NOTÍCIA
Em sua terceira edição, encontro promovido pela revista Educação aconteceu no fim de agosto e contou com temas como neurociência e computação cognitiva em sua programação
Publicado em 16/10/2017
Uma das palestras que mais atraíram a atenção do público foi a do psicólogo e neurocientista Fernando Louzada, coordenador do Laboratório de Cronobiologia Humana da Universidade Federal do Paraná e docente da mesma instituição. Membro-fundador da Rede Nacional de Ciência para a Educação, Louzada começou fazendo um alerta para a falta de prioridade do governo no investimento em pesquisa, área que ao lado da educação representa a maior possibilidade nacional para reversão do atual quadro de indigência política, econômica e cultural. Mostrou que de 2014 a 2017, as verbas para pesquisa do CNPq, principal agência financiadora nacional, caíram cerca de 75%.
Ao entrar no tema específico de sua fala, o neurocientista mostrou, por meio de uma analogia em que comparou o cérebro com uma floresta, como se dá o desenvolvimento cerebral. Ou seja, ao ativar determinadas áreas novas no cérebro, é como se abríssemos trilhas diversas. Sua manutenção depende do uso constante, o que as tornará mais demarcadas e significativas. A falta de uso fará com que tendam a desaparecer.
Enfatizou também a importância de assuntos que tenham um “colorido, um conteúdo emocional”, para que a aprendizagem se dê de forma mais significativa. E, em complemento, de como a repetição e a memorização são elementos importantes no processo cognitivo, em especial quando os conteúdos são importantes, mas não há esse colorido emocional envolvido. “Precisamos perder o preconceito com a repetição. Quando o aluno repete várias vezes, aquilo é automatizado. Tem coisas que vale a pena repetir”, frisou.
E terminou fazendo enfática defesa pela mudança dos horários escolares, que não respeitam o que se sabe sobre o sono, fator de grande relevância para a consolidação do aprendizado, e que, especialmente na adolescência, têm câmbios em termos de relógio biológico que não deveriam permitir que as aulas começassem antes das 8h30.
Se o ambiente político brasileiro passa longe de gerar consensos, um dos pontos mais críticos das dissensões no campo educacional é a reforma do ensino médio aprovada por meio da edição de medida provisória que se transformou em lei em fevereiro deste ano. Sua implementação, no entanto, promete ser longa e complexa, como enfatizou Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e presidente da comissão de elaboração da Base Nacional Comum Curricular no CNE.
Um dos alertas feitos por Callegari em sua exposição foi o de que os gestores não devem ficar ansiosos em relação à implementação da lei, pois o processo ainda deve ser demorado, chegando às escolas apenas em 2020, para começar a efetivamente funcionar em 2021.
“Num quadro bem otimista, o CNE aprovaria a reforma e a Base para o ensino médio até o final de 2018, ficando 2019 para a normalização legal no âmbito dos estados”, diz ele, lembrando que 2018 será ano eleitoral e que, por isso, a interlocução com os secretários estaduais, instância federativa constitucionalmente responsável pela etapa, será prejudicada.
Para o representante do CNE, o órgão deverá interceder em aspectos ligados à Base do ensino médio, ainda em elaboração pelo MEC, principalmente no que diz respeito ao limite de 1.800 horas para a parte comum do currículo e na criação de recomendações para cada um dos itinerários formativos previstos na nova lei.
“Estabelecer um limite de 1.800 horas é um erro grosseiro. Base não é currículo, ela tem de estabelecer os direitos de aprendizagem”, defende. E relatou que, ao solicitar à secretária executiva do Ministério da Educação, Maria Helena Guimarães, a inclusão de orientações para os itinerários, recebeu como resposta que, se acha necessário, “o Conselho que o faça”.
Seu parceiro de mesa, Aldeir Rocha, consultor educacional, enveredou por outra questão relativa à etapa. Para ele, seja lá como for definida a reforma, ela se constitui numa oportunidade para que as escolas mudem o viés de seu planejamento para as aulas e atividades escolares em geral.
Rocha sugere que o foco recaia nos direitos e objetivos de aprendizagem, e em como articulá-los a partir de uma consciência e uma intencionalidade pedagógicas, e não mais por conteúdos curriculares. “Esse é o caminho a ser trilhado pelas escolas”, disse.
Outros destaques do evento foram as palestras que mostraram, de um lado, o que os jovens querem da educação e, de outro, quais são as habilidades e competências requeridas dos jovens no mundo do trabalho.
Tatiana Klix, jornalista e editora do Portal Porvir, apresentou um levantamento feito pelo instituto de mesmo nome junto a 132 mil jovens de todo país, com predominância da região Sudeste, em especial do Estado de São Paulo. O levantamento deixa evidente o clamor por ambientes em que haja mais interação, tanto tecnológica quanto humana, pois além de gostar dos dispositivos os jovens também pleiteiam ser ouvidos.
Maíra Habimorad, diretora da Cia. de Talentos, falou sobre as transformações do mundo contemporâneo e sobre como a escola pode ajudar os jovens. Para ela, essas transformações exigem mudanças urgentes da escola – que deve inserir a discussão sobre carreira dentro de sua grade. A morosidade do processo de adaptação das instituições acontece devido à falta de concorrência na área de educação básica. “Por enquanto, a escola ainda não tem outro tipo de instituição concorrente. Pensando como setor, vocês [donos de escolas] estão num lugar privilegiadíssimo”, resumiu.
A valorização da cultura do erro – no sentido de utilizar o erro como elemento do processo de aprendizagem – e do fazer por parte do aluno foram objeto da exposição do educador e jornalista Alexandre Sayad. Fazendo relações com o mundo da cultura, Sayad exemplificou como valer-se do que hoje se chama de cultura maker ou hands on, mão na massa, para o trabalho tanto com comunicação como com disciplinas ligadas às ciências duras.
Uma das mesas mais aguardadas foi a de fechamento do evento, o debate sobre as relações família e escola, um tema que mobiliza os gestores cotidianamente. Participaram da sessão os palestrantes Luciana Fevorini, diretora do Colégio Equipe e doutora em psicologia escolar com tese versando justamente sobre o tema em questão, e José Ernesto Bologna, psicólogo do desenvolvimento, consultor e fundador da Ethos Sharewoods.
A apresentação de Luciana foi centrada em sua tese, “O envolvimento dos pais na educação escolar dos filhos: um estudo exploratório”, defendida em 2009 no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. O trabalho aborda especificamente o universo das famílias de classe média, recorte pouco estudado no âmbito acadêmico. Além disso, trata-se de um segmento que coloca a educação dos filhos em um lugar central em relação a seus projetos futuros. Por isso mesmo, esses pais têm mais expectativas e são mais exigentes em relação à qualidade.
Na pesquisa, feita por meio de entrevistas com pais, Luciana constatou serem criteriosos na escolha da escola, buscando aquelas compatíveis com sua leitura de mundo e que, ao contrário do que se diz, essas famílias não delegam à escola a formação em termos de valores. Em gênero, os pais acompanham a vida escolar dos filhos de perto, zelando pelo seu sucesso acadêmico.
Como ponto sensível da relação, a diretora do Equipe cita o fato de muitas dessas famílias postularem tratamento diferenciado em algumas situações. “A família de um aluno que chega atrasado por cinco minutos, por exemplo, argumentará que ele perdeu pouco tempo de aula. A escola, no entanto, deve valorizar regras que privilegiem o coletivo, impedindo sua entrada para não atrapalhar o andamento da aula”, exemplifica.
Destacou, ainda, que é importante que os dois lados entendam suas posições e responsabilidades na educação de crianças e jovens. “Nem a escola deve dizer como a família deve agir, nem a família deve exigir que a escola atenda às suas solicitações”, resumiu.
Já José Roberto Bologna, em sua fala de abertura, preferiu dar ênfase a alguns aspectos talvez menos palpáveis do dia a dia, mas que ajudam a entendê-lo. Situando seu olhar sobre a relação família-escola em um ângulo mais psicanalítico, desconfiado do discurso racionalista, mostrou-se “interessado mais naquilo que as palavras ocultam do que no que revelam”, e buscou construir um quadro em que as mudanças de contexto tiveram peso significativo na perda da aparente estabilidade de cinco ou seis décadas atrás.
Entre essas diferenças temporais, citou a profunda alteração nas relações de gênero, com as mulheres ganhando espaço social no mundo profissional, os homens sendo menos provedores e os casamentos sendo menos sólidos e menos duráveis. Além desses fatores, que Bologna sublinhou afetarem bastante as relações com a escola, há ainda a supervalorização da juventude, fase para a qual todos parecem querer convergir, e a alteração de costumes em relação à sexualidade e ao consumo.
“No meio disso tudo, a escola tem de ser a chata do sistema”, diz, reiterando que seu papel continua a ser o da instituição que traz pilares, limites, valores, e deve estimulá-los e garanti-los. E, em boa linguagem psicanalítica, lembrou que não só a escola, mas o processo educativo em geral tem função castradora, no sentido em que dá dimensão e limites sociais para o desejo individual, torna possível o convívio do privado com o público. Nem sempre sem custos, é verdade.
Porém, se a escola puder ajudar seus educandos a lidar com esses custos interiores de forma positiva, no mínimo teremos boas safras de livros e filmes de memória sobre a infância e a adolescência. Se todos quiserem sair dessa fase e virar adultos, haverá um ganho ainda maior.