Classe de alfabetização no município de Sobral (CE) | © Divulgação
Um dos maiores nós para implementação de políticas públicas no Brasil é o regime de colaboração entre os entes federativos. A desarticulação entre União, estados e municípios, no campo da educação, tem feito com que muitas boas iniciativas acabem se perdendo antes de chegar à ponta do sistema. Ou porque não são tão boas assim, ou porque a cooperação insuficiente não permite.
Na direção contrária, um dos bons exemplos das últimas décadas vem do Ceará, estado em que, por uma série de razões, instituiu-se um modelo colaborativo que tem feito as redes municipais avançarem, com apoio técnico de órgãos estaduais. Esse sucesso fez, inclusive, que servisse de molde para ações nacionais, como o Pnaic.
Para entender os motivos dos avanços e identificar suas razões estruturais, os pesquisadores Fernando Abrucio, Catarina Segatto e Maria Cecília Pereira, do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo, da FGV/Eaesp, foram a campo e produziram o estudo “Regime de colaboração no Ceará: funcionamento, causas de sucesso e alternativas de disseminação do modelo”.
Partindo de um espectro analítico mais amplo, que inclui uma perspectiva sobre coordenação e cooperação federativa no âmbito da educação, uma análise comparada com outros países (Alemanha, Canadá, EUA e Austrália) e um breve panorama do federalismo nacional, o trabalho analisa documentos e estatísticas cearenses. Também é resultado de entrevistas com 19 pessoas envolvidas com as políticas locais, além de observação in loco nos municípios de Jijoca, de Jericoacoara e Sobral, este último um caso reconhecido nacionalmente e propulsor de políticas para o resto do estado.
Ao contrário de outros estados em que a municipalização começou de fato com o Fundef, nos anos 90, o Ceará já havia instaurado esse processo desde os anos 70, tendo com isso uma cultura de colaboração mais desenvolvida, o que facilitou o processo a partir da redemocratização do Brasil. Mas, segundo o paper, houve dois outros momentos de propulsão: na década de 90, foi instituído o Programa de Municipalização do Ensino Público do Estado do Ceará, com cooperação técnica e financeira entre o governo do estado e os municípios, elaborado o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003) com metas que incluíam a ampliação da municipalização do ensino e, em 1992, foi criado o Sistema Permanente de Avaliação Educacional do Ceará.
Já na década seguinte as experiências bem-sucedidas de Sobral com o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) passam a servir de elemento catalisador de políticas públicas.
A “combinação virtuosa entre continuidade e mudanças”, ou seja, uma política com rumo determinado que vai sofrendo ajustes, e o estímulo à municipalização com apoio técnico do estado e escuta permanente das necessidades específicas dos municípios são identificados no estudo como fatores ambientais que concorreram para o sucesso das políticas.
Ao designar os cinco microfatores que servem como explicações positivas para o regime de colaboração local, o trabalho indica os seguintes pontos:
– Trajetória histórica do Estado do Ceará, com políticas mais municipalistas e divisão de tarefas entre os entes federativos;
– Constituição de lideranças reformistas-empreendedoras de políticas, criando coalizão solidária em prol da agenda pública;
– Criação de arcabouço institucional que gerou incentivos à cooperação e à busca de resultados;
– Política educacional centrada no tripé seleção/formação de dirigentes e professores, material pedagógico e monitoramento/avaliação constante;
– Objetivos claros, com prazos bem definidos e divulgados periodicamente.
O estudo traz, ainda, 10 propostas para que o modelo cearense possa ser expandido para outros estados, guardadas as suas particularidades:
1) Combate à cultura compartimentalizada: os alunos de um estado são responsabilidade dele, não importa em que rede estejam estudando;
2) Os municípios devem estar envolvidos em políticas estaduais, por meio de fóruns ou pactos, em torno de metas;
3) O envolvimento da sociedade fortalece o regime de colaboração;
4) A existência de uma coordenadoria na secretaria estadual para interlocução com os municípios é fator de indução da colaboração;
5) Bom funcionamento das estruturas regionais dos governos estaduais;
6) Estabelecer mecanismos de competição administrada e ação colaborativa;
7) Estruturar a colaboração em torno de políticas e programas definidos por meio de metas objetivas, de modo a saber aonde chegar;
8) Casamento entre insumos e resultados, com retroalimentação constante;
9) Dar flexibilidade ao modelo de colaboração para que a assessoria técnica e pedagógica seja customizada para municípios e escolas;
10) Estruturar ações que cheguem à escola e à sala de aula, melhorando a atuação de gestores e professores e a aprendizagem dos alunos.
(Fonte: Estudo “Regime de colaboração no Ceará: funcionamento, causas de sucesso e alternativas de disseminação do modelo”, (Ceapg, FGV/Eaesp),
http://migre.me/vJLRl)