NOTÍCIA

Edição 227

Você é inteligente? Agradeça à tataravó da sua tataravó

Os genes ligados à cognição estão concentrados no cromossomo X, transmitido pelas mães aos filhos. Alguns pesquisadores acreditam que os humanos devem suas habilidades mentais às nossas ancestrais do sexo feminino, que fizeram boas escolhas no passado

© S. Entressangle/E. DaynesCience Photo Library/La

As faculdades intelectuais dependem de vários fatores, entre os quais o ambiente no qual uma criança cresce, a educação que recebe e seu patrimônio genético. Esse último fator ainda é especialmente enigmático, mas sabemos que alguns genes são indispensáveis ao desenvolvimento intelectual normal. Um fato intrigante é que a distribuição dos genes da inteligência entre homens e mulheres é desigual. Na Universidade de Ulm, Alemanha, analisamos dados provenientes do Projeto Genoma Humano e confirmamos algumas hipóteses, segundo as quais esses genes estão localizados no X, cromossomo sexual feminino.
Curiosamente, eles são cerca de quatro vezes mais frequentes no cromossomo X que nos outros 44 cromossomos. O fato de uma mulher ter dois exemplares X e o homem, apenas um ajuda a esclarecer uma observação feita há séculos: as deficiências mentais atingem mais os homens que as mulheres. Nada surpreendente, uma vez que elas têm um par desse tipo de cromossomos: mesmo que os genes de um deles sejam defeituosos, a anomalia pode ser compensada pelos genes homólogos do cromossomo sadio. Segundo nossa hipótese, a concentração genética da inteligência no cromossomo X teria favorecido a evolução da espécie humana.
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Suponhamos que os genes do cromossomo X determinem realmente certos aspectos da inteligência. Nesse caso, uma combinação favorável desses genes no único cromossomo X do homem deve conferir-lhe capacidade intelectual superior. Na mulher, porém, a “supercombinação” precisaria ser reproduzida nos dois cromossomos, algo pouco provável. Segundo tal hipótese, deve haver mais homens com déficit intelectual, mas também mais homens superiormente inteligentes. De fato, os valores do QI (quociente de inteligência) das mulheres se aproximam do valor médio da curva de Gauss, ao passo que, nos homens, há maior oscilação: existem mais valores superiores à média e também mais valores inferiores (veja figura na pág. 30).
Acreditamos que o fato de o cromossomo X conter tantos genes responsáveis pelas capacidades cognitivas tenha acelerado o aprimoramento da espécie. A evolução humana a partir das antigas linhagens de primatas resulta em grande parte de sua inteligência e ocorreu rapidamente nos dois últimos milhões de anos. Essa rapidez pode ser explicada se considerarmos que a carga genética responsável pelo desenvolvimento do cérebro está concentrada no cromossomo X. Do ponto de vista evolutivo, quando uma combinação favorável de genes da inteligência está presente em um exemplar do cromossomo X, o indivíduo do sexo masculino desfruta dessa vantagem e é selecionado. Isso permite à espécie conservar a aquisição e transmiti-la às gerações futuras.
Esse esquema simples, no entanto, apresenta uma dificuldade. A ideia de que a presença dos genes da inteligência no cromossomo X permite seleção mais rápida talvez não baste para explicar a evolução cognitiva de nossa espécie. O processo pressupõe que o indivíduo “inteligente” transmita seu material genético a uma numerosa descendência. E, para isso, é preciso que ele agrade às mulheres de sua espécie. Um homem inteligente seduziria mais as mulheres? A questão é controversa. É certo que, no reino animal, são quase sempre as fêmeas que escolhem os machos, em função das qualidades de sedução dos possíveis parceiros. A seleção vincula-se ao fato de que cada fêmea dispõe de um capital limitado de óvulos. Assim, ela deve selecionar os pretendentes com cuidado. A fêmea do pavão escolhe os machos cuja plumagem é mais impressionante. O critério, entretanto, comporta efeitos adversos. O pavão adquire plumas longas e coloridas, mas o excesso pode apresentar inconvenientes, uma vez que quanto mais vivas as cores, mais atraem os predadores e, quanto mais longas, mais difícil é a fuga.
 

© Drops of Light/Shutterstock
Plumagem dos pavões é característica sexual secundária: atrai fêmeas e garante transmissão de genes

 
O pavão não foi o único a ir longe demais na aquisição de caracteres sexuais secundários. Na era quaternária, o cervo gigante desapareceu em razão da exuberância dos ornamentos. Seus imensos cornos, um trunfo na sedução, acabaram prejudicando os deslocamentos do animal nas densas florestas, facilitando sua captura pelos predadores. Esses exemplos não são nada animadores se pressupomos que a inteligência é uma característica sexual secundária. A longo prazo, ela se tornaria uma desvantagem para os mais astutos?
Felizmente, para nós, a situação é diferente. A inteligência não é como a pluma do pavão ou os cornos do cervo. Seria surpreendente encontrar um homem sedutor por sua inteligência, e que esta faculdade o prejudicasse em situações da vida comum. Talvez se deva a essa ambivalência do atributo – arma de sedução e de dominação – seu êxito e rápida propagação na espécie humana.
Assim, provavelmente devemos nossa inteligência a mulheres que povoaram a África há milhões de anos; afinal foram elas que escolheram seus parceiros considerando suas capacidades intelectuais. No jargão econômico atual, diríamos que aquelas mulheres eram investidoras de capital de risco a longo prazo, dotadas de incontestável perspicácia. O investimento rendeu frutos, sobretudo para os seres humanos de hoje, tanto homens como mulheres.
 

 


Horst Hameister é Ph.D. em medicina, professor de medicina genética da Universidade de Ulm, na Alemanha

Autor

Horst Hameister, da revista Mente & Cérebro


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