Conversa de morango e outros textos cheios de graça, de Carlos Drummond de Andrade, ilustrações Fido Nesti (Companhia das Letrinhas, 64 páginas,R$ 34,90)
A graça da prosa às vezes difere um tanto da acidez da poesia, mas ambas mantêm traços de identificação, linhas de diálogo. Se os versos de Ser (Claro enigma, 1951) evocam “o filho que não fiz” criando a presença pela materialização imaginária do que poderia ter sido (Às vezes o encontro/num encontro de nuvem./Apoia em meu ombro seu ombro nenhum.), os contos e crônicas de Carlos Drummond de Andrade fisgam pela antítese, pelo absurdo de situações, pela graça do inesperado.
É o que se pode encontrar em Conversa de morango e outros textos cheios de graça, reunião de textos do poeta publicados originalmente em seis livros, agora reorganizados pela Companhia das Letrinhas. Voltados ao universo infantojuvenil, os textos de Drummond trazem uma singeleza salpicada de absurdos humanos.
Ora ela vem em sua versão do famoso Bartleby, o escrivão de Herman Melville que só sabia dizer “que preferiria não fazer”, aqui encarnado pelo pessimista que sempre tempera suas restrições por um “salvo se”, como a adiantar o que lhe restringirá a ação. Depois, aparece no homem que detém o segredo do melhor sorvete do mundo, que divide com uns poucos eleitos.
A grandeza das histórias de Drummond está nesse difícil e magnífico embate cotidiano entre pessoas, que entre o desejo de conhecer-se e completar-se e o medo das perdas que esses encontros podem acarretar, nos fazem enxergar faces diversas da vida, da incomunicabilidade à comunhão inesperada.
Assim, no diálogo entre o carteiro e o homem que sempre recebe muitos livros, o primeiro vai tateando se o outro realmente os lê, se não lê o que faz com eles, tudo isso para preparar o terreno para expor-lhe a sua própria produção escrita, aquela que vem do ato de “esvaziar a alma”.
Ou – cena perfeita para ser transformada em curta-metragem – na observação atenta do homem sobre uma moça que se delicia com uma espiga de milho durante uma viagem de ônibus, num tempo em que só mesmo uma graça particular poderia permitir que se comesse assim em público.
A comunhão inesperada às vezes é aquela a ser sempre guardada em segredo, como no caso do menino que roubava os botões do paletó do avô para jogar futebol de mesa e é pego de surpresa quando, na hora de enterrá-lo, a família recorre… àquele paletó!
A fabulação está presente em todas as histórias, dando pano pra manga ou, como na história-título, disparando uma conversa de morango pela oferta da fruta antes do tempo. Mas, quando o assunto é poder, o absurdo se aproxima do real: o governo cai por excesso de autoritarismo e o rei destitui a quem bem lhe serve por intrigas palacianas.
Outras leituras
Contêiner, de Fernando Vilela (enredo e ilustrações), Pequena Zahar, 48 páginas, R$ 49,90.
Um cão e uma gata viajam mundo afora a bordo de um contêiner. Livro-imagem do autor e ilustrador ganhador de cinco prêmios Jabuti. A narrativa é feita de cores bem vivas e marcadas – e também com significado para o enredo. Uma viagem por portos de países como Inglaterra, China e Brasil.
O caderno do jardineiro, de Angela-Lago (poesias e ilustrações), SM, 64 páginas, R$ 40.
Com delicadeza de quem cultiva o jardim de casa, a tradutora, poeta e ilustradora mineira Angela-Lago busca o espírito de diversos tipos de flores, mas não só: ao traduzi-las em palavras, traço e cores parece também exprimir um modo de vida e, sobretudo, de olhar para a natureza.
Um escritor na capela, de Nelson Cruz (texto e ilustrações), SM, 32 páginas, R$ 38.
Recriação ilustrada do período em que o escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953) ficou no Presídio Frei Caneca, no Rio de Janeiro, para onde foi transferido do Presídio de Ilha Grande, durante a ditadura de Vargas. Cruz se interessa, sobretudo, em olhar para o processo de criação literária.
Autor
Redação revista Educação