NOTÍCIA
Vale investigar a razão por que a análise gramatical pouco tem ajudado no aprendizado de leitura e escrita
Publicado em 02/04/2015
É bom saber isto? Claro! É tão bom como saber quanto vivem as tartarugas, quais animais estão ameaçados de extinção e por que, qual a temperatura no pico do Himalaia no inverno, quem matou César e quem fez os gols do Brasil na final da Copa de 70.
Quero dizer com isso que saber analisar funções sintáticas não interfere no uso real das construções sintáticas. Se interferisse, ninguém mais diria “Vende-se roupas usadas”, porque o “se apassivador” é ensinado inutilmente todos os anos há muito tempo.
Em suma, uma gramática são duas (como Drummond disse do português): uma é destinada a ensinar a norma (escreve-se assim, a regência é tal, a concordância é esta e não aquela, o particípio de “chegar” é “chegado”, etc.) e a outra é destinada a tornar os alunos aptos a descrever estruturas da língua: sílabas, tonicidade, formação de palavras, construções sintáticas etc.
Do ponto de vista “pragmático”, isto é, considerando que a escola deve formar alunos que escrevam e leiam bem diversos tipos de texto, uma das duas gramáticas é muito mais relevante do que a outra.
Ou seja, pode-se aprender, com o tempo e as práticas adequadas, que se diz / escreve assim e não assado, sem passar necessariamente pela análise (como antes de haver gramáticas, isto é, pelo método de Luís de Camões).
Tomemos um caso simples: suponhamos que um aluno escreva estou chegano. Basta corrigir. Não é necessário dizer que se trata de um gerúndio e os gerúndios, em português, terminam em -ndo.
Não que isto deva ser proibido, que se entenda bem. Mas não é necessário que este tema esteja no programa para que se aprenda a escrever corretamente; pior, e mais inútil, é quando as formas verbais são apenas decoradas ou sua avaliação é feita num teste do tipo “assinale a alternativa que contém (ou não contém) um gerúndio”.
O princípio que vale para uma palavra ou uma letra vale para uma oração ou um parágrafo, ou para um texto: corrigir erros reais (alternativamente: tratar de textos reais, mesmo que não se trate de corrigir, mas de sofisticar, de oferecer alternativas).
Essa metodologia pode ser apresentada simplificadamente como a do aprendizado da língua materna.
De fato, adultos manifestam, em relação à linguagem infantil, duas atitudes básicas:
a) uma é a chamada baby talk, que consiste basicamente numa linguagem pseudoinfantil (que vai do au-au a “sotaques” que podem ser representados por axim e mamãeginha), provavelmente inócua;
b) a outra é a da correção pura: a criança diz fazi e a mãe lhe diz “fiz” – com muitos etecéteras.
Pois é esta segunda metodologia de ensino que merece toda defesa e deve ser seguida na escola.
O aluno erra, o professor corrige: simples assim.
Eventualmente, se explica, e assim se podem ir introduzindo “ao natural”, conceitos de gramática explícita: é “nós vamos” não nós vai, porque o verbo concorda com o sujeito (se os alunos perguntarem o que é isso, pode-se responder que logo aprenderão; se insistirem, as noções podem ser introduzidas; o que é inócuo é que a “gramática” seja uma lista de conceitos que vão sendo “explicados” sem que façam sentido).
Uma das maiores vantagens – se não a maior – de separar os dois tipos de gramática é que aquela dedicada à análise pode – e deve – ser invocada também para explicar os “erros”.
Uma tese falsa que habita as escolas é a de que os “erros” são violações da gramática: de fato, seguem outra gramática, pelo menos na maior parte.
Considerem-se casos de erros de grafia como escrever poco, pexe, caxa: trata-se de erros que derivam de um fato gramatical observável facilmente, que consiste na eliminação de ditongos em certas circunstâncias (não se reduz o de “peito”, por exemplo).
É mais produtivo explicar aos alunos de onde vem o erro deles do que fazer ditados ou, simplesmente, ensinar o que é um ditongo e exemplificar com outro…
Simples assim.