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Entrevistas

A escola sem significado

Doutor em psicanálise e professor da Unesp, Fábio Villela propõe fundamentos para retomar as relações de vínculo entre alunos, professores e a instituição escolar

Publicado em 05/11/2013

por Juliana Holanda

As queixas são conhecidas: o aluno não tem interesse pela aula, não quer saber da escola, agride – física ou psicologicamente – o professor. O resultado é um docente estressado, que só pensa em sobreviver até o final do dia. O cenário, realidade em muitas escolas, é sintoma de uma mesma causa, na avaliação do professor e pesquisador Fábio Villela: a escola deixou de ser significativa para professores e alunos.

Fábio Villela: todo mundo está esperando as condições, mas elas nunca chegam

Doutor em psicanálise e professor de psicologia no curso de Pedagogia da Unesp Presidente Prudente há 20 anos, Fábio acredita que nenhuma teoria cognitivista ajudou “a salvar a educação nacional” porque as respostas não estão todas no cognitivismo. “Eu acho que, para fazer com que a cabeça cognitiva do aluno funcione, são mais importantes vínculo, empatia e relação. Essa é a minha hipótese.”

A hipótese resultou no recém-lançado livro Fundamentos da escola significativa (Edições Loyola), primeiro de uma coleção de cinco títulos, onde, juntamente com a professora de psicologia da Faculdade de Educação da Unicamp, Ana Archangelo, estão estabelecidas as bases de uma escola que seja “por um lado, extremamente importante para o aluno, e que por outro o ajude a ampliar o campo de significação das suas experiências”.

Sob a forte influência da psicanálise, mas partindo do eixo escolar, os autores propõem meios para que o professor possa “entender um pouco o aluno e auxiliá-lo na trajetória de ampliar o seu campo de experiências”.

Nesta entrevista concedida à Educação, Fábio fala sobre como treinar esse olhar e explica um dos conceitos desenvolvidos para alcançar tal objetivo: o “enquadre”, pelo qual o professor estabelece as condições favoráveis para o desenvolvimento de suas aulas. Algo que iria em contraposição à atual tendência normativa da escola.

O que define a escola significativa?
Falamos em três sentimentos básicos: o aluno tem de se sentir acolhido pela escola, ou seja, se sentir bem, feliz de estar lá e se sentir protegido, fisicamente e emocionalmente. Tem de se sentir reconhecido – que faz parte de uma comunidade de iguais, ainda que os professores saibam mais que eles – e não como uma pessoa que é vista como sendo um diferente, um estranho, ameaçador. E tem de sentir que aquele ambiente é dele. Veja como a escola está distante de tudo isso.

Vocês partiram do conceito de aprendizagem significativa?
Não, pelo contrário. Repensamos o conceito de aprendizagem significativa a partir do conceito de escola significativa. Entendemos que a escola, que deveria ser um lugar de desenvolvimento, engajamento, de relações criativas, ia se tornando desinteressante e opaca, portanto, que não fazia nenhum sentido na vida do aluno.

A escola deixou de ser significativa também para o professor?
Ah, sim, há muito tempo, sobretudo para o professor da escola pública. Porque o grau de insatisfação, de tensão, em alguns casos até de medo dos alunos, e desse clima institucional – ele precisa pôr ordem, a sala precisa respeitá-lo, ele é pressionado pelos alunos, às vezes é hostilizado pelos alunos, e se também não resolve muito bem isso, a direção cobra – então, a maior parte não tem prazer em dar aula. E para esses professores, a escola não pode ser significativa, a escola é um tormento.

E isso gera um círculo vicioso.
Sim, me parece ser necessário juntar esses dois polos, onde os problemas aparecem. É necessário criar um espaço em que se recuperam os vínculos internos à sala de aula, entre professor e alunos, e também entre alunos, e que isso permita servir de base para a construção de uma escola que começa a ser significativa a partir daí.

Quem dá o primeiro passo para essa reconstrução?
Eu acho que quem dá o primeiro passo é o professor. Se o diretor e o coordenador pedagógico quiserem dar o primeiro passo é melhor. Mas dá para garantir que eles vão dar o primeiro passo? Não dá.

Mas os professores, muitas vezes, trabalham em condições extremamente desfavoráveis. Qual a importância das condições estruturais para que essa transformação ocorra no dia a dia?
Quase todos os professores alegam que faltam as condições para dar o primeiro passo. Isso que me preocupa. Eu também sou favorável às condições. Todo mundo está esperando essas condições, mas elas nunca chegam. Então, ao escrever o livro, pensamos naqueles professores que tenham interesse em melhorar o aprendizado, as relações internas em sala de aula, mas não sabem como. O livro não é prescritivo, mas traz algumas dicas, por exemplo: saiba o nome dos seus alunos. Só o fato de chamá-los pelo nome já cria um tipo de vínculo. Um ambiente muito tenso pode melhorar se o professor conseguir perceber minimamente o que está acontecendo em sala de aula e não vir armado para uma situação. Mas é o professor quem vai ter de desmontar isso, nessa relação entre ele e os alunos. Não tem ninguém mais lá para ajudá-lo.

No livro, vocês defendem que a escola assuma algumas responsabilidades que, geralmente, são atribuídas à família. Por que isso é importante?
A primeira coisa que percebemos é que algumas famílias não estão preparadas para lidar com todos os aspectos dos seus filhos. Quem cuida muito bem de toda a parte emocional, em geral, é a família. Mas, especialmente crianças muito carentes e de história de vida problemática, muitas vezes não têm um grande amparo na família. Então, para elas não sobra ninguém mais do que a escola. Na formação dos professores e educadores há todo um discurso valorizando a formação integral, a integração dos aspectos emocional e intelectual, valores morais, etc., mas esse discurso vale até aparecer o primeiro problema em sala de aula. E aí o professor, e eventualmente a direção, diz ”isso não é problema nosso”, e ”se a família não conseguiu resolver isso, a gente também”, e busca dados na família para ver se pode estigmatizar a criança e justificar todas as dificuldades que ela esteja apresentando, em vez de cuidar dessa criança. Se ela não consegue encontrar coisas importantes como bons vínculos, uma relação sadia com a família, com quem ela vai poder estabelecer essas relações? Com pessoas da escola.

Como lidar com a excessiva atenção ao currículo, à consequente pressão dos processos seletivos, e ao mesmo tempo ser uma escola significativa?
Acho que esse conteudismo é ruim. Se a escola tivesse um pouco mais de tranquilidade para passar bons conteúdos, e tratar um pouco esse conteúdo da forma como o aluno possa absorvê-lo, enfim, criaria campos de aprendizado onde o aluno poderia referir esse conhecimento às suas próprias vivências. É isso que estamos chamando também de escola significativa. Esse conteúdo tem de ampliar e ao mesmo tempo transformar as formas de conteúdos. Para que esse ensino seja significativo, ele também tem de revirar de forma radical a forma de a criança pensar.

Qual a diferença da teoria de aprendizagem significativa de David Ausubel e o que vocês estão chamando de ensino significativo?
O ensino significativo não é aquele conhecimento que se relaciona com o conhecido ou com conceitos já obtidos, como no caso da teoria do Ausubel. Não negamos Ausubel, mas estamos discutindo a partir de um outro ponto de vista. É lógico que o aluno tem de ter uma base. Agora, não é o que se relaciona a uma base que faz sentido. É o que faz com que ele queira estudar, mesmo que ele tenha de construir as pontes para essa base.

Há algum método para desenvolver o ensino significativo?
Não. Conforme o professor faça uma leitura da sala e perceba como ela está, ele pode manejar uma série de técnicas, atividades.Porque, na verdade, a forma de o aluno entrar em contato com o conteúdo e fazer suas sínteses se dá de maneiras diferentes. A nossa cabeça não está predestinada a funcionar de uma única maneira, por isso que vários métodos têm tido sucessos e eles disputam entre si. Às vezes a sala gosta do professor, mas está mais agitada, querendo participar mais. Então, o professor tem de fazer essa leitura e, a partir disso, escolher sua atividade.

A questão da indisciplina e da violência é uma das grandes preocupações da escola atual. Para isso, vocês propõem o conceito de ”enquadre”. Você pode exemplificar?
Sabemos que as relações na escola são muito variadas e as condições muito diversas, então chamamos de enquadre o estabelecimento de condições ótimas para o desenvolvimento daquela atividade, com aquele professor. Cada professor pode estabelecer os conjuntos dessas condições que sejam mais afeitos ao tipo de atividade que ele vai desenvolver – seja dentro da sala de aula, seja fora – e ao mesmo tempo de acordo com a personalidade dele. Por exemplo: alguns professores se dão muito bem em aulas em que a classe pode fazer um pouco de barulho, mas em que ao mesmo tempo os alunos se conectam e se desconectam, falam com o colega e voltam a atenção ao professor, e isso – para esse professor e para a sala – pode ser muito produtivo. Ao mesmo tempo ele consegue chamar a atenção de um que esteja escapando demais. Outros não, precisam de uma sala um pouco mais silenciosa. Então, achamos que é possível ter diferentes aulas muito boas. Ou diferentes aulas que funcionam, tanto para o professor, quanto para o aluno.

Quem determina esses critérios é o professor?
Ele pode estabelecer esses critérios, mas têm de funcionar.

Muitas escolas têm usado acordos normativos para estabelecer suas  regras disciplinares. Qual é a relação do enquadre e o estabelecimento de limites?
A escola está com uma obsessão de criar normas a priori. Parece que é uma coisa educativa, mas, no fundo, se está criando uma certa desconfiança da escola e do professor em relação ao aluno. Porque numa situação de namoro seria absurdo discutir as regras no primeiro dia, numa relação familiar também, e numa relação de escola isso parece normal? A escola está sinalizando ”eu só consigo estabelecer um trabalho com você se a gente acertar os pontos contratualmente e eu quero saber se você não vai me trazer problemas”.Ela tira a questão afetiva, a questão empática. Eu sei que isso é feito na melhor das intenções, mas essa é uma escola que, no fundo, teme o aluno. Ao contrário da norma, o enquadre não é prévio, é processual. Ele vai modelando as condições ótimas para o professor dar aula. Depois, vale para aquela turma de alunos. E para aquele professor. Além de tudo, o enquadre varia de acordo com as atividades. E o professor chama a atenção de um aluno que se desviou, não fala para todo mundo.

A escola foi significativa em algum outro momento histórico?
Eu acho que foi. No fundo, a mesma escola é mais ou menos significativa para mais ou menos alunos. O que propomos é a escola pensar se quer ser significativa  buscando mudar a vida desse aluno e provocando o seu interesse.

Autor

Juliana Holanda


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