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Na dose certa

Programas digitais de ensino podem auxiliar o percurso de aprendizagem, mas não devem ultrapassar o limite da autonomia de professores e alunos

Publicado em 04/11/2015

por Gabriel Jareta

© iStockphoto
Avaliação do aluno não pode ser confiada a um algoritmo. Participação do professor continua fundamental

Se você assistir a um filme americano de máfia no Netflix, é muito provável que nas próximas vezes em que acessar o serviço ele lhe sugira outros filmes americanos de máfia. Se, porventura, o filme tiver uma personagem mulher “forte”, as sugestões trarão filmes americanos de máfia com “mulheres fortes”. Agora, por outro lado, se você assistiu a apenas 15 minutos do filme e passou para outro, o Netflix vai “entender” que você não gostou desse gênero e talvez não vá mais lhe oferecer sugestões parecidas. Quem está por trás dessas decisões do site é um algoritmo, uma espécie de passo a passo de informações extremamente grande que tem como objetivo oferecer uma “resposta” ao usuário.

Um algoritmo bem calibrado, como é o caso do Netflix, do Facebook ou mesmo do aplicativo de trânsito Waze, pode oferecer ao usuário uma experiência de uso mais personalizada. “Essa é uma discussão mundial. Entramos na era da web semântica, da personalização das páginas”, diz Adolfo Tanzi Neto, conselheiro da Fundação Lemann e pesquisador visitante do departamento de Educação da Universidade de Oxford. Ele observa que isso também traz um lado ruim: um mau feedback é o que faz o Google insistir em mostrar anúncios de produtos que você já comprou, por exemplo.

Na área da tecnologia educacional, a personalização da aprendizagem caminha no fio da navalha com as chamadas plataformas adaptativas: se, por um lado, elas são capazes de oferecer um diagnóstico das necessidades do aluno, por outro elas podem diminuir o papel do professor e fechar o aluno para novas possibilidades. “É importante que o feedback seja conscientizador”, afirma Paula Carolei, professora da Unifesp e que trabalha na coordenação da Universidade Aberta do Brasil. “O uso de dados não é ruim. A lógica é coletar esses dados para avaliar o desempenho e tentar melhorar. O problema é quando o foco está no algoritmo, na padronização, quando tira o poder do aluno”, diz.

Na opinião de Paula, as plataformas adaptativas ideais devem respeitar a “tipologia de aprendizado” dos estudantes. “Para um aluno que gosta de cumprir tarefas, é muito bom. Para aquele intuitivo, que gosta mais de contextos e exploração, nem tanto”, compara. Por isso, ela aponta, a estratégia do professor em cima dos resultados apresentados pela plataforma é fundamental.

Autonomia

Para as empresas que trabalham com esses recursos poderem se destacar no mercado, o ajuste da ferramenta deve ser feito com o apoio do professor e do aluno – o que inclui a liberdade de eles escolherem que caminho seguir. Uma das plataformas desenvolvidas no Brasil, o QMágico, não oferece conteúdo, mas um ambiente para os professores produzirem os chamados cadernos digitais inteligentes. “O professor monta o caderno como quiser, na sequência que quiser. O caderno tem o que o professor considera importante”, explica Thiago Feijão, fundador da empresa. O material produzido também pode ser compartilhado com outros usuários, fazendo o conteúdo circular.

Os cadernos digitais podem ser utilizados de várias maneiras: no contraturno, como material de apoio; na sala de aula invertida, ou pré-aula; e outros ainda no pós-aula, como tarefa. Há vários níveis de coleta de dados do desempenho dos alunos, como, por exemplo, o objeto de aprendizagem, se o usuário prefere vídeo, texto ou testes, e se há problemas de base, como dificuldade de interpretação de texto.

Outra plataforma bastante conhecida no mercado, a Geekie faz um diagnóstico do aluno baseando-se em pontos fortes e fracos e, a partir daí, traça um plano de aprendizagem. A sintonia fina da ferramenta está na utilização da Teoria de Resposta ao Item (TRI) para avaliar os desempenhos. A TRI é utilizada no Enem para identificar o aluno que chuta muitas questões ou costuma acertar só as mais fáceis. “Não faz sentido ensinar porcentagem se o aluno tem deficiência com frações; é um pré-requisito”, diz Eduardo Bontempo, um dos fundadores da empresa.

Dentro das escolas, a ferramenta Geekie Lab também pode ser usada em vários momentos da rotina, como tarefa ou reforço. De acordo com Bontempo, o aluno tem bastante autonomia para escolher que caminho seguir. “Os alunos relatam que a plataforma ‘entende’ o que eles querem. Ela jamais vai bloquear o aluno a fazer o que ele quer”, diz. Hoje presente em cinco mil escolas, a Geekie também trabalha com o engajamento de professores dentro da escola. “O resultado é muito mais satisfatório quando o trabalho é feito em conjunto com o professor e o coordenador pedagógico”, afirma.

Comunidades

Para o professor Adolfo Tanzi, mais do que utilizar plataformas prontas, o grande passo que falta para professores e alunos brasileiros é a organização de comunidades de aprendizagem onde seja possível dar continuidade a projetos pontuais de educação a distância, promover discussões, mostrar vídeos, transpor diversas práticas presenciais para o mundo virtual. “Eu me pergunto o porquê de colocar o aluno num espaço fechado com login e senha se há um mundo virtual aberto para ele buscar a informação e trabalhar sua autonomia dentro da web”, diz.

Tanzi cita o exemplo do Edmodo, uma comunidade virtual de aprendizagem voltada para alunos, pais, professores e gestores – por enquanto, disponível apenas em inglês. “É muito parecida com uma rede social, não é dividida em espaços. Uma comunidade de aprendizagem é mais interessante que um espaço fechado mostrando apenas o que eu disponibilizei”, afirma.

Autor

Gabriel Jareta


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