NOTÍCIA

Edição 246

Prática de mindfulness no ambiente escolar pode trazer benefícios a alunos e professores

Melhora da capacidade de sustentar o foco, redução do estresse e diminuição de comportamento violento são alguns exemplos de efeitos positivos da prática, também conhecida como atenção plena

mindfulness

Crédito: Shutterstock


O uso das práticas de atenção plena (mindfulness) nos ambientes educacionais tem se tornado cada vez mais frequente em todo o mundo. Sabe-se que elas ajudam os estudantes a aprimorar a atenção em classe, a regular melhor suas emoções e a adquirir maior habilidade nas inter-relações sociais. Mas, para entendermos esses efeitos, precisamos saber primeiro o que é atenção plena e como ela atua, gerando tantas consequências desejáveis para estudantes e educadores.
Mindfulness é uma palavra da língua inglesa que não tem um equivalente exato em português. O adjetivo mindful se refere a quem está atento ou consciente de alguma coisa, e mindfulness seria assim o estado de estar atento, de estar consciente. Em termos operacionais, mindfulness tem sido definida como a consciência do momento presente, quando fixamos nele nossa atenção voluntária, suspendendo qualquer julgamento sobre o que aparece em nosso fluxo de consciência e deixando fluir as experiências ao longo do tempo. Ou seja, como o momento presente é fugaz, mantemos a atenção plena na sequência de momentos presentes, da maneira como eles se apresentam à nossa consciência.
As práticas de mindfulness são um tipo de meditação e isso requer algumas considerações. O termo “meditação” designa um grupo de técnicas utilizadas para treinar a atenção, com o intuito de cultivar vários estados mentais positivos. Existem muitos tipos de meditação e, embora usualmente a associemos com o budismo, ela tem sido utilizada ao longo dos séculos por várias tradições espirituais, como o hinduísmo, o taoismo, o
judaísmo e mesmo o cristianismo. A meditação, no entanto, pode ser praticada em um contexto totalmente secular, sem nenhuma conotação religiosa. Pesquisas científicas recentes têm demonstrado que a sua rotina produz modificações na estrutura e no funcionamento do cérebro que podem trazer benefícios para os indivíduos e também para o ambiente social.

Modificações no cérebro

Muita gente acredita que meditar é esforçar-se para deixar a “mente vazia”, totalmente sem pensamentos, o que é praticamente impossível. Na verdade, na meditação procura-se dirigir e manter o foco da atenção consciente em um objeto, que pode ser interno – como pensamentos, emoções e estados corporais – ou externo, como estímulos sonoros ou visuais. Ao mesmo tempo, é importante manter o estado de alerta (não sonolência) e o relaxamento corporal. O objeto da atenção pode ser variado, mas é muito frequente que ele seja a própria respiração. A atenção mantida na respiração traz o fluxo da consciência para o momento presente e dificulta a divagação mental, essa tendência natural que tem a nossa mente de devanear, lembrando-se ou fazendo planejamentos todo o tempo em que não estamos engajados em uma tarefa que exige esforço intelectual. A divagação mental é o principal obstáculo a ser contornado por quem está empenhado em meditar.
Muitos pesquisadores têm se interessado pelo estudo da meditação, principalmente nas duas últimas décadas, e conseguido demonstrar que ela produz modificações fisiológicas que se refletem na psicologia da cognição e no processamento emocional, constituindo um exemplo eloquente das influências recíprocas entre o corpo e a mente. Aqui é importante deixar claro que o que chamamos de mente – como o nosso fluxo de consciência – são processos que decorrem do funcionamento do cérebro. Não pode existir uma mente sem um cérebro em funcionamento; contudo, a atividade mental pode, por sua vez, modificar o próprio cérebro, numa interação bidirecional que só agora começamos a compreender de forma mais adequada.
Técnicas avançadas para a pesquisa em neurociência, como a ressonância magnética funcional, têm mostrado que várias estruturas cerebrais são modificadas pela prática da meditação. O córtex pré-frontal, a região cortical situada na parte mais anterior do cérebro, é uma delas. Outras regiões afetadas são, por exemplo, o cíngulo anterior, a ínsula e a amígdala cerebral. Geralmente, a meditação promove um aumento da espessura cortical, indicando que houve um acréscimo de prolongamentos das células nervosas e nas conexões sinápticas dessas regiões. Ocorrem também alterações nas vias que ligam algumas dessas estruturas a outros centros nervosos. Tudo isso modifica o funcionamento cerebral: algumas funções são facilitadas, enquanto outras são inibidas. Em outras palavras, o cérebro que medita se torna diferente na sua maneira de interagir com os estímulos, sejam eles internos ou ambientais.
A prática de mindfulness envolve treinar a atenção voluntária, portanto é de esperar que ocorra alteração na capacidade atencional da pessoa que medita. E isso é precisamente o que ocorre. O esforço em focar a atenção promove modificações nos circuitos que a sustentam e no córtex do cíngulo anterior, o que aumenta a habilidade de permanecer consciente do momento atual: a capacidade de estar realmente presente, e não perdido em divagações. Muitas pesquisas têm mostrado que a atenção executiva, que nos permite manter a concentração, inibindo estímulos e comportamentos distraidores, torna-se mais eficiente naqueles que meditam. Trata-se de uma forma de aprendizagem que ocorre por meio da neuroplasticidade, a capacidade que o cérebro tem de reorganizar-se constantemente. O efeito benéfico sobre a atenção pode ser observado já com poucos dias de prática meditativa. Como resultado, ocorre também aperfeiçoamento da memória operacional, o que pode levar, por exemplo, à melhora do desempenho escolar.
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Redução do estresse

Outro efeito relevante da prática de mindfulness é uma modificação na reatividade emocional: as pessoas que meditam costumam ser menos tomadas por impulsos emocionais e, quando isso acontece, conseguem retornar à normalidade mais rapidamente. As pesquisas sugerem que isso decorre de um maior controle da região pré-frontal sobre a amígdala cerebral. Essa última estrutura é responsável por detectar situações com significado emocional e desencadear as respostas periféricas que caracterizam nossa resposta a essas situações. A meditação provoca alterações estruturais e funcionais na amígdala, diminuindo sua atividade. Por outro lado, o controle pré-frontal faz com que a regulação consciente tenha uma ação mais efetiva ou, em outras palavras, que os processos racionais intervenham no processamento emocional.
Nesse contexto, é interessante notar que a práti­ca de mindfulness tem um papel considerá­vel na redução do estresse e dos seus efeitos nocivos na saúde e no comportamento. Ao longo do processo evolutivo, nosso cérebro desenvolveu-se de forma a enfrentar situações de perigo, que mobilizam as emoções, iniciando em nosso corpo muitas respostas fisiológicas que o preparam para enfrentá-las. Por exemplo, o coração dispara, a pupila dilata-se, o sangue foge do intestino e da pele, dirigindo-se para os músculos e o cérebro. Essas são respostas desencadeadas por uma parte do sistema nervoso que se dirige aos nossos órgãos internos, que leva o nome de sistema nervoso simpático. Nessas situações, uma porção distinta do sistema nervoso visceral, o sistema parassimpático, é inibida (o parassimpático é utilizado em situações de calmaria, quando estamos, por exemplo, digerindo uma refeição). Uma resposta adicional, característica das situações de perigo, é a secreção de um hormônio da glândula suprarrenal, o cortisol, que tem ações que ajudam a preparar o organismo para enfrentar emergências. Essas respostas são vantajosas quando o indivíduo precisa livrar-se de uma ameaça passageira. Contudo, quando o estresse se torna muito frequente ou constante, as modificações fisiológicas que eram benéficas passam a ser um problema, pois agem promovendo efeitos nocivos. Podem ocorrer, por exemplo, distúrbios cardiocirculatórios, como hipertensão arterial, e psicológicos, como ansiedade e depressão.
A prática de mindfulness, observou-se, promove diminuição da atividade simpática e aumento da parassimpática. Os níveis do cortisol na circulação sanguínea são diminuídos e o sistema imunológico, responsável pela defesa do organismo, é estimulado, pois aumenta a concentração de anticorpos no sangue. Em síntese, a meditação provoca modificações fisiológicas que reduzem o estresse e protegem o organismo contra suas ações nocivas.

“Momento mindfulness” em uma sala de aula em Odenton, Maryland, nos Estados Unidos (Crédito: Amy Davis/ZUMA Press/Corbis/latinstock)

“Momento mindfulness” em uma sala de aula em Odenton, Maryland, nos Estados Unidos (Crédito: Amy Davis/ZUMA Press/Corbis/latinstock)

Diminuição da violência

Outro resultado da prática de mindfulness é um aumento da consciência corporal, a capacidade de perceber as sensações que ocorrem no próprio corpo. Provavelmente, isso decorre de alterações que a meditação provoca na ínsula, uma região cortical que recebe as informações corporais que têm um valor hedônico, ou seja, as sensações que são agradáveis ou desagradáveis. Na ínsula se tornam conscientes sensações dolorosas, mas ela também processa, por exemplo, as informações sensuais, decorrentes da atividade sexual.
A ínsula tem sua espessura aumentada pela atividade de mindfulness e torna-se mais ativa naqueles que meditam. O resultado é um aumento da capacidade de perceber prontamente e com clareza as respostas corporais desencadeadas pelas emoções, o que permite que possamos regulá-las de forma mais adequada.
As emoções são inevitáveis, elas acontecem e são essenciais no nosso cotidiano, mas é importante que saibamos identificá-las oportunamente para poder responder a elas de forma positiva nos diversos contextos sociais. Isso constitui o que chamamos de inteligência emocional.
A ínsula tem também um papel relevante no fenômeno da empatia: a habilidade de perceber as emoções alheias e se identificar com elas. A empatia é importante, por exemplo, porque pode levar à diminuição da agressividade e ter um efeito benéfico na regulação das interações sociais. Portanto, a prática de mindfulness, por suas ações nos circuitos nervosos envolvidos com as emoções, pode melhorar o ambiente social, contribuindo, por exemplo, para a diminuição da violência que se observa em alguns espaços escolares.

Melhora da autoestima

Outra característica decorrente da prática de mindfulness que merece ser referida é a modificação da autopercepção. Os meditadores, ao observarem o seu fluxo de consciência, notam que os conteúdos que passam pela mente – pensamentos, sentimentos e emoções – são transitórios e estão em permanente mudança e que não há necessidade de se sentir enredado por eles. Não há uma identificação automática com os conteúdos da consciência e ocorre um processo de distanciamento do “eu” tradicional. Isso permite uma autorrepresentação mais positiva, melhora da autoestima e maior aceitação de si mesmo, com aumento da sensação de bem-estar. Os pesquisadores acreditam que essas modificações são decorrentes da menor ativação do chamado “circuito cerebral padrão”, responsável pela divagação mental, pois esta é usualmente autorreferente e nos prende a uma autopercepção automática e acrítica.
Em síntese, pode-se dizer que a prática de atenção plena atua nas chamadas funções executivas do cérebro, promovendo um aumento da autorregulação por suas ações no controle da atenção, na regulação emocional e nos processos da autoconsciência. A autorregulação é a capacidade que nos permite atingir nossos objetivos da maneira mais adequada ao longo de toda a vida, e os dados disponíveis mostram que essa habilidade tem alta correlação com vários aspectos positivos como o desempenho escolar, a manutenção da saúde ou a boa escolha profissional e correlação negativa com problemas com o uso de drogas ou transgressões legais.
A capacidade de autorregulação é variável entre as pessoas, mas pode ser aprendida e, portanto, é desejável que se busque aprimorá-la por meio da educação. Na verdade, isso corresponde ao que chamamos de aprendizagem socioemocional: o desenvolvimento de competências como a autogestão, a autoconsciência, a consciência social, as habilidades relacionais e as tomadas de decisão conscientes. Essas competências são estimuladas pela meditação, e essa é uma razão muito convincente para que ela seja introduzida no processo educacional. Existem, em todo o mundo, muitas experiências da prática de mindfulness em ambientes escolares, e vários estudos já constatam os resultados positivos dessa introdução.

Benefícios para professores

No ambiente escolar, é interessante que os professores tenham familiaridade com a técnica de mindfulness para que possam transmiti-la aos alunos. Aliás, existem dados mostrando que professores que meditam conseguem mudanças no comportamento dos alunos mesmo que estes não estejam envolvidos nas práticas de atenção plena. O que acontece é que os professores ganham habilidades interiores como autoconhecimento e alívio do estresse e transmitem aos alunos calma e atenção compassiva, criando uma atmosfera de aceitação, cuidado e encorajamento.
Sabe-se que a atividade profissional dos professores é uma das mais sujeitas a altos níveis de estresse, o que faz com que, frequentemente, eles sejam levados ao esgotamento (burnout). A prática de mindfulness pode ajudá-los na redução desse estresse, na melhoria do equilíbrio emocional e das relações interpessoais, além de contribuir para a sensação de bem-estar. Tudo isso, é claro, conduz ao aprimoramento do ambiente escolar.
Quanto à prática de atenção plena com as crianças, já existem muitas atividades especiais que levam em conta as diferentes faixas etárias. Assim, são contempladas as diferentes fases do desenvolvimento e não se exige, por exemplo, que as mais jovens tenham de permanecer imóveis ou concentrar-se na respiração por longo tempo, o que, naturalmente, é difícil para elas. O importante é fazer com elas aprendam a dirigir sua atenção e a ignorar distrações. Que aprendam a observar o próprio corpo, suas sensações e emoções e sejam capazes de lidar com elas com clareza e objetividade. Devem aprender a ser pacientes e generosas, a saber viver em grupo, em equilíbrio com outras pessoas e com o ambiente.
É comum pedirmos aos estudantes que prestem atenção, mas usualmente não se ensina a eles como fazer isso. Assim como não se ensina a controlar os impulsos, ou a empatia e gentileza para com os outros. A escola já tem uma grande carga com o conteúdo curricular e não sobra muito tempo para observar aspectos importantes, como o emocional ou o social, que são indispensáveis para o verdadeiro crescimento dos alunos. Integrar a atenção plena ao processo educacional pode contribuir para o desenvolvimento desses aspectos, e o que se observa como resultado é um melhor desempenho escolar, menor impulsividade, maior sensação de bem-estar e eficiência nas funções executivas. Contudo, é importante evitar que a prática de meditação seja outra atividade compulsória a que os estudantes são obrigados a se submeter, pois isso, além de contraproducente, seria contrário à própria essência da prática.
Meditar é uma habilidade muito simples, mas que não é tão fácil como parece à primeira vista, pois não acontece de repente: exige disciplina e regularidade. É como aprender a nadar ou a tocar um instrumento musical, o que demanda exercício dedicado e constante. Jon Kabat Zin, iniciador de programas de mindfulness nos Estados Unidos, sustenta que meditação de atenção plena não é uma técnica, mas uma maneira de existir. Uma maneira de ser que em essência busca estar em sintonia com a própria experiência do momento presente, com clareza, aceitação e serenidade. É algo de que necessitamos no mundo conturbado em que vivemos e que merece ser levado às novas gerações.

Leia mais:

http://www.revistaeducacao.com.br/escolas-adotam-mindfulness-e-outras-tecnicas-meditativas-para-desenvolver-habilidades-socioemocionais-dos-alunos/

Autor

Ramon Cosenza, da revista Neuroeducação


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