NOTÍCIA

Ensino Superior

À procura de substitutos

Com o Fies reduzido, instituições investem em eficiência operacional e em alternativas de financiamento para manter o nível de ingressantes e, consequentemente, a saúde financeira de suas operações

Publicado em 22/02/2017

por Marina Kuzuyabu

 
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Os últimos dois anos foram períodos de reestruturação para a maioria das instituições de ensino. Gestores dos mais variados portes contam que a redução do principal programa de financiamento estudantil, o Fies, afetou consideravelmente a captação de alunos e os negócios da instituição. Na visão de alguns, o ano de 2015 foi o mais complicado, uma vez que o cenário mudou drasticamente quando todos já haviam planejado o ano seguinte e, inclusive, encerrado os processos seletivos.
O retrato desse período está no Censo da Educação Superior: na rede privada, o número de novos alunos caiu 6,9%, saindo de um patamar de 2.562.306 estudantes para 2.385.861.
Para outros, 2016 foi o ano mais difícil em função do agravamento da crise financeira. “De maneira geral, os alunos dependem ou dos pais ou do próprio trabalho para pagar as mensalidades. Com o desemprego em alta – já são 12 milhões de pessoas –, muitos se viram sem condições de custear a faculdade”, analisa Iram Alves dos Santos, conselheiro da Universidade Braz Cubas, de Mogi das Cruzes (SP) e atual presidente do FinancIES (Fórum dos Executivos Financeiros para as Instituições de Ensino Privadas do Brasil).
Para piorar, por insuficiência orçamentária, durante quatro meses o governo deixou de repassar à Caixa Econômica Federal e ao Banco do Brasil as taxas de administração dos contratos do Fies. Consequentemente, as instituições também ficaram sem receber. Segundo estimativas do Semesp, o montante represado girou em torno de R$ 5 bilhões. “Com base no ocorrido no ano anterior [quando o governo reduziu de 12 para oito parcelas os repasses às IES com mais de 20 mil alunos], as instituições se programaram para oito parcelas, mas ficaram por meses sem receber nenhuma. Foi um período muito complicado”, reforça Santos. Para que a situação se regularizasse, foi preciso votar um projeto de lei para liberar recursos suplementares ao orçamento do MEC. Mas, enquanto durou a crise, muitas IES viveram períodos de intensa turbulência financeira.
Aposta errada
Na última edição do FinacIES, em 2016, compareceram representantes de 200 IES. “Em torno de 20% a 30% delas estão em crise”, revela Jeferson Vinhas, vice-reitor do Centro Universitário do Sul de Minas (Unis) e vice-presidente do fórum. “Há casos de instituições que estão com dificuldade para honrar a folha de pagamento, pagar o 13º dos funcionários”, conta.
Estão nessa situação aquelas que apostaram todas as fichas no programa. Estas usaram o Fies para alavancar a base de alunos e fizeram uma série de investimentos contando com a sua continuidade. Entre esses investimentos estão ampliação das instalações físicas, contratação de mais professores e abertura de novos cursos.
Essa é a situação da Ajis, instituição de pequeno porte (1,5 mil alunos) situada no interior do Mato Grosso e cujo faturamento depende fortemente do programa governamental: 70% dos alunos estão vinculados ao Fies. Segundo o mantenedor Clódis Antônio Menegaz, cinco cursos tiveram de ser descontinuados – todos de licenciaturas. De um portfólio de 14 formações (entre graduação e pós-graduação), restaram nove. O quadro docente também foi reduzido e o regime de contratação mudou. Antes, 90% dos professores eram contratados em regime integral. Hoje, apenas 50% estão nessa condição. Os demais passaram a ter dedicação parcial e a instituição ainda começou a trabalhar com horistas.
Os maiores prejudicados, contudo, foram os alunos na opinião de Menegaz. Isto porque o corpo docente, que antes trabalhava em período integral, tinha tempo para preparar cursos de nivelamento e assessorar os estudantes em projetos de pesquisa. Hoje, as horas dedicadas a essas atividades se tornaram escassas.
A Ajis, que possui duas unidades (Juína e Guarantã do Norte) em funcionamento e uma terceira em planejamento, também teve de cortar uma série de despesas, entre elas alguns contratos com fornecedores e até a conta de telefone, que passou a ser controlada com mais rigor. Investimentos também foram paralisados, como os que seriam feitos na área de TI.
De acordo com Jeferson Vinhas, a palavra de ordem no setor privado é reorganização. As que demoraram mais tempo para se ajustar, acreditando que o programa voltaria aos patamares pré-2015, estão atravessando a crise econômica com grandes dificuldades. As retardatárias, que ainda não se ajustaram, poderão enfrentar o golpe mais duro: o fechamento das portas.
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Enxutas e eficientes
Por outro lado, aquelas que não perderam tempo e se adaptaram assim que a crise se instalou, enxugando despesas e buscando eficiência operacional, estão hoje em melhores condições. Também estão relativamente bem as IES que aproveitaram o período de crescimento do Fies para fazer caixa e programar investimentos. No final de 2014, 38% dos alunos do Grupo Tiradentes eram financiados pelo governo. Hoje, esse percentual é de 29%. Com 50 mil estudantes espalhados por quatro instituições de ensino localizadas em Sergipe, Alagoas e Pernambuco, o grupo estava precavido quando a crise estourou, conta André Tavares, superintendente administrativo do grupo. “Já em 2011 o Conselho de Administração tomou a decisão de estabelecer o teto de 40% para o Fies. Existia um certo conservadorismo em relação aos investimentos no programa”, detalha. Dessa forma, não houve necessidade de fechar cursos nem de demitir professores apesar da queda de 12,5% no número de ingressantes em 2015 em relação a 2014. A solução para equilibrar o caixa foi recorrer ao corte de despesas e aumentar a eficiência operacional (veja mais no box da pág.28). Estratégia semelhante foi adotada pela Unis, onde a captação de alunos no primeiro semestre de 2017 foi 50% menor em relação ao mesmo período de 2016.
Com uma gestão já orientada para a redução de despesas e a otimização de resultados, a Faesa, por sua vez, não precisou fazer grandes mudanças internas, assegura Sérgio Roberto Soares, diretor financeiro da instituição localizada no Espírito Santo. Mas mesmo sem observar queda no percentual de alunos financiados pelo governo (30% de uma base de 10 mil), o executivo admite o impacto do redesenho do programa na admissão de novos estudantes: “O Fies era uma forte fonte de captação de alunos e ainda não achamos uma forma adequada para substituí-lo”, reconhece.

Substituir e complementar

As instituições também estão recorrendo a alternativas para o Fies. De acordo com Tavares, do Grupo Tiradentes, a utilização da linha de crédito universitário PraValer, da empresa Ideal Invest, cresceu 80% em 2016 em comparação com 2014.
Para 2017, o grupo terá mais uma opção aos alunos: uma linha própria de financiamento. Para viabilizá-la, foi estruturado um fundo de investimentos que havia captado até o final de 2016 cerca de R$ 8 milhões. O crédito será oferecido sem juros e os alunos terão o dobro do tempo do curso para quitar a dívida. A meta é atender 2 mil alunos nessa modalidade.
A Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), que tem 8% de suas receitas atreladas ao Fies, criou planos de parcelamento e um programa de bolsas restituíveis, conta Taiguara Langrafe, vice-reitor e superintendente adjunto da instituição, que conta hoje com 5 mil matriculados. Embora garanta que o programa jamais tenha sido utilizado como ferramenta de captação, o executivo lamenta sua redução. Na visão da instituição, o Fies era – e ainda é – um importante instrumento de inclusão de jovens e adultos desfavorecidos economicamente, além de ferramenta de retenção de alunos.
De maneira geral, os gestores educacionais estão resignados com a ideia de que o Fies não voltará aos patamares antigos, pelo menos não em futuro próximo. Mas tendo experimentado um crescimento substancial de alunos durante o auge do programa, o foco de todos agora é desenvolver outros meios para dar vazão à grande demanda por educação superior. (MK)

Autor

Marina Kuzuyabu


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