NOTÍCIA
A leitura de textos não pedagógicos pode conter novas chaves para a tarefa docente. Afastar-se do emergencial muitas vezes permite descobrir novos ângulos para contemplar os elementos de nossas angústias e pesadelos
Publicado em 01/12/2015
Para acertar no alvo educacional é necessário exercitar a destreza docente. O alvo move-se constantemente e os ventos atrapalham nossos cálculos. Temos de melhorar nossa mira, portanto, e a leitura sempre nos orienta nesse sentido. A leitura educadora nos aprimora a pontaria.
Lendo textos não pedagógicos com olhos de educadores, descobrimos inspirações para nossa tarefa teórico-prática. Um texto não professoral me mostra que a didática deve ser criativa e inusitada, leve e precisa. Um texto ficcional me mostra aspectos que meu limitado realismo não alcança. Um texto de literatura infantil me ensina a recuperar a flexibilidade mental.
A leitura educadora é criativa, na medida em que estabelece um nexo entre o que se lê e o que se vive. O intérprete, conforme a etimologia, descobre o “preço” (pretium em latim) que existe “entre” (inter, prefixo latino) a realidade do texto e a realidade da sala de aula. O intérprete estabelece essa “negociação” entre o mundo ficcional e o mundo escolar. Os professores que interpretam suas mais diversas leituras (e não só de textos e temas pedagógicos) tornam-se mais aptos a interpretar e equacionar os problemas inerentes à sua, à nossa vida profissional.
A distância que aproxima
Um dos paradoxos da literatura consiste em atingir o real, trabalhando com a fantasia. A ficção bem elaborada, os personagens inventados, os conflitos absurdos, as cenas imaginadas, os diálogos que jamais existiram, tudo isso que não é real nos convida a conhecer melhor o verdadeiro mundo.
A distância que há entre o texto inventado e as coisas reais é justamente o que aproxima o leitor da sua própria realidade. Do seu alvo.
No livro O alvo (Editora Ática, 2011), Ilan Brenman (acompanhado pelo excelente ilustrador Renato Moriconi) conta a história de um velho professor polonês do século XIX, em cuja escola (e para além da escola) ensinava tudo. Mais do que professor que cumpre o currículo mínimo, ele fazia o máximo, e por isso (de novo o latim…) era magister (em latim, magis significa “mais”), mestre.
O que fazia dele um mestre não era, porém, a erudição, e sim a capacidade de contar histórias. E era impressionante como tinha sempre uma história que iluminava os problemas que não só os alunos, mas gente de toda a cidade vinha contar-lhe, à espera de um sábio conselho.
O conselho certeiro, porém, não é aquele que resolve tudo, mas nos convida a pensar melhor o próprio problema, e a extrair a solução que está embutida na situação problemática.
A história parece nos distanciar do problema, mas aí está o paradoxo: ao nos afastarmos do emergencial, conseguimos contemplar os diversos elementos de nossas angústias e pesadelos. Para os professores, é fundamental participar de cursos, palestras e oficinas que os ajudem a sair do redemoinho dos problemas cotidianos, a fim de retornar com maior disposição para solucioná-los.
Uma história dentro da história
Certo dia (sempre existe um “certo dia” nas histórias instigantes, momento crucial em que o herói é desafiado a superar novas dificuldades), determinado aluno fez ao professor uma pergunta que mais parecia uma flechada:
– Como o senhor sempre consegue encontrar uma história certa, para a pessoa, no momento certo? Todos na cidade dizem que o senhor nunca errou ao contar uma história que faz o outro refletir sobre seus problemas. Como isso é possível?
Como não podia deixar de ser, o professor, para responder àquela pergunta, contou-lhe uma história!
A história contada dentro de uma história que se está contando é técnica ancestral das mil e uma histórias que em todos os tempos e lugares compõem os ensinamentos que transcendem as paredes e muros das escolas.
Aliás, deveríamos abrir mais portas e janelas em nossas escolas (e mesmo em nossas universidades!) para que por elas entrassem as inúmeras histórias que circulam mundo afora. Aprenderíamos bastante!
Ao contar mais uma história, o mestre já está respondendo. Atacar os problemas de modo abrupto, de modo precipitado, dificilmente traz bons resultados. O melhor é (assim nos ensina o contador de histórias) concentrar nossa atenção numa alegoria, numa metáfora, numa narrativa que, inventada, nos fará reinventar o real.
E lá vem a outra história:
– Há alguns anos, na nossa capital Varsóvia, existia um jovem apaixonado pela arte do arco e flecha. Ele convenceu os pais a lhe pagarem um curso de arqueiro numa renomada escola da cidade.
Nessa história contada dentro da história, o exímio arqueiro em que se transformou aquele jovem conhece um menino franzino (mas esperto) que conseguira realizar algo espetacular:
Ele viu um cercado de madeira comprido e todo pintado com mais de cem alvos, e o mais incrível: todos os alvos tinham marcas de flechadas bem no centro, na pontuação máxima.
O autor daquela proeza, o menino, tinha sua própria técnica, paradoxal. Ele primeiro atirava cem flechas, e depois pintava os alvos em volta.
Quem pinta histórias em volta dos problemas sempre acerta no alvo!