O ano de 2017 marca o aniversário de 50 anos da institucionalização da ideia de ciências da educação, com a criação de cadeira específica na Universidade de Caen, na região da Normandia, França. A introdução da nova cadeira foi resultado de uma série de ações articuladas que foram tomando corpo no pós-guerra, mas já decorrentes de abordagens mais centradas no estudante e numa visão diferente da psicologia, que de “ciência da alma” passa a ser exercida mais como “ciência das condutas” na primeira metade do século passado.
É nesse cenário que se dá o interesse inicial de Gaston Mialaret (1918-2016), educador que esteve no centro da mudança de ponto de vista de uma formação pedagógica para outra mais abrangente, que olhasse para os vários fatores que concorrem para impactar o fenômeno educativo.
A trajetória que desaguou na constituição desse novo campo do conhecimento está documentada e explicada em Ciências da educação, de autoria do próprio Mialaret, que teve sua primeira edição lançada na França em 1976. De lá para cá, foi sofrendo revisões permanentes, em sintonia com a expansão das pesquisas e olhares.
Ciências da educação – de Gaston Mialaret (2013, WMF Martins Fontes, 286 páginas,
R$ 64,90)
Como o próprio autor enfatiza, é uma obra destinada a três públicos distintos: os interessados no tema em si – as diversas variantes que incidem e determinam a educação e o olhar sobre como ela acontece – , os historiadores da educação e filósofos da ciência.
Mialaret é testemunha e parte desse processo, do qual foi elemento ativo. Com uma primeira formação em matemática, foi se dedicar ao ensino e obteve, alguns anos depois, o diploma de psicologia na Sorbonne. Em 1946, organiza o primeiro laboratório de psicopedagogia na Escola Superior de Saint-Cloud.
Em 1957, defende duas teses, uma sobre o ensino de matemática, outra sobre a formação do professor para essa disciplina. Em 1953, é admitido na Universidade de Caen, na cadeira de psicologia. Três anos depois, cria ali também um laboratório de psicopedagogia. Entre 1962 e 1969, sucedeu Henri Wallon, de quem foi discípulo, na direção do Laboratório Francês de Educação Nova (LFEN). A partir dessa posição articulou com outros centros a interação em termos de troca de ideias, pesquisas e informações que resultaria na criação da cadeira de ciências da educação em Caen e em equivalentes nas universidades Sorbonne e de Bordeaux, capitaneadas pelos pesquisadores Maurice Debesse e Jean Château, respectivamente.
Apesar de ter claro para si que uma boa taxonomia não garante uma solidez de princípios educacionais – necessariamente assentados numa visão clara de filosofia da educação –, Mialaret classifica, delimita e define com clareza o campo que contribuiu para criar.
Enfatizando a dificuldade de sair do paradigma normativo da pedagogia, ligado ao juízo de valor, para uma visão analítica, um juízo de realidade que pressupõe a descrição e a explicação dos fenômenos educacionais, o autor sabe que, do ponto de vista linguístico, a aproximação de “ciência” ou “pesquisa” e “educação” pode ser imprecisa.
“A educação não pode, no sentido estrito do termo, ser “científica”; ela é essencialmente uma comunicação humana, e o professor não é uma máquina. As utilizações das máquinas (rádio, computador, máquinas de ensinar) não são mais do que técnicas a serviço do educador e do aluno”, escreve.
Da mesma forma, todo o universo de conhecimentos proporcionado por áreas como a psicologia, a sociologia, a antropologia, a biologia e a neurociência não são a panaceia para novas práticas educacionais. São recursos sem os quais a visão dos educadores – professores e gestores – só se empobrece, mas que só serão potentes se filtrados pelo bom-senso e pela sensibilidade de quem está em contato direto com a realidade. Para isso, é preciso que tenham bons instrumentos de leitura dessa realidade.