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Novas trilhas

ENTREVISTA com Ricardo Henriques | Edição 207 Superintendente do Instituto Unibanco defende ampliação do número de trajetórias para alunos do ensino médio, como forma de melhorar o desempenho e reduzir a evasão por Rubem Barros Aumentar o acesso à universidade passa, obrigatoriamente, pela reformulação do […]

Publicado em 28/03/2016

por Redação Ensino Superior

ENTREVISTA com Ricardo Henriques | Edição 207
Superintendente do Instituto Unibanco defende ampliação do número de trajetórias para alunos do ensino médio, como forma de melhorar o desempenho e reduzir a evasão
por Rubem Barros

Gustavo Morita

Ricardo Henriques: muitos jovens vivenciam o dilema do que fazer após o ensino médio


Aumentar o acesso à universidade passa, obrigatoriamente, pela reformulação do ensino médio, de modo a torná-lo mais atraente e a dar mais alternativas em termos de trajetórias estudantis aos jovens, ampliando a oferta e a relevância do ensino técnico. É o que diz Ricardo Henriques, atual superintendente executivo do Instituto Unibanco, instituição que tem entre seus principais programas o Jovem de Futuro, voltado à gestão escolar com foco em resultados de aprendizagem, hoje presente em cinco estados e atendendo 2 milhões de alunos.
Ex-secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC (2004-2007), Henriques também foi um dos artífices do Bolsa Família. A seguir, sugere novos desenhos para o ensino médio e alerta para a ainda baixa valorização da educação entre as elites brasileiras.
Pesquisa Semesp/Data Popular indica que fazer uma universidade é um “sonho de consumo” para quem acabou o ensino médio e para suas famílias. Bate com a sua percepção?
É heterogêneo. Pesquisa da Fundação Victor Civita aponta que 54% dos jovens não querem seguir imediatamente para o ensino superior. O ProUni e o Fies mudaram a expectativa dos jovens, comparando à geração anterior. Isso é inquestionável. Não havia agenda de ação afirmativa de crédito ou de acesso para os alunos de escola pública. Minha percepção é de que uma parte da elite acadêmica dos jovens da escola pública, que achavam não ser possível entrar na universidade, passaram a enxergar essa possibilidade. Mas uma parcela importante dos jovens ainda está no dilema sobre o que fazer imediatamente após o ensino médio. Há uma tensão entre os segmentos de baixa renda entre trocar o emprego no curto prazo pela possibilidade de obter outro melhor no longo prazo, após qualificar-se. Muita gente ainda prefere caminhar para o emprego rápido. Mas há hoje um conjunto maior de jovens que crê poder ter um emprego melhor se fizer o percurso universitário.
Há demanda por alguma alternativa a essa bipolaridade?
Não há uma demanda por um ensino superior de dois anos, um college, que dê um diploma. Isso não é disseminado entre os jovens do ensino médio. Quando você coloca essa possibilidade, vários se interessam e veem isso como um espaço mobilizador. Ainda há um contingente grande querendo entrar rapidamente no mercado de trabalho.
O desejo de fazer universidade ou de concluir o médio tem uma perspectiva prática (melhorar de vida, ganhar mais dinheiro). É o suficiente para o indivíduo se tornar um bom estudante?
As duas coisas são importantes. A inquietação sobre o valor do estudar é baixa, na escola pública e na privada. Parte da explicação de as performances dos alunos ainda serem tão baixas se comparadas às de outros países, ou da estagnação dos alunos do médio em matemática e português, vem da desmotivação frente ao estudo. Esse desinteresse está relacionado a várias questões, como a quantidade enorme de matérias obrigatórias, a inexistência de trajetórias variáveis. Não se alinham em momento algum os gostos e desejos, as visões de mundo, a caminhos possíveis ao longo do ensino médio. Isso cria um ambiente de desinteresse, de desestímulo ao estudo. Em vários cursos universitários há um arranjo funcionalista do tipo “vamos passar rasteiro para ter o diploma e depois você vai se virar”. A ideia da importância de um profissional com repertório mais amplo, que vá além do seu ofício, que tenha uma capacidade de interpretação do ambiente, visão crítica, isso se perdeu muito na universidade. E no ensino médio isso está amarrado a uma estrutura curricular quase exótica, em que não há respiro algum para o jovem fazer sua trajetória, com práticas didáticas que não estão voltadas para que o aluno aprenda. Uma cultura que veio das pedagogias e licenciaturas para o dia a dia do ensino médio, que não valoriza a prática didática como algo integrador. A síntese disso é baixíssima adesão à reflexão, ao desejo de estudar melhor, de ter mais qualidade no ensino.
Isso é generalizado?
Há vários nichos em escolas públicas com jovens engajados que contrarrestam essa tendência, o que é muito positivo. Não são só jovens de classe média ou média alta que estão em busca de uma formação mais ampla. Há vários grupos no Nordeste – Piauí, Ceará – com jovens que vivem em ambientes vulneráveis e buscam formas alternativas para ter uma trajetória de formação mais densa e crítica. Esses, além do mais, têm uma motivação extra para fazer uma migração para a universidade muito grande. É preciso fazer essa ressalva para que essa leitura não seja maniqueísta.
O ensino técnico não tem o mesmo prestígio social da universidade tradicional. Não poderia dar o resultado desejado mais rapidamente?
É pena que tenhamos consolidado uma percepção de sociedade em que o ensino técnico não tem prestígio. Na complexidade do mundo contemporâneo, trajetórias diferentes deveriam ter, do ponto de vista do reconhecimento social, pesos muito positivos. Ser um bom técnico tem uma potência transformadora muito grande, isso deveria ser bem remunerado e reconhecido socialmente. A perversão dessa situação é que não há prestígio para o ensino técnico como não há para quem vai fazer uma faculdade de pedagogia, uma das funções mais nobres da sociedade, que é a do bom professor. Isso não é uma miopia situacional dos jovens. É um ambiente social que não dá prestígio ao ensino técnico, o que limita nosso projeto de sociedade. Tanto do ponto de vista da produtividade, como do ambiente que se enriqueceria com trajetórias profissionais mais complexas.
Qual a consequência disso?
Cria-se uma polaridade, com custos sociais muito altos, que é a precarização do emprego, ou o emprego do profissional que fez universidade. O meio desse caminho normalmente é preenchido pelo ensino técnico de qualidade. Essa perversão é ainda maior porque vários dos jovens que cursam as boas escolas de ensino técnico o fazem como preparatório para entrar na universidade. Os institutos federais, de altíssima qualidade, acabam servindo como preparatório para a universidade, e não para produzir um profissional técnico, tanto médio como superior. O aluno acaba fazendo uma excelente escola técnica de química para prestar vestibular para medicina.
As boas escolas técnicas trabalham com alto grau de seletividade de seus alunos. Como fazer para que elas recebam outro perfil de estudante?
Para as escolas técnicas de comprovada excelência, você poderia e deveria fazer o que se faz em vários lugares no mundo, que é ter uma agenda de ação afirmativa em que jovens mais vulneráveis participam do processo de seleção. Mas mesmo eles tenderão a ser os de melhor desempenho. Não há problema nisso. Você poderia ter uma elite formada nessas escolas técnicas, com mais equidade no processo de seleção, que tivesse mais jovens de escolas públicas. O problema da democratização do ensino, que talvez aumentasse a probabilidade de ter melhores estudantes nas universidades, é ter trilhas de formação no ensino médio, tanto para o caminho propedêutico como para o técnico. Esse processo poderia caminhar na direção de um ensino técnico básico encadeado ao técnico universitário de curta duração, de dois anos. Isso implicaria a reformulação do currículo do ensino médio, a criação de trilhas, vinculação disso com o pós-médio e com o universitário e a uma questão de fundo: a redefinição do ponto de vista da percepção da sociedade de que isso tem valor.
Como isso se coaduna à Base Nacional Comum Curricular?
Isso deveria estar no coração da BNCC. A Base deveria ser capaz de, na fase do ensino médio, ter um núcleo comum universal para todos os estudantes e um núcleo com trilhas alternativas, finitas. Poderiam ser as quatro áreas que hoje dão acesso ao Enem e mais uma meia dúzia de trilhas profissionalizantes que seriam uma iniciação à profissionalização, garantindo que ao final do ensino médio o aluno receberia um diploma com ensino técnico. Isso cabe na BNCC. Deveríamos ver o ensino técnico baseado em três momentos: essa formação inicial, que estaria no diploma do ensino médio; a possibilidade de um pós-médio, uma especialização ainda no médio; e um college, um universitário de dois anos, que poderia ser acessado imediatamente após o médio ou depois do pós-médio. Se você fizer essa arquitetura, a capacidade de democratizar as trajetórias formativas dos jovens será muito maior. E isso aumentaria a qualidade de seleção dos ingressantes no ensino superior não técnico. A democratização do acesso está sendo feita apenas na entrada e não na saída. Para a saída, é preciso criar caminhos que dialoguem com as expectativas de futuro dos meninos, e que tenham um sentido de término a cada etapa. Eu acabaria o ensino médio com um diploma que me permita ir à universidade, ou que me dê uma noção técnica e que eu possa seguir para o pós-médio e depois para um técnico superior de dois anos. Isso dá uma noção de expectativa de futuro muito mais clara do que hoje, que é binária.
Gosto pessoal e vocação explicam a maior parte das escolhas de curso, segundo a pesquisa Semesp/Data Popular. O baixo desempenho no médio não limita gosto e escolhas?
A questão é o sistema de ensino brasileiro criar vieses negativos para determinar essas preferências. A alegoria disso é a posição hegemônica do “não sei matemática, não tenho como aprender”. Esse enunciado é derivado de um sistema que vai fazendo a matemática ficar desinteressante, não tem a ver com a vocação ou com a preferência das pessoas. Ou a ideia recorrente de que meninas não gostam de engenharias, de exatas, ou de ciências. É atribuído ao gosto, mas é um processo que distancia as pessoas ao longo da educação básica. Temos um caminho para desperdiçar talentos: uma grande cultura de reprovação no ensino médio, baixas expectativas quanto aos alunos e a visão de uma escola desinteressante. Isso aumenta muito a evasão. Estamos abrindo mão de várias pessoas que poderiam ser bons profissionais. Um grande desafio é ser universal, garantir qualidade para todos e, ao mesmo tempo, singularizar as trajetórias.
Dentro desse quadro, o que mais as universidades públicas e privadas poderiam fazer para ir ao encontro dos alunos da educação básica, seduzi-los?
As universidades – públicas e privadas – se distanciaram do ensino básico por duas vias. No ensino e na pesquisa, pensar no básico parece não ser tão nobre; e por subestimar a assimetria de informação sobre trajetórias profissionais. Uma universidade que se abre para a educação básica, permitindo que os jovens visitem laboratórios, departamentos etc., aumenta muito a chance de que as escolhas futuras sejam mais consistentes.
Não precisamos ser mais seletivos para escolher os docentes da educação básica?
A docência deveria se transformar num ofício superior no Brasil, tal qual a engenharia. Trata-se de uma profissão que tem técnicas que precisam ser desenvolvidas. É preciso ter uma visão de filosofia ou de sociologia da educação, mas isso não é suficiente para formar professores. A primeira coisa-chave é uma reformulação estrutural das pedagogias e licenciaturas, em que os fundamentos da educação sejam associados a uma visão de práticas didáticas intensas e consistentes com cada área. Esse profissional precisa ter uma formação sólida, saber estruturar uma aula, motivar os alunos para estudar, lidar com conflitos. Não é possível ter noções gerais de sólidos ou de espaços e virar um engenheiro. O segundo passo está relacionado ao fato de que a sociedade brasileira não acredita no valor da educação, inclusive a elite. É preciso um mergulho na história para colocar a educação no topo da sua escala de valores. Como estamos construindo a sociedade do século 21 sem construir esse pilar de valorização da educação? Um movimento nesse sentido seria a sociedade reconhecer o peso desse profissional, o que teria a ver com condições de trabalho, carreira, remuneração etc. Se a formação de professores for na direção de um ofício de professor, se a sociedade passar a dar um alto valor à educação, a seleção de professores pode ser um filtro definitivo para o projeto que se estará construindo. Mas precisamos ter claro qual é a matriz de competências para um bom professor e fazer escolhas que tenham barras criteriosas. Mas subir a barra da escolha sem mudar a formação inicial pode ter efeitos inesperados que não vão na direção de uma educação de qualidade para todos.
Mas essas coisas podem ser concomitantes?
Sim, devem ser. Mas precisaremos enfrentar o desafio da formação inicial, não da formação continuada. Um bom jeito de enfrentar esse desafio é que todos entendam que a profissão de professor não só é nobre, do ponto de vista abstrato, como é vital e essencial para uma sociedade dinâmica, contemporânea. Não posso aceitar que o professor dos meus filhos não tenha uma formação sólida. Seria desejável que a expectativa da sociedade sobre a qualidade do professor fosse igual à expectativa sobre a qualidade do médico. O direito à educação e o direito à vida têm de estar garantidos na mesma intensidade. Hoje, isso está desbalanceado.

Autor

Redação Ensino Superior


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