados nas lavouras do Brasil, 22 são proibidos na União Europeia. Desde 2008, 14 agrotóxicos estão em processo de revisão na Anvisa: cinco deles já foram proibidos. O último, o metamidofós, foi retirado do mercado em junho de 2012, e o endosulfam deverá deixar de ser comercializado a partir de junho de 2013. Segundo o estudo da Abrasco, os índices toxicológicos dos agrotóxicos fosmete e acefato já seriam suficientes para a proibição, porém ambos tiveram seus usos apenas restringidos.
O modelo do agronegócio
Na avaliação da Abrasco, a crise mundial de 1999 e o déficit da conta-corrente do Brasil à época podem ser considerados como a origem do cenário de descontrole e do uso abusivo de agrotóxicos no país. Naquele ano de crise mundial, o governo federal buscou empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para pagar a conta desenvolveu-se um modelo de produção que acelerou as exportações primárias, principalmente componentes agrícolas, minerais e de produtos de leve beneficiamento industrial. O resultado imediato apareceu em superávits nas transações externas durante o período de 2003 a 2007, justificando o modelo como a decisão correta a ter sido tomada.
Dessa forma, o Brasil ingressou no comércio mundial como provedor e exportador de bens primários e o agronegócio passou a ser visto como o fiel salvador da balança comercial nacional. No caso da agropecuária, o crescimento ocorreu – e continua ocorrendo – por meio da expansão horizontal das áreas de lavoura, especialmente nos últimos dez anos, crescendo em média 5% ao ano; e pela intensificação do pacote tecnológico da revolução verde. Ambos os fatores explicam a duplicação do consumo interno de agrotóxicos de 2003 a 2009. As vendas cresceram 130% sem nenhum componente de inovação técnico-industrial ou de pesquisa de ponta.
É esse modelo que privilegia a monocultura e utiliza agrotóxicos em larga escala que tem garantido bons resultados para a economia brasileira, batendo recordes em exportações e sustentando a balança comercial do país. Entretanto, a que custo? Com a complacência governamental, o lobby da bancada ruralista no Congresso e o apoio da grande mídia, o alto custo desse lucro não é percebido pela sociedade. Pior para o cidadão brasileiro que diariamente senta à mesa para se alimentar e, sem saber, está se envenenando.
Saiba mais
> Acesse a íntegra do documento da Abrasco: http://www.abrasco.org.br/UserFiles/File/ABRASCODIVULGA/2012/DossieAGT.pdf
> Veja o filme O veneno está na mesa, de Silvio Tendler: http://www.youtube.com/watch?v=8RVAgD44AGg
Algumas alternativas |
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Diante das evidências científicas, a Abrasco propõe dez medidas a serem adotadas para enfrentar o uso desenfreado de agrotóxicos nas lavouras brasileiras. Entre as sugestões, pode-se destacar: a implantação de uma Política Nacional de Agroecologia em detrimento ao financiamento público do agronegócio; apoiar a produção de conhecimentos e a formação técnica/científica sobre a questão dos agrotóxicos em suas diversas dimensões, enfrentando os desafios teórico-metodológicos e garantindo a adequada abordagem do tema nos diferentes níveis e áreas disciplinares do sistema educacional; banir os agrotóxicos já proibidos em outros países e que apresentam graves riscos à saúde humana e ao ambiente, prosseguindo para uma reconversão tecnológica a uma agricultura livre de agrotóxicos, transgênicos e fertilizantes químicos; fortalecer e ampliar as políticas de aquisição de alimentos produzidos sem agrotóxicos para a alimentação escolar e demais mercados institucionais, entre outras ações sugeridas. |
Efeitos de alguns agrotóxicos na saúde humana |
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Cipermetrina: mortes neonatais e malformações congênitas foram descritas em plantadores de algodão Parationa Metílica: suspeita de desregulação endócrina, mutagenicidade e carcinogenicidade (proibido na Comunidade Europeia e China) Epoxiconazol: interfere na produção dos hormônios sexuais feminino e masculino Lactofem: carcinogênico para humanos (proibido na Comunidade Europeia) Acefato: suspeita de carcinogenicidade e de toxicidade reprodutiva (proibido na Comunidade Europeia) Permetrina: está associado ao mieloma múltiplo em seres humanos e é classificado como possível carcinógeno pela Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana Lambda-cialotrina: está associada ao aparecimento de distúrbios neuromotores Ci-hexatina: suspeita de carcinogenicidade em seres humanos e toxicidade reprodutiva (proibido na Comunidade Europeia, Estados Unidos, Japão e Canadá; uso exclusivo para citros no Brasil) Endossulfam: experiências in vitro induziram a proliferação de células de câncer de mama humanas. Pode afetar o sistema endócrino e o metabolismo orgânico, através de sua atividade nas glândulas hipófise, tireoide, suprarrenais, mamas, ovários e testículos (proibido na Comunidade Europeia; a ser proibido no Brasil) |