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Proibições consideradas sem sentido pelos estudantes podem gerar protestos
Em setembro deste ano, um grupo de alunos do Colégio Pedro II virou assunto não só na escola, referência no Rio de Janeiro, mas nos veículos de comunicação Brasil afora. O motivo foi um “saiaço” organizado pelos estudantes, em que meninos usaram saias em protesto à decisão da escola de enviar um aluno transgênero para casa por ter ido de saia para a aula. A mobilização, que viralizou nas redes sociais, não foi a primeira do tipo. Em 2013, uma manifestação semelhante foi feita no Colégio Bandeirantes, em São Paulo, e outras ações foram documentadas na Inglaterra e na França.
Para Maria Elizabeth Haro, psicóloga educacional e professora do curso de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), toda instituição tem direito a fazer valer suas regras. Essas regras, no caso brasileiro, servem para democratizar o acesso à educação, afastar comportamentos consumistas do ambiente de ensino e também manter a segurança dos ambientes, facilitando o controle de acesso às instalações das instituições. “Se está na hora de mudar ou flexibilizar, é preciso abrir um diálogo para as mudanças”, explica a psicóloga. Foi justamente esse diálogo que alguns pais tentaram abrir com uma escola nos Estados Unidos que, em março deste ano, decidiu banir calças leggings do código de vestimenta ao alegar que esse tipo de roupa justa era imprópria, por considera-lo uma distração para os meninos da classe.
Indignado, um casal de pais que também são professores (em outras escolas) escreveu uma carta à instituição, como mostra um trecho traduzido: “A política claramente transfere a culpa pelo comportamento dos garotos ou falta de concentração diretamente para as meninas. Estamos francamente chocados com essa mensagem antiquada e deturpada que está sendo enviada aos jovens. Em nenhuma circunstância as garotas deveriam ouvir que sua roupa é responsável por atitudes ruins dos meninos. Esse tipo de mensagem aterrissa diretamente em um contínuo que culpa meninas e mulheres pelo assédio dos homens. Isso também dá a mensagem aos rapazes de que seu comportamento é perdoável, ou compreensível, dado o que as meninas estão usando. E se a visão de que uma perna feminina é demais para os garotos da escola lidarem, então sua escola tem um problema muito maior para dar conta.”
A polêmica do uniforme frequentemente esbarra na sexualização precoce dos jovens e na responsabilização das meninas pelo comportamento dos alunos do sexo masculino. Maria Elizabeth acredita que essa é uma preocupação muito grande das escolas. “A roupa é um dos grandes sinais dessa sexualização. Não sei se proibir seria o ideal. Acredito que um trabalho de conscientização, aliado a um esforço para compreender o que o fenômeno significa, sejam mais eficazes. Descobrir-se faz parte da adolescência”, pontua.
Falta de clareza
O que parece mais incomodar estudantes e pais de alunos é que muitas regras não fazem sentido, concentram-se em critérios subjetivos ou apenas na vestimenta feminina. A crítica do sexismo é rebatida por algumas escolas, como a Niles High School, no estado americano de Michigan, nos EUA, alegando que as calças saggy – largas e caídas na parte de trás – também foram proibidas para os meninos. Mas os castigos realizados e a exposição podem gerar desconforto, pois muitas vezes as crianças já se encontram em um ambiente escolar hostil. “Não é a proibição que vai resolver. Se proibição resolvesse, as leis seriam eficientes. É preciso amadurecer e desenvolver um senso de moralidade, e isso se ensina desde a primeira infância”, conta Maria Elizabeth.
Para a psicóloga, a noção de que os jovens são tratados dentro das suas diferenças da mesma maneira, um dos valores do uniforme, pode ser usada como forma de educar, mas precisa ser elástica para dar vazão à necessidade que o aluno tem de se sentir único. “Ao mesmo tempo, a instituição não pode fechar os olhos em nome da flexibilidade, pois assim eles passam várias mensagens e ensinam que existem regras, mas que elas nem sempre precisam ser cumpridas. Isso é uma questão ética e é levada para fora da escola, quando o aluno participa da sociedade”, pondera.
Só que justamente porque o aluno já participa da sociedade, tem uma vida fora da escola e tem essa necessidade de expressar sua identidade e se sentir único, é preciso levar em consideração que os uniformes devem acompanhar as mudanças do mundo, para não gerar descompasso.
Voltando aos Estados Unidos – em que na maior parte das escolas não existe obrigatoriedade do uniforme, mas códigos de vestimenta -, enquanto algumas escolas restringem o uso de peças como leggings, outras flexibilizam na intenção de estarem alinhadas à realidade do jovem. “Nós dissemos não às leggings, mas não conseguimos controlar – existem leggings que se parecem com jeans agora. Então nós apenas pedimos que respeitem as cores da escola e que tenham modéstia”, afirmou Beverly J. Hutton, diretora de serviços educacionais do Instituto de Tecnologia do Condado de Burlington (escola pública de ensino médio em Nova Jersey que recentemente relaxou seu código de vestimenta), em entrevista ao Último Segundo em 2011. “Eles são adolescentes. Se você tirar tudo, você começa uma rebelião.”