NOTÍCIA
Movimento cada vez mais consistente no mundo, a internacionalização das instituições de ensino começa a ganhar corpo no Brasil e abre perspectivas para uma educação de mais qualidade
Publicado em 23/11/2015
Os ventos da globalização – ou mundialização, como preferem os franceses – já sopram há muito tempo na economia e ficaram mais fortes na educação nas últimas décadas, em especial após a assinatura do Protocolo de Bolonha, em 1999, que visava um maior intercâmbio e equalização entre as universidades europeias.
De lá para cá, sua força só faz crescer. A internacionalização das instituições de ensino superior, assim como na economia, é requisito para atualização em nível mundial, para troca de experiências dos corpos docente e discente e, principalmente, para elevação da qualidade do ensino e da pesquisa.
Ainda que meio aos trancos e barrancos, carecendo de políticas estratégicas mais firmes para isso, o Brasil vem abrindo mais os olhos para a questão, tanto na educação pública como na privada. Entre 2004 e 2012, o número de estudantes universitários brasileiros no exterior saltou 78,5%, de 19,6 mil para 35 mil, número estimado pela OCDE para 2012. A cifra ainda é comparativamente irrisória, pois países menores em termos de população, como a Turquia (83 mil) e a Itália (63 mil), ou pouco maiores, como os Estados Unidos (62 mil), apresentavam números mais expressivos no mesmo ano.
Segundo a Unesco, o Brasil envia 0,4% dos seus estudantes para o exterior e apenas 0,2% dos alunos matriculados no país são estrangeiros. Na Austrália, 18% dos estudantes são estrangeiros. No Reino Unido, 17%.
Para o crescimento recente do movimento de estudantes brasileiros rumo ao exterior, o programa Ciência sem Fronteiras serviu como alavanca. Mas, atualmente, enfrenta dois problemas: a restrição de verbas e a forte pressão de pesquisadores de ponta, que acabam concorrendo por verbas do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com a iniciativa. Isso sem falar na barreira da língua inglesa, dominada por baixo percentual de estudantes brasileiros.
Mas o interesse internacional, materializado pela presença cada vez mais constante de agências de vários países no Brasil, tende a impulsionar esse movimento de internacionalização no âmbito de instituições públicas e privadas. Para as IES, o processo só tende a gerar valor. Instituições com programas bem estruturados ganham pontos nas avaliações do Ministério da Educação e nos diversos rankings privados, além de aumentar a procura dos alunos pela oferta de uma formação mais completa, inclusive com horizontes profissionais fora do Brasil. As parcerias proporcionam o intercâmbio de ideias, pesquisas inovadoras e soluções para problemas mais complexos, o que impacta diretamente a qualidade das experiências acadêmicas.
Passo a passo
Mas é preciso criar uma cultura para esse processo. Representantes das agências internacionais relatam que boa parte das IES bra-
sileiras demonstra interesse em internacionalizar-se, mas não sabe por onde começar. A algumas faltam pré-requisitos como pessoal capacitado e um projeto focado nos objetivos da instituição. Definidos esses pontos, a próxima etapa é encontrar IES parceiras de dimensão e vocação semelhantes. Não adianta, por exemplo, uma instituição mais voltada à formação para o mercado associar-se com outra voltada para a pesquisa. É necessário, também, investir na fluência de alunos e dos professores em um segundo idioma e criar condições mínimas para receber estudantes e docentes estrangeiros.
Exemplo positivo
Esses foram alguns dos passos vencidos pela FAE Centro Universitário, de Curitiba, cujo foco está na área de negócios. Desde 2005, a instituição mantém um programa de internacionalização, consolidado de fato em 2014. Sob o comando de Areta Ulhana Galat, coordenadora do Núcleo de Relações Internacionais, a FAE se inscreveu no primeiro edital do 100.000 Strong in the Americas – iniciativa americana de fomento à internacionalização na América Latina – e acabou sendo uma das instituições selecionadas para receber uma bolsa de US$ 25 mil. O projeto vencedor teve como foco o desenvolvimento de um escritório de relações internacionais que suprisse as demandas acadêmicas norte-americanas. Nele estava incluído um curso de português para estrangeiros, capacitação dos professores para receber os alunos intercambistas e um espaço de interação multicultural. Após a elaboração, o projeto ganhou vida com a vinda de um grupo de 15 alunos e um professor do Siena College, faculdade localizada na cidade de Albany, no interior d
o Estado de Nova York.
“Aprendemos o que é a internacionalização na prática. Vimos no que precisávamos melhorar como instituição para receber bem os alunos internacionais. Não temos residências. Como oferecer boas condições de moradia aos estudantes? E o que fazer para tornar o período deles mais útil aqui?”, reflete Areta.
Após essa experiência, o processo de internacionalização da FAE passou a contar com um padrão rigoroso. O aluno que quer ir para o exterior precisa ter uma recomendação do seu coordenador de curso e passar por uma avaliação psicológica. Areta explica que o trâmite é importante porque o estudante que fica um ou dois anos no exterior pode apresentar depressão, indisciplina ou ainda dificuldades para se ajustar à cultura local. Assim, o acolhimento na instituição estrangeira e o retorno acadêmico que o aluno terá são algumas das preocupações da FAE. Para minimizar os contratempos, as 17 instituições conveniadas contam com escritórios de relações internacionais e todas as disciplinas cursadas são validadas aqui no Brasil.
Qualidade como mote
Pensar em internacionalização e não considerar a qualidade da educação oferecida como a base primordial do processo é um equívoco. A afirmação é do diretor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-PR, Marcelo Távora Mira. “As instituições em geral entendem que internacionalizar é importante, mas não sabem bem o porquê, confundem com recrutamento ou imagem da instituição. A internacionalização tem de ser um meio, como uma ferramenta, para garantir a melhor educação para o aluno. Se você não forma estudantes preparados para resolver problemas de nível global, está falhando na formação”, enfatiza.
A PUC-PR é uma das instituições brasileiras que está dando um passo à frente nessa direção. O primeiro mito a ser descartado é o de que uma faculdade precisa de inúmeras parcerias para se internacionalizar. Mais importante do que o número é a profundidade das relações. Atualmente, a PUC-PR tem cerca de 250 contratos firmados e uma mobilidade anual próxima de 350 alunos, considerando os estudantes estrangeiros. Ou seja, se metade forem brasileiros, o impacto de cada parceria é reduzido, um custo de manutenção sem retorno.
O objetivo da universidade paranaense agora é desenhar um plano conjunto de desenvolvimento com outras cinco instituições parceiras, que estejam engajadas em ensino, pesquisa e extensão, e com isso trazer reais benefícios aos seus alunos. Com o plano já em andamento, a PUC-PR estabeleceu algumas diretrizes a serem seguidas. A primeira delas é consolidar o inglês dentro do campus como língua franca. A instituição já oferece 60 disciplinas de graduação ministradas no idioma – o que possibilita a experiência da internacionalização a alunos que não têm condições de ir para o exterior –, além de cursos de capacitação gratuitos para os professores. A segunda é adequar a infraestrutura e criar ambientes em que o inglês seja a primeira língua. E, por fim, eliminar a diferença de tratamento entre os alunos e professores estrangeiros e brasileiros.
Rota bem-sucedida
A experiência chilena pode indicar um bom caminho para o Brasil. Até 2013, o Chile tinha inúmeras instituições interessadas em internacionalizar-se, mas não sabiam ao certo qual caminho seguir. Naquele ano foi fundado o consórcio Learn Chile, que hoje reúne 23 das 60 universidades do país. O propósito era criar uma marca e tornar a nação mais conhecida e importante no cenário global de pesquisa, inovação e ensino. Para participar, cada instituição precisava ser certificada pelos órgãos oficiais chilenos, demonstrar algum tipo de atividade e estratégia internacional e, por fim, aportar recursos para o financiamento da marca.
Dois anos depois, já se veem os resultados. Em 2013, o Chile mantinha 13 mil alunos estrangeiros, hoje são 26 mil. O diretor do programa, Marcos Avilez, comenta que esse crescimento não pode ser atribuído exclusivamente à atuação do consórcio, mas que a marca é responsável diretamente pela maior visibilidade do país no exterior.
Avilez lembra que havia carência de informação. Não se sabia quantos chilenos estudavam no exterior, o número de estrangeiros no país, quais eram os principais destinos, nem os cursos mais procurados. Foi preciso unificar essas informações, antes dispersas, em um banco de dados comum para traçar estratégias.
Houve, também, um longo diálogo com o Ministério de Relações Exteriores, que, por meio de seu escritório comercial – o ProChile –, entendeu que educação poderia ser um serviço passível de ser exportado. “Essa definição foi determinante para termos o apoio do governo”, ressalta.
Hoje, o Brasil é um dos principais parceiros do Chile no setor de internacionalização, com México, Colômbia, Peru e Bolívia. E essa relação poderia ser ainda mais intensa, salienta o diretor do Learn Chile. Isso porque a parceria de intercâmbio com os outros quatro países é amparada pela Aliança do Pacífico, da qual os quatro são signatários. Avilez entende que o esforço para criar uma nova plataforma que inclua o Brasil e que facilite a mobilidade acadêmica traria grandes retornos para o estreitamento entre as duas nações.
O amigo americano |
O 100.000 Strong in the Americas é uma iniciativa lançada pelo presidente Barack Obama com o objetivo de conectar os Estados Unidos aos países da América Latina por meio do intercâmbio estudantil e do desenvolvimento de pesquisa e inovação, principalmente ligados à sustentabilidade. A meta do programa é alcançar a cifra de 100 mil alunos americanos em instituições latino-americanas, e o mesmo número de visitantes até 2020. Qualquer instituição brasileira pode participar do programa e concorrer ao financiamento de US$ 25 mil. Por isso, a cada edital a seleção se torna mais disputada. Nas seis edições lançadas, 54 universidades brasileiras se inscreveram e apenas três foram selecionadas. Areta Galat, orientadora da Education USA – rede de escritórios do Departamento de Estado Americano que promove a internacionalização – explica que para concorrer a instituição deve apresentar um projeto de acordo com o tema indicado, e ter parceria com uma instituição norte-americana. Além disso, destaca a orientadora, é preciso contemplar a inserção de comunidades carentes, ter foco em pesquisa e beneficiar as duas instituições envolvidas. |
Mobilidade em números |
A mobilidade de alunos mais do que dobrou em todo o mundo entre 2000 e 2012, informa a OCDE. Os estudantes fora de seus países eram 2,1 milhões no final do século passado. Esse número subiu para 4,5 milhões em 2012. Alguns países com forte crescimento econômico nesse período estiveram entre os líderes desse processo. A China enviou 723 mil estudantes para o exterior. A Índia, 223 mil estudantes, e a Coreia do Sul, 139 mil alunos. Com universidades altamente renomadas, Estados Unidos e Reino Unido são os destinos preferidos e somam juntos quase um terço do total dos intercambistas recebidos em todo o mundo. O Brasil anda devagar nos dois sentidos. Governo, órgãos de fomento e instituições de ensino precisam aproveitar a atenção internacional recebida e ampliar suas estratégias na área. Segundo estimativa da Unesco, o país recebeu somente 15.211 alunos de outras nacionalidades e enviou 32.051 brasileiros para o exterior em 2012. Este último dado representa a ínfima relação de 0,4% do total de estudantes do ensino superior nacional. E outra constatação pouco animadora: a maior parte dos alunos estrangeiros que estão por aqui é proveniente de economias mais vulneráveis que a brasileira, como Angola, Guiné-Bissau, Argentina e Paraguai. |