Mônica Molina falou à Revista Educação sobre mercado do ensino básico. Crédito: Gustavo Morita
Mônica Molina é sócia-diretora da Condere, empresa especializada em estratégia de negócios, fusões e aquisições — termos que recentemente entraram para o vocabulário de diretores de escolas e gestores de educação. Pós-graduada em marketing pela ESPM-SP e graduada em administração de empresas pela USP, Mônica também atua como docente no curso CFO Estrategista, na Educação Executiva do Insper-SP.
Nesta entrevista a
Educação, a consultora traça um panorama das mudanças que rondam o setor de ensino básico, depois do
boom de investimentos que mudou o perfil de faculdades e universidades privadas nos últimos anos. Com otimismo, mesmo diante da crise econômica, ela enxerga um momento favorável para o setor.
No negócio da educação, placas tectônicas se moveram nos últimos anos, principalmente no ensino superior. Dizem que o mercado caminha para educação básica. Como você está enxergando isso?
O que a gente tem visto, no mercado como um todo, é que o Brasil — enquanto consumo, serviços e geração de negócios — entrou no radar dos investidores. Se a gente voltar dez anos, estamos falando de mercado de capitais, de um IPO [
empresas que lançam ações na Bolsa de Valores pela primeira vez] extremamente quente, quando o país entrou na agenda de decisão e as empresas e negócios passaram a ser analisados [
por investidores e bancos] de forma comparável com outros mercados emergentes. Há relatórios, opiniões, recomendações de investimentos.
Existem várias agências independentes especializadas em relatórios, e acabam cobrindo o mercado público. O mercado
private [
privado] acaba ficando muito mais fechado e de difícil acesso — e é isso que permitiu, também nesses últimos dez anos, que as butiques de assessoria em fusões e aquisições ganhassem mercado, porte e presença global.
Antes, uma empresa precisava ser de grande porte para acessar o mercado de capitais. À medida que o mercado passou a ser mais acessível, empresas menores — desde que com boa governança e bom plano de crescimento —conseguiam construir uma tese de investimento atraente. Só que essas empresas de menor porte não têm perfil para um banco de investimento; o custo de atendimento deles não cabe no bolso de uma empresa menor. Foi isso que fez que as butiques ganhassem força — e para que ganhassem competitividade, algumas associações globais acabaram se formando.
Então foi um movimento do mercado financeiro em direção às escolas?
Da mesma forma que se falou muito de investimento em tecnologia, passamos por uma onda de investimento em saúde, em educação de nível superior, e agora está chegando a onda do ensino básico. A parte boa é que as escolas estão extremamente abertas à compreensão de que esse capital vem para o bem ou vem para o mal — e como pode fazer a diferença na vida dessa instituição. Eu tenho sentido os mantenedores e gestores se preparando para a entrada desse capital, seja em termos de
software de gestão, seja em termos de visão de futuro e no que o diferencial pedagógico vai sobreviver a uma integração de sistemas.
É um movimento de sobrevivência ou de oportunidade?
Na verdade, como esse mercado é extremamente fragmentado, eu acho que não é uma questão de “ou vai ou morre”. Eu não usaria a palavra sobrevivência. Eu acho que a parte bem boa que esse setor está vivendo é que você pode ter a escolha. E para que você possa escolher é superimportante que esteja preparado do umbigo pra fora.
Não é só a questão de reputação dessa escola. É como essa escola é gerida, como, em nível de transparência, se relaciona com as famílias, que índice de rematrícula tem, que tipo de critérios usa para escolher seus alunos, como se apresenta no Enem — se cria artifícios para ter um marketing ou se, de fato, tem uma massa de qualidade que permite bons resultados. É um conjunto de elementos que permite que a escola se prepare para acessar esses recursos. E, novamente, eu vejo como escolha.
Normalmente se busca a fusão, ou não, existe um tipo de investidor que diz “eu quero esse produto” porque ele é sofisticado ou específico?
O movimento que a gente vê é em busca de escala. Essa escala pode vir do volume, compram-se [
número de] alunos, ou cresce por diferenciação, mas também em busca de escala, no caso, com DNA. Então você pode escolher, por exemplo, como o Grupo Bahema está fazendo, comprando prioritariamente escolas construtivistas, o que não significa nada contra a qualidade de uma pedagogia ou outra. O que existe hoje é dinheiro para financiar qualquer tese de investimento. Pode ser uma tese de volume ou uma tese de diferencial.
O que valoriza uma escola? É já ter uma tecnologia de ponta, é um valor simbólico que a sociedade enxerga? O que a precifica?
Antes de falar em preço, a gente tem de entender se aquela tese vai ser de crescimento. Estamos falando de algo que vai dobrar, triplicar de tamanho no médio prazo, ou estamos falando de algo absolutamente maduro que está ali só para gerar caixa.
Existem escolas que têm um posicionamento, um modelo de negocio replicável e/ou escalável. Nesse caso, é um tipo de investidor que busca processo, organização, para permitir controle ao longo do processo de crescimento. Isso tem um valor e uma forma de calcular preço. E existe aquele negócio que é um gerador de caixa, que é algo maduro, e pela qualidade e excelência você consegue ter outra forma de avaliar, dentro daquele tamanho.
Existem escolas muito boas, com reputação, com excelência, com 1.500 alunos. E, com esses mesmos alunos, conseguem fazer um resultado interessante para o investidor. E há outras com 3 mil alunos e interesse em fazer 6 mil, 9 mil, mas só vão ganhar dinheiro quando tiverem 15 mil, porque trabalham com o modelo de negócio muito mais voltado para volume do que para margem. São técnicas distintas de
valuation [
avaliação de empresas].
Esse movimento não vai necessariamente fragilizar as pequenas escolas?
Neste momento eu não vejo ameaça nenhuma para o
status quo. O que a gente vê de bom, falando de escolas privadas no Brasil, é que são mais de 35 mil instituições. A gente está falando de um movimento de consolidação de 30 escolas, 40 escolas. Há grupos globais de educação com 50 unidades — e esse é um grupo internacional com 5 mil, 6 mil alunos. Há alguns grupos com 15 mil. Dentro de um universo de ensino privado no Brasil, de educação básica, de 50 milhões de crianças, não existe nenhum risco de alguém quebrar.
Você, como consultora, diria pra alguém abrir uma escola?
Eu abriria uma escola.
Por quê?
Por que do ponto de vista de docência e da carência das famílias, há muita coisa que dá pra fazer melhor. Aí a questão é o real [
a moeda]. Como é que eu disputo aquele real que, em um momento de crise, está fazendo com que tenha até certa evasão de alunos para a rede pública, por pura falta de recursos, por desemprego etc. Então, ao invés de abrir uma escola, eu entraria comprando uma escola. Aí você já tem alguma receita recorrente, algum investimento inicial que não será preciso fazer.
Se eu fosse um investidor, quais seriam os valores para entrar nesse mercado, com uma escola que já exista?
A gente precisa saber se está falando de educação infantil, se é fundamental 1 ou 2. Depende muito. As métricas que a gente usa para fazer
valuation podem ser totalmente operacionais — por exemplo, um preço por aluno —, mas elas também podem ser em cima de múltiplos ou referências (faturamento da escola, lucro líquido). Tudo isso depende do que esse negócio vai ser amanhã. Que isso quer dizer? Qualquer negócio só vale dinheiro pela capacidade que ele tem de gerar dinheiro, de como faz aquele ativo gerar caixa no final das contas.
Aí entra se ele tem espaço físico para fazer o crescimento, se tem espaço mercadológico para aumentar preço. Se ele tem estrutura de preço boa, estrutura física ok, então, como vou fazer para reduzir custo. Se, ao fazer esse investimento, vou conseguir implantar um sistema e reduzir a estrutura administrativa ou melhorar minha capacidade de cobrança, melhorar minha política de bolsa, conseguir algum subsídio de empresas na região. O
valuation está muito amarrado ao que eu vou conseguir fazer com esse ativo amanhã.
É comum esbarrar no valor afetivo, no apego à escola por parte de quem está vendendo?
Tudo que ele [
dono de escola] conseguiu até hoje, o valor que [
a escola] trouxe até hoje — base de alunos, reputação, excelência, qualquer que seja a linha pedagógica dela — vale para o vendedor. O comprador tem o olho sempre no dia seguinte. Aí que entra nosso papel. Quando a gente senta com um
target [
público-alvo] — e tanto faz se estou do lado do vendedor ou do comprador —, a gente conversa muito sobre de onde vai vir o dia seguinte. Se o comprador e o vendedor convergem nessas premissas, o preço é conta de chegada.
Essa lógica de fusão, que marcou as transações no ensino superior, algumas delas malsucedidas, continua majoritária ou o mercado hoje está com uma prateleira maior de opções?
Não importa o investidor — e não só o investidor financeiro, pode ser um grupo educacional —, mas o comprador sempre preserva, às vezes a marca, às vezes, as pessoas, seguramente a questão física, o prédio. No ensino básico não temos visto erros, decisões mal tomadas ou enganos tipo entendi mal o preço ou entendi mal o risco.
Diante da crise econômica, as escolas estão frágeis financeiramente? A taxa de natalidade também está caindo, com menos crianças, futuros clientes, nascendo.
A pirâmide de consumo brasileira vai mudar a nossa realidade de consumo. Mas isso não deveria ser motivo de fragilização. As escolas, assim como todas as indústrias, vão se adaptar a essa nova realidade. Hoje temos casas [
imóveis] de ensino infantil para 100, 90 alunos, estruturas muito mais baratas e que são suficientes para aquela fase da criança.
O que poderia ser motivo de preocupação é o endividamento. As escolas precisaram fazer investimento, seja em tecnologia, seja em gestão. Quando você começa a perder alunos, sua primeira preocupação não é cortar custos, mas como melhorar para poder atrair esse aluno de novo. Você viu uma série de escolas introduzindo aulas extracurriculares, contraperíodo, reagindo [
à evasão] com investimento. Nesse meio-tempo, a taxa de juros, que estava 7% ao ano e pulou parta 14%, consumiu o caixa dessas empresas de uma forma perversa. O fato é que, hoje, existem escolas invendáveis. Mas vai melhorar.
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Autor
Marco Antonio Araújo