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Transferência de alunos de escolas privadas para públicas pode mudar relação família-escola

Com crise econômica, tendência das famílias é buscar escolas de referência no ensino público; desafio é que essa atratividade se estenda às redes como um todo

Publicado em 12/01/2016

por Tânia Pescarini

© Gustavo Morita
Alunos da EE Aristides de Castro, em SP: a chegada de estudantes oriundos de escolas particulares trouxe consigo uma maior cobrança por qualidade

Karina Madruga, uma jovem de 17 anos aluna do Colégio Esta­dual Chico Anysio, conta que ela e seu pai fizeram, juntos, a opção de mudar da escola privada para a pública. O colégio fica em Andaraí, na zona norte do Rio de Janeiro, próximo à Tijuca, uma região antiga, arborizada e com boa infraestrutura. Segundo Kari­na, a decisão de estudar lá foi motivada principalmente pelo currículo e pelo projeto pedagógico da escola, que trabalha por áreas de conhecimento, tal como o Enem, e ainda inclui componentes socioemocio­nais e projetos especiais. Além disso, a instituição é integral – são 10 horas de estudos. “Há uma fila grande de alunos da rede privada querendo entrar na escola”, admite Willman Costa, diretor da instituição.

A situação é semelhante em institutos federais e escolas de aplicação Brasil afora, tradicionalmente reconhecidos pela qualidade do ensino. Com a crise econômica apertando e, por que não, a redução de alguns preconceitos, a procura de famílias com filhos em escolas particulares pelo que há de melhor na rede pública vem aumentando. Segundo a Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, em 2015, houve um aumento de 11,12% na matrícula de alunos oriundos de instituições particulares, totalizando 21.334 estudantes.

Uma pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI) também mostrou que 13% dos entrevistados transferiram os filhos da rede particular para a pública nos 12 meses precedentes em função da queda no poder de compra. Foram ouvidas mais de 2 mil pessoas, de 144 municípios brasileiros, entre 8 e 21 de junho de 2015.

No Colégio de Aplicação Anísio Teixeira, em Salvador, na Bahia, os alunos das escolas particulares começaram a chegar em maior número a partir de 2014, conta o diretor Reuvan Sodré. Hoje, eles compõem 60% do total de matriculados. “Tínhamos no entorno uma demanda muito forte de alunos que haviam ficado sem escola devido à crise econômica”, afirma Sodré. As matrículas foram disputadas, segundo ele, encerrando-se em 15 minutos. Não à toa. A escola, que fica próxima ao Instituto Anísio Teixeira, tem professores com mestrado e doutorado em universidades federais, ensino médio tecnológico e reforço para o vestibular.

Novos alunos, novas demandas

A chegada dos novos estudantes não passa despercebida na comunidade escolar. E não são apenas os colegas de classe que notam as mudanças. De acordo com Sodré, os egressos da rede privada ajudaram a elevar o clima na escola de maneira geral. “Eles empolgaram os professores. Queriam aprender”, comenta. O contato com os pais de alunos também aumentou, o que foi comemorado pela direção do colégio. “Hoje, deve haver uma parceria entre escola e comunidade escolar. O aluno que faz ensino médio tecnológico estuda o dia inteiro. Sem a parceria com os pais, não conseguiríamos o aumento qualitativo no aprendizado que conquistamos nos últimos anos”, afirma.

Com o desejo de participação, vêm também as cobranças por qualidade. De acordo com Ana Silvina, diretora da Escola Estadual Aristides de Castro, localizada no Itaim Bibi, bairro nobre da capital paulista, os pais dos alunos recém- transferidos se preocupam com a infraestrutura da escola e com a qualidade do ensino, mensurada por indicadores como os gerados pelo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Atualmente, 80% dos estudantes da instituição vêm de escolas públicas, 15% de escolas particulares e 5% de fora da capital paulista. A maioria, entre os últimos, estudava em instituições privadas até a mudança para a capital, quando suas famílias constataram a impossibilidade de arcar com as mensalidades, que na região chegam a custar R$ 4 mil.

Longe de se incomodar com a nova realidade, a diretora acredita que esse contato mais próximo com as famílias só tende a gerar frutos positivos. “Essa participação é muito importante. São pais que olham para indicadores, para a organização e têm uma postura de cobrar da escola, oferecer parcerias e ajudar”, diz Ana. “Mesmo aqueles que criticam a forma como o conteúdo é dado… Acho importante e aceitável. Os pais que fazem esse tipo de cobrança fazem a escola avançar”, complementa. Sobre o preconceito, afirma que há, sim, certo medo por parte dos pais em relação à integração dos filhos. “Mas é possível entender o mundo do outro”, comenta. A Escola Estadual Aristides de Castro também é de tempo integral.

Apesar de ressaltar que a cultura de participação das famílias varia de escola para escola, independentemente do fato de ela ser pública ou privada, Paula Capriglione, professora na rede municipal paulistana, também acredita que a maior presença da classe média na escola pública pode contribuir para a melhoria das instituições. Em 2009, ela transferiu sua filha para a Escola Técnica Estadual São Paulo e, em determinado momento, enfrentou o clássico problema da falta de professores. “Minha filha e seus colegas chegaram a ficar dois meses sem professor de geografia. Eu e outros pais e mães fomos reclamar para a escola”, relembra. Hoje, com a filha estudando em uma universidade pública, a professora faz um balanço positivo da experiência. “A escola técnica não é universal, mas há muito mais diversidade nela do que em uma escola particular de elite”, analisa. Como professora, ela reconhece o lado cruel das provas de admissão, ao mesmo tempo que reconhece o fator motivador. “Os alunos enfrentam seleção, então há muitos comprometidos com a educação”, diz.  

Tradição de participação

Em linha com a afirmação de Paula, a Escola Municipal Amorim Lima, localizada no bairro do Butantã, também na capital paulista, tem uma longa tradição de bom relacionamento com as famílias de seus alunos. “Incentivamos várias formas de participação”, conta a diretora Ana Elisa Siqueira. “Algumas famílias participam nas instâncias políticas, nos conselhos de escola. Outras participam mais nas assembleias de pais. Há também aquelas que se envolvem muito com festas e eventos, no cultivo da horta, na alimentação da escola. Há ainda quem ajude na biblioteca. Há um leque de possibilidades de participação muito interessante”, explica a diretora, que está há 20 anos à frente da escola.

© Gustavo Morita
Escola Municipal Amorim Lima, em SP: a prova de que o envolvimento das famílias não depende do sistema de ensino

Sua proposta democrática é justamente um dos atrativos para os pais de classe média que buscam a instituição. Mas apesar de historicamente receber estudantes de todas as classes sociais, a procura de famílias compostas por ex-alunos e alunos da pós-graduação da Universidade de São Paulo, vizinha da escola, vem se intensificando nos últimos anos.  

Além dos efeitos imediatos relatados, com o aumento da participação dos alunos em sala de aula e o maior envolvimento das famílias, esse movimento migratório, segundo diretores e pais, pode contribuir para derrubar o preconceito de que tudo que é público, fornecido pelo estado, não tem qualidade. No médio prazo, essa nova perspectiva pode ter um efeito cascata: à medida que a população usufrui dos serviços prestados pelo setor público, ela tende a contribuir e a cobrar melhorias dos governos. “A escola pública deve ser boa para todo mundo”, enfatiza a diretora do Amorim Lima. “Senão, ficamos com uma ideia de que a escola pública para a maioria dos brasileiros deve ser de um jeito e a escola privada, de outro”, completa.

O maior desafio é que essa atratividade se estenda às redes como um todo, e não apenas às escolas que se transformam em centros de excelência pela seletividade ou por parcerias que não são passíveis de atender a toda a rede.

Autor

Tânia Pescarini


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