NOTÍCIA

Edição 258

O limite de tempo em jogos violentos e a idade devem ser definidos?

Fernando Louzada, doutor em Neurociências e Comportamento, aborda a dúvida que atinge pais e educadores

Publicado em 21/05/2019

por Fernando Louzada

A tragédia ocorrida no dia 14 de março de 2019 na cidade de Suzano reacendeu o debate a respeito da influência dos jogos violentos sobre o comportamento humano. A abordagem científica para esse tema é relativamente recente, tendo o número de artigos publicados crescido de maneira significativa apenas nos últimos 10 anos. Em síntese, boa parte dos estudos mostra que a exposição crônica a jogos violentos está associada a diversos efeitos negativos.

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Entretanto, alguns resultados são controversos e não há consenso entre pesquisadores da área; além disso, é preciso considerar que existem inúmeros outros fatores que podem estar associados a um comportamento violento, relacionados à história individual e ao contexto social. Seria um equívoco atribuir a culpa de uma tragédia dessa natureza única ou primordialmente aos jogos violentos.
Em um dos artigos pioneiros sobre esse tema, publicado em 2000, os psicólogos norte-americanos Craig Anderson e Karen Dill apresentam resultados de dois estudos, um deles realizado no que os autores chamaram de “vida real” e outro realizado em laboratório, ambos com estudantes universitários. No estudo de laboratório, voluntários expostos a um videogame violento apresentaram aumento de pensamentos e comportamentos agressivos. No primeiro estudo, na “vida real”, o uso de jogos violentos foi associado a comportamentos mais agressivos, delinquência e pior desempenho acadêmico. Posteriormente, surgiram novos estudos, em sua maioria rea­lizados nos EUA, confirmando resultados anteriores e mostrando a influência dos jogos violentos na redução da empatia e comportamentos pró-sociais, em adolescentes e adultos. Nos últimos anos, com o aperfeiçoamento de técnicas de registro da atividade cerebral, surgiram evidências da associação entre uso frequente de jogos violentos e alterações do funcionamento de sistemas neurais responsáveis pelo processamento de expressões faciais – essencial para a construção da empatia e de comportamentos sociais saudáveis – e do controle inibitório. Em outras palavras, a prática de jogos violentos pode alterar sistemas cerebrais de processamento afetivo e cognitivo.
No final do ano passado, a importante revista Procee­d­ings of the National Academy of Sciences (PNAS) publicou uma meta-análise na qual foram avaliados 24 estudos sobre o tema, os quais envolveram mais de 17 mil participantes. Na introdução, os autores enfatizam que a maioria dos pesquisadores na área defende que os jogos violentos aumentam o comportamento agressivo, mas há o que os autores chamam de uma minoria barulhenta, que argumenta que os supostos efeitos na vida real são no mínimo exagerados, senão espúrios.
Os critérios para seleção dos 24 estudos incluídos na meta-análise procuraram eliminar estudos que eram apontados como falhos pela minoria barulhenta. Por exemplo, aqueles com medidas questionáveis de agressão ou com pouco rigor estatístico nas análises. Outro argumento da minoria é o viés das publicações científicas, pois as revistas priorizam estudos que mostram resultados positivos – no caso, efeito dos jogos violentos. A análise dos autores do artigo publicado na PNAS, porém, mostrou que os estudos que identificam ausência de efeito dos jogos violentos sobre o comportamento não estão sub-representados na literatura científica.

jogos violentos

Foto: Shutterstock


No artigo, são apresentados detalhes dos 24 estudos analisados, a metodologia utilizada e os principais resultados. A principal conclusão da meta-análise é que os jogos violentos estão associados a maiores níveis de agressão física.
Os autores também discutem uma possível ação moderadora do ambiente cultural sobre o efeito dos jogos violentos. Segundo eles, culturas que promovem responsabilidade social e empatia em relação às vítimas de violência tendem a reduzir os efeitos negativos dos jogos violentos. Por outro lado, culturas que promovem o individualismo exacerbado e valorizam o que chamaram de “mentalidade guerreira” podem levar os indivíduos a se identificar mais com o papel de agressor e reduzir sua simpatia por sua vítima virtual, com consequências para seus valores e comportamentos que extrapolam o ambiente dos jogos.
O comportamento humano é multifacetado, fruto de complexas interações entre predisposições biológicas e influências ambientais. Atribuir a causa de comportamentos violentos a um único fator, como a exposição a jogos violentos, pode atender momentaneamente ao anseio de quem busca por culpados, mas não contribui para a melhor compreensão do fenômeno. Em tragédias como a de Suzano há componentes inexplicáveis, qualquer que seja a perspectiva que utilizemos para compreendê-lo. Isso não significa que devamos ignorar as evidências apresentadas pela ciência. Muito pelo contrário, como pais e educadores, devemos, a partir dos dados disponíveis, discutir e definir limites de tempo e idade para a exposição a esse tipo de jogos. E, como sociedade, devemos oferecer ambientes mais saudáveis para crianças e adolescentes, os quais apresentem alternativas de lazer e aprendizagem que possam ir muito além de telas coloridas com socos, chutes, facadas, tiros e outras ações cujo objetivo é matar e não ser morto.
*Fernando Louzada é doutor em Neurociências e Comportamento pela USP e pós-doutorado pela Harvard Medical School

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Fernando Louzada


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