NOTÍCIA

Edição 243

Coordenador pedagógico deve auxiliar professor a melhorar aprendizagem dos alunos

Atuação desse profissional é o meio mais eficaz de direcionar, organizar e dar unidade ao trabalho de formação continuada do corpo docente, partindo sempre das questões concretas de sala de aula

Publicado em 17/10/2017

por Camila Camilo

Coordenador pedagógico deve auxiliar professores a melhorar aprendizagem dos alunos

A ação do coordenador pedagógico para reunir os professores faz com que eles criem mais referências entre seus colegas e não se vejam isolados (Crédito: © Gustavo Morita)


Na Escola Municipal Maria Marcolina Xavier, em Ibitiara, município de 16 mil habitantes a 550 quilômetros de Salvador, até 2001 não havia formação continua­da estruturada. A escola sequer tinha um coordenador pedagógico exclusivo. Apenas em 2015 foi designada uma profissional para a escola, que deixou de compartilhar o mesmo coordenador com outras 14 unidades da zona rural da cidade. As coisas começaram a mudar quando o município aderiu ao Projeto Chapada, hoje Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (Icep). A organização desenvolve uma metodologia de formação continuada aliada à mobilização dos principais envolvidos: equipes das secretarias de Educação, professores e coordenadores pedagógicos.
Atualmente, o cargo de coordenador na Escola Municipal Maria Marcolina é ocupado por Kátia Xavier. Ela é responsável por uma organização robusta de formação em serviço, composta por um Plano de Formação estruturado a partir do que os professores e as crianças apresentam. Demandas de aprendizagem diagnosticadas via avaliações externas e internas também entram. O plano inclui encontros formativos, oficinas pedagógicas para todos os professores, acompanhamento dos resultados da aprendizagem e reuniões de Conselho de Classe Participativo. Kátia é responsável por um grupo grande. Ela realiza a formação continuada de dez professores do ensino fundamental I, sendo cinco alfabetizadores.
As sequências didáticas e demais atividades pedagógicas surgem do levantamento das necessidades de cada classe. Com base nele, e usando resultados de provas como suporte eventual, é que se organiza o plano de trabalho e seu desdobramento. “Analisamos em conjunto os dados, as produções das crianças, os planos de ensino e as rotinas. Depois das aulas, avaliamos o que deu certo e o que não funcionou e pensamos em como modificar. É um constante ir e vir”, explica Kátia.
Antes de ser coordenadora, ela era professora e lembra como os encontros pedagógicos eram abertos. “Eles eram realizados por pessoas externas à escola, que faziam seu trabalho e iam embora. A gente ficava tentando aplicar aquilo em sala de aula, mas não dava. Assim como a capacitação era geral, o nosso planejamento também acabava sendo”, recorda. Hoje, ela se orgulha do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) da escola. Em 2015, eles obtiveram 6,5, superando a meta de 5,4. O número também é superior à média da rede pública brasileira para os anos iniciais do ensino fundamental: 5,3.
Os resultados corroboram o que pesquisas e a prática cotidiana nas escolas cada vez mais indicam: a efetividade da formação continuada é muito maior, seja para melhorar as práticas docentes ou para a aprendizagem dos alunos, quando realizada a partir de questões concretas, derivadas de sala de aula. E a atuação de um ou mais coordenadores pedagógicos é o meio mais eficaz de direcionar, organizar e dar unidade a esse trabalho junto aos professores.

Não tem mágica

Seja na rede pública de Ibitiara ou em escolas particulares paulistas, os exemplos só apresentam sucesso em razão de alguns motivos. O primeiro deles é que a formação dos formadores foi um investimento estratégico de redes ou escolas.
Os projetos adquirem consistência e conseguem congregar os educadores na medida em que os próprios coordenadores pedagógicos estejam solidamente preparados para cumprir seu trabalho. Se a formação inicial ofertada por licenciaturas e graduações em pedagogia não consegue formar bem o professor, a ação do coordenador pedagógico só pode ajudar a elevar essa régua se ele estiver conceitualmente bem preparado, inclusive em relação às diferentes realidades que poderá encontrar. Mas, como vivem no mesmo mundo dos professores, nem sempre os coordenadores estão prontos para isso.
“A verdade é que os cursos de formação são frágeis, a escolaridade básica dos professores não é de qualidade, o repertório cultural deles é restrito. E quando ele vira coordenador, o faz sem formação para isso. Ele dorme professor e acorda coordenador. Isso é grave!”, alerta Rosaura Soligo, formadora de professores e coordenadora de projetos do Instituto Abaporu de Educação e Cultura.
Vanessa Umemura, coordenadora pedagógica da Emef Leandro Klein, em São Caetano do Sul, é um exemplo da diferença que a formação faz. Ela, que está concluindo o mestrado em Educação na Universidade Municipal São Caetano do Sul, procura estratégias formativas para usar com a sua equipe e conta com o apoio do Centro de Formação de Professores de São Caetano, para aonde vai quinzenalmente. A oportunidade de discutir sua prática também acontece com o acompanhamento semanal dos assessores do Centro em visitas às escola. Tudo isso vem dando resultados na instituição onde ela trabalha. Agora, Vanessa está analisando com a sua equipe de docentes como otimizar a avaliação nas disciplinas de língua portuguesa e história. Ela também está criando um projeto de orientação de estudos para os alunos repetentes e, depois de diagnosticar problemas na concepção de prova dos docentes, concentra esforços da formação em serviço para mudar essa perspectiva. Na prática, ela está construindo com os professores, e a partir deles, soluções para questões reais da escola. “Os professores se sentem ouvidos, importantes e responsáveis. Se podem participar da solução de um problema apontado por eles, se empenham mais”, conclui.

Rotina focada

Além da formação, os coordenadores pedagógicos da baiana Ibitiara foram liberados de tarefas que consumiam sua jornada diária e passaram a focar o que de fato importa. É sabido que não é assim na maioria dos casos. Com frequência, o coordenador pedagógico é visto como o número dois da gestão e, assim como o diretor da escola, cumpre o papel de “apagador de incêndios”, “mil e uma utilidades”, “vigilante da disciplina”, “preenchedor de formulários e cartilhas” ou, até, “fiscal dos professores”. As expressões beiram o engraçado, mas escondem a realidade de um dia a dia atribulado e confuso, com funções mal definidas e pouco espaço para o que mais importa: a articulação da formação em serviço dos educadores.
As frases foram coletadas em conversas com coordenadores pedagógicos, equipes das secretarias de Educação, supervisores e diretores de ensino de quatro estados brasileiros: Piauí, Goiás, Paraná e Espírito Santo durante a produção da Pesquisa sobre a função de coordenação pedagógica nas escolas públicas de ensino médio, realizada em 2016 pelo Instituto Unibanco e Tomara! Educação e Cultura.
O estudo dá algumas pistas para contextualizar a questão. Ele revelou que há pouca clareza nas leis e parâmetros normativos sobre os limites do exercício da profissão. Embora existam registros indicando a criação de cargos responsáveis pela função formativa já na década de 1980, só com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, é que o profissional se desassocia da articulação com a comunidade escolar e passa a ser visto como responsável pela reflexão e construção do projeto político-pedagógico da escola. Segundo a pesquisa, o Estatuto do Magistério, documento que lista as atribuições dos professores e coordenadores, simplesmente não existe em sete estados brasileiros: Acre, Amazônia, Rondônia, Amapá, Tocantins, Paraíba e Rio de Janeiro.
Em alguns estados, notou-se que o cargo se aproxima da função do supervisor, criada durante a ditadura militar no Brasil (1964–1985). Isto é, acaba sendo identificado com, praticamente, um vigia em vez de um formador, de fato.
“Historicamente falando, a figura do coordenador como um formador que apoia os professores é recente. Ele sempre foi muito visto como um fiscalizador ou o ocupante de uma função mais burocrática”, comenta Cybele Amado, diretora presidente do Icep. Para ela, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) deu, de fato, um grande passo para a mudança da perspectiva mais comum sobre a função desempenhada por esse profissional. Mas, o estabelecimento do horário de trabalho pedagógico coletivo (o 1/3 da jornada dedicado aos estudos, planejamento e outras tarefas que o professor desempenha quando não está com os alunos em sala de aula), uma conquista do professorado, significou ainda mais. “Ele é símbolo da luta pela formação continuada em contexto de trabalho e representa o enfrentamento de uma tensão sobre o papel do coordenador pedagógico, que persiste porque não é claramente instituído”, argumenta. Cybele relata ainda que, construindo propostas de formação com as redes públicas de ensino no Icep ao longo dos anos, deparou-se com escolas onde o coordenador pedagógico sequer existia.
Mesmo onde há regularização sobre o que faz esse profissional, ela não obrigatoriamente dá a ele o papel central de articulador da formação em serviço. A pesquisa O coordenador pedagógico e a formação de professores: intenções, tensões e contradições liderada pela Fundação Victor Civita em 2011, mostrou que, nas cinco regiões do país, a grande maioria das atribuições centra-se na participação em diferentes instâncias, dispersando os objetivos da função. O coordenador pedagógico é designado como peça importante para o funcionamento da escola como um todo e somente nas regiões Norte e Sudeste o aspecto formativo da função é preponderante. Outra conclusão foi que a legislação dificulta o seu trabalho à medida que traz um acúmulo de tarefas que priorizam o cotidiano da escola em detrimento da formação.

Foco no chão da escola

Fato é que, embora sejam atividades importantes do ponto de vista institucional, o coordenador pedagógico não deveria se ocupar em substituir professores que faltam, organizar a entrada e saída de alunos ou se debruçar sobre questões administrativas. Cabe a ele papel mais nobre, de articular a formação em serviço a partir das demandas reais dos professores, além de desempenhar o papel-chave de possibilitar um olhar interdisciplinar. “A escola precisa pensar em si mesma e se organizar olhando para o aprendizado. O coordenador pedagógico faz isso e tem o diretor, com perfil mais administrativo, como parceiro”, argumenta Cybele.
Não se trata apenas de fazer acontecer o horário de trabalho coletivo pedagógico ou de estimular os docentes a realizarem cursos fora da escola. Mas de promover a reflexão e o aperfeiçoamento profissional em contexto de trabalho, a partir das demandas reais que os professores de cada unidade têm.
O modelo vai na contramão da formação pontual, liderada por muitas redes de ensino, que é baseada em temas não necessariamente afinados com as necessidades verdadeiras dos professores. “A formação deve partir sempre de um levantamento das demandas da escola para, a partir delas, se pensar em uma solução”, defende Rosaura, do Instituto Abaporu. De acordo com ela, a formação em serviço mais recorrente no país não se volta ao chão da escola, nem identifica quais os principais problemas a serem solucionados. Além de as secretarias não organizarem suas políticas públicas dessa maneira, os gestores, tanto das escolas quanto das redes, sofrem pressão para apresentar resultados. “É ranking, avaliação externa e os muitos ‘tem que’ da educação. Isso produz uma corrida por respostas de curto prazo. E gera pressa por uma formação simplista, que não soluciona o aprendizado dos estudantes”, aponta.

Coordenador pedagógico deve auxiliar professores a melhorar aprendizagem dos alunos

A formação continuada tem se mostrado sempre mais efetiva quando ligada às questões cotidianas de aprendizagem que o professor enfrenta em sala de aula (Crédito: © Gustavo Morita)

Prática para pensar a teoria

Nas situações em que a formação continuada se dá na escola, o modelo tradicional se inverte. Em vez de assistir a uma palestra sobre um teórico ou um tema didático e, em algum momento, relacionar o conteúdo com o que se vive em sala de aula, é o trabalho vivido que se sobrepõe.
Débora Rana, formadora de professores e coordenadores pedagógicos das redes pública e privada, exemplifica: “O coordenador pedagógico foca a prática. Ele orienta o professor a registrar o quê e como ensina aos alunos e o registro vira objeto de discussões e análises. A partir daí, eles se apropriam da teoria para encontrar caminhos para as situações diagnosticadas”. A especialista lembra que a formação em serviço não substitui a inicial. Ela se faz em cima de um trabalho que já está acontecendo. “Não se trata só de sentar e expor o que foi feito. É pegar o planejamento, contrapor com os objetivos previamente traçados, analisar o que foi realizado, pensar como as crianças fizeram o proposto, quais foram as intervenções. É todo um cenário para entender o que foi feito e buscar meios para avançar”, destaca.
A proposta destoa do modelo baseado em cursos curtos ou oficinas pontuais. Débora conta que na rede privada é comum a escola pagar para um ou outro professor participar de um curso sobre um tema específico e depois pedir que ele, ao regressar à escola, divida a experiência com seus colegas. A intenção, nesse caso, é boa, mas ainda é diferente do que se propõe com a formação centrada na escola: uma discussão com base na realidade do ensino que usa a ciência e o conhecimento acadêmico como suporte para um aspecto preciso do trabalho docente. Isso não significa que estudar temas relevantes à área não tenham seu valor. É sempre válido que o professor, cuja ação docente sempre irá de alguma forma se beneficiar da ampliação de seu repertório cultural, estude temas relativos ao seu campo de atuação ou da cultura em geral. Mas, como proposta de formação continuada, o caminho mais eficiente é partir do que acontece em sala para repensar a teoria, realimentando-a, e depois fazer o caminho inverso novamente.
O coordenador pedagógico (vale lembrar, com tempo dedicado à formação) é peça-chave nesse processo. É ele quem tem a possibilidade estratégica de mobilizar os docentes, organizar uma rotina de observação de aulas e encontro com professores, agendar reuniões com o grupo para contribuição coletiva e pesquisar os referenciais e estratégias que podem ajudar todos a avançarem na maneira como ensinam.
Organizar desse jeito a formação em serviço é uma tentativa de atacar alguns problemas recorrentes do campo educacional, como o isolamento do professor. “Há muitas pesquisas mostrando que escolas com melhores resultados apostam no fortalecimento de suas equipes. É necessário que existam espaços de colaboração nos quais todos possam planejar, preparar material e construir a identidade da escola”, aponta Cybele, do Icep. Isso vai na contramão da tradição escolar, na qual os professores dividem pouco o que fazem, raramente tiram dúvidas ou usam outros colegas como referência. Para o bem ou para o mal, o que o professor faz com os alunos fica restrito às quatro paredes da sala de aula.
Outra barreira a ser rompida é a resistência dos próprios docentes, especialmente aqueles dos anos finais do ensino fundamental ou do ensino médio. A Pesquisa sobre a função de coordenação pedagógica nas escolas públicas de ensino médio trouxe à tona o não reconhecimento do papel formativo dos coordenadores pedagógicos por parte dos professores especialistas. Como os coordenadores raramente vêm da mesma área do professor, não se crê que eles possam contribuir para opinar sobre o formato das avaliações ou que tenham conhecimento técnico para julgar os planos de aula. O mesmo estudo defende que o coordenador, de fato, não traz o saber de cada disciplina. Nem seria possível. Mas ele carrega os instrumentos didáticos (técnicas de ensino e métodos para organizar a turma, entre outros saberes) que a formação inicial dos professores especialistas quase sempre não fornece e que são indispensáveis.

Leia mais:

http://www.revistaeducacao.com.br/escolas-particulares-inovam-formacao-em-servico/

Autor

Camila Camilo


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