NOTÍCIA
Antologia de contos fantásticos reunidos por Jorge Luis Borges, Bioy Casares e Silvina Ocampo apresenta um ótimo panorama do gênero
Publicado em 07/01/2014
As ficções fantásticas são tão antigas quanto o medo, diz o escritor argentino Adolfo Bioy Casares. Da Bíblia – passando pelos poemas de Homero e As mil e uma noites -, a atual literatura infantojuvenil, povoada por bruxos e duendes, se vê que o insólito, o mistério, o sobrenatural sempre estiveram presentes nos registros literários.
Fazer então uma seleção do gênero não deve ter sido tarefa das mais fáceis para Bioy Casares, Jorge Luis Borges e Silvina Ocampo, que entre 1937 e 1940 se empenharam na produção da Antologia da literatura fantástica, recém-publicada no Brasil. A primeira edição da obra é de 1940, mas foi em 1965 que ela ganhou uma versão definitiva com o acréscimo de novos textos pelo trio.
Há contos para todos os gostos: com personagens sonhados, fantasmas, mortos-vivos e extraterrestres. Mas não esperem encontrar vampiros nesta coleção – um alívio para quem está buscando indicações de textos literários para trabalhar com adolescentes.
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Os níveis de fantasia também variam. Sennin, do escritor japonês Ryunosuke Akutagawa (1892-1927), tem uma atmosfera quase infantil, apesar do tom irônico. O conto é sobre um homem que chega à cidade de Osaka em busca de alguém capaz de transformá-lo em um sábio com poderes sobrenaturais, um sennin. Sua inocência é explorada por uma mulher – ou seria uma velha raposa? – que, sem saber, coloca em risco sua própria soberania.
Para leitores mais maduros, destaca-se o excelente A pata de macaco, do inglês W. W. Jacobs (1863-1943). O conto é sombrio e explora o tema clássico dos três desejos, imortalizado na história de Aladim e a lâmpada maravilhosa. Mas aqui há uma maldição que paira sobre o objeto mágico, a tal pata de macaco, produzindo um desfecho trágico para a família que, numa “noite fria e úmida” – a ambientação é elemento central no texto – acolhe um forasteiro desconhecido.
A obra é composta por dezenas de outros textos. Edgar Allan Poe, Jean Cocteau, Julio Cortázar, Franz Kafka, Guy de Maupassant e Rabelais são alguns dos grandes escritores presentes, além, claro, dos três organizadores. “A seleção é idiossincrática e absolutamente eclética”, como apontou Ursula K. Le Guin, que editou a edição norte-americana publicada em 1988.
Chama a atenção também a presença de vários autores chineses, talvez os primeiros especialistas no gênero, segundo Bioy Casares. Tsao Hsue-Kin (1719-1764) é um dos representantes do país asiático na seleção. Sua obra mais famosa, O sonho do aposento, é permeada de uma “desesperada carnalidade”, como definiu Borges, que também expressou sua perturbação com a abundância e a intensidade dos sonhos presentes no livro.
Para a antologia, foi selecionado o conto O Espelho de vento-e-lua. Digno de Allan Poe e Kafka, nas palavras do autor de O Aleph e Ficções, o texto narra a história de um doente que recebe de um mendigo taoísta um espelho capaz de curar as doenças da alma e, como o leitor descobrirá, satisfazer outros desejos.
+ Outras leituras
Prata, terra & lua cheia, de Felipe Castilho (Gutenberg, 272 págs., R$ 35,90)
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Memórias mal-assombradas de um fantasma canhoto, de Luiz Antonio Aguiar (Editora Saraiva, 96 págs., R$ 32,90)
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O homem estranho da casa ao lado, de Sandra Pina (Melhoramentos, 152 págs., R$ 30)
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