NOTÍCIA

Edição 258

Autor

Eduardo Marini

Publicado em 22/05/2019

Ex-presidente do Inep aponta as tarefas inadiáveis a serem encaminhadas pelo MEC

Um dos principais quadros do PSDB na área de educação, Maria Helena Guimarães, detalha em entrevista, as urgências do Ministério

Poucos intelectuais prestaram tantos serviços à educação brasileira, nas últimas duas décadas e meia, do que a socióloga e educadora paulista Maria Helena Guimarães de Castro. Mestre em Ciências Políticas, integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do Comitê Científico da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), professora aposentada da Unicamp, atuou também como pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas na mesma universidade. A ação em cargos da administração pública também ocupa parte importante de seu currículo.
Entre outras tarefas, foi secretária de Educação de Campinas (SP) e do Estado de São Paulo, presidente do Inep e secretária executiva do MEC nos mandatos de Fernando Henrique (PSDB) e Michel Temer (PMDB), dentro da cota tucana. Nesta entrevista à Educação, ela analisa os primeiros meses de ação do governo Jair Bolsonaro (PSL) no ministério em que tanto atuou, os quais qualificou de confusos; detalha o que considera urgente e fundamental na agenda educacional do país a partir de agora; e opina sobre temas colocados em pauta pelos gestores, como ensino a distância, homeschooling e escola sem partido. “Para ser sincera, nem desejo mais me alongar ou mesmo falar sobre escola sem partido. Sou contra – e acabou”, resume.

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Como a senhora avalia os três primeiros meses do MEC, sob o comando de Ricardo Vélez Rodríguez, na gestão Jair Bolsonaro?
Foram, de fato, confusos. Em primeiro lugar, houve desarticulação e muitas trocas na equipe, 15 ou 16 pessoas no período, que culminaram com a saída do próprio ministro. Isso gerou falta de continuidade e um desgaste interno que, obviamente, dificultaram as coisas. Além disso, deram, na maior parte desse período, prioridade a temas ideológicos que, a rigor, são pontuais e menores no universo de carências e problemas a resolver na agenda educacional do país. Mas alguns de seus colaboradores, sobretudo na secretaria executiva, iniciaram conversas e participaram de algumas reuniões conosco no Conselho Nacional de Educação, e também com o Conselho Nacional de Secretários de Educação, o Consed, e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, a Undime. Estavam buscando alternativas e caminhos, mas foram atropelados pelas crises internas. Acho importante registrar que havia gente séria e bem intencionada nessa equipe principal, com intenção de criar pontes para o diálogo, mas o fato é que não conseguiram.
O que determinou a confusão?
As disputas entre os grupos que chegaram ao MEC a partir da posse do novo governo. Basicamente, o grupo político-ideológico, de viés conservador; o técnico, com Luiz Tozi e a alguns auxiliares trazidos do Centro Paula Souza para a secretaria executiva, e alguns militares que conseguiram espaço no ministério. O embate interno entre essas forças acabou por dificultar o encaminhamento de pontos mais estratégicos e decisivos da agenda de que o país necessita.
E a influência de Olavo de Carvalho, considerado guru do presidente?
Pois é… Além de tudo o que eu disse, essa influência externa trouxe dificuldades adicionais e contribuiu para deixar o ambiente ainda mais instável. Mas, dito tudo isso, minha expectativa é a de que o MEC, agora, comece, finalmente, a andar. É bom lembrar que, pouco antes da saída do ministro Vélez, houve os importantes anúncios de continuidade do programa pró-Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, e também do repasse de recursos para os estados e municípios terem como desenvolver os trabalhos. Depois desses comunicados, boa parte dos educadores, gestores e líderes institucionais da Educação passou a admitir a possibilidade de que a agenda correta seria recolocada nos trilhos mais cedo do que se pensava. Mas aí houve a troca do ministro e a montagem da nova equipe, o que sempre gera alguma cautela, até mesmo pelo tempo de substituição e retomada dos trabalhos na prática.

ex-presidente do Inep Maria Helena

Governo Bolsonaro tem dado prioridade “a temas ideológicos pontuais e menores no universo de carências e problemas a resolver na agenda educacional” (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A senhora conhece essa equipe do novo ministro, Abraham Weintraub?
Não. Mas, sinceramente, espero e torço para eles acertem e encontrem o caminho o mais rápido possível. Eles já se reuniram com integrantes do Consed, da Undime e também de algumas ONGs ligadas à Educação. Planejam encontros conosco, no CNE, em maio. Querem ser ouvidos, mas parecem também dispostos a ouvir e a trocar ideias. Como eu não os conheço, penso que, com essa demonstração de vontade a princípio, devo criar uma expectativa positiva a partir de agora.
Olhemos para a frente: quais são os pontos principais e urgentes da agenda do MEC e da educação brasileira a partir deste exato momento?
São três. A prioridade número um, total, absoluta, é o encaminhamento, a viabilização legal, estrutural e financeira da renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. A versão atual deste fundo acabará em dezembro de 2020. É preciso criar um grupo de trabalho urgente para isso. O tema está em discussão no Congresso Nacional, os governadores e prefeitos permanecem mobilizados e preocupados. É imperioso que o MEC apresente uma nova proposta para o Fundeb até dezembro de 2018, janeiro de 2019 no máximo. É urgente. É para ontem.
Prioridade dois…
Em segundo lugar, é necessário concluir a implementação da BNCC. Esse trabalho foi iniciado em 2018. Agora, para ser concluída, necessita de estrutura, recursos e, igualmente fundamental, de diá­logo com os estados e municípios. Ela está aprovada, as ações estão aí, e um dos últimos atos do ex-ministro Rossieli Soares foi o empenho de recursos para acompanhar a aplicação da Base em estados e municípios. O MEC conseguiu liberar esse dinheiro dias atrás. Os estados e municípios simplesmente não conseguirão estabelecer a formação de professores e a revisão dos currículos nos padrões da Base sem a ajuda direta do MEC e do governo.
E por fim…
A viabilização da Base Nacional de Formação Docente, que foi o último projeto que o MEC encaminhou ao CNE no ano passado. Isso exigirá a definição da própria política de formação de professores para a nova realidade, com residência pedagógica feita em ambientes escolares e outras ferramentas. Precisamos disso para que tenhamos educadores mais bem preparados, com integração permanente entre teoria e prática. O objetivo é fazer com que os futuros professores saiam da faculdade com conhecimento de rotina escolar e comportamento de aluno em grupo, entre outros pontos que apenas a realidade oferece, sobretudo para uma profissão que, a rigor, é a mãe de todas as outras profissões. E, depois, veja bem: os professores precisarão conhecer bem a BNCC, que é grande, inovadora e multifacetada. Como eles terão condições de trabalhar os fundamentos da Base sem serem preparados para isso? As prioridades são essas.
E o que seria importante gerir em seguida a esses três pontos?
Os eixos principais da agenda a partir de agora são esses – e eles estão consolidados, diria até mesmo consagrados, pela suprema maioria dos especialistas, independentemente de posicionamento político-ideológico. A partir daí, precisaremos trabalhar, logo depois, a reforma do ensino médio, no contexto da BNCC, e definir melhor a estrutura do ensino infantil, algo fundamental para a melhoria do aproveitamento de nossos adolescentes e jovens na escolaridade futura, o que os índices nacionais e internacionais nos mostram ser fundamental.
Qual é a situação da Base Nacional de Formação Docente no CNE?
Estamos discutindo. Essa questão da formação dos professores exige que o MEC encontre, efetivamente, um caminho para um diálogo franco com o CNE e, sobretudo, com os representantes da base de educadores, as pessoas da área, os que realmente entendem profissionalmente e colocam em prática, todo santo dia, esse negócio chamado educação. Essa equipe do MEC é, em sua grande maioria, composta de novatos que não acompanharam a agenda educacional nos últimos anos e décadas. Se realmente houver a disponibilidade ao diálogo e à consideração das avaliações dos que conhecem historicamente a área, estou disposta a colaborar – e estou certa de que muitos outros colegas da área pensam da mesma forma. Os conturbados 90 ou cem dias iniciais do MEC no governo Jair Bolsonaro impediram, precisamente, de se dar algum andamento a esses três pontos-chaves e a alguns outros que vêm logo em seguida. Mas devemos ser otimistas e torcer para dar certo. É o que procuro fazer. Precisamos de ação imediata, mas ainda há tempo.
A senhora foi uma das mais ativas colaboradoras do MEC nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso. Há algum paralelo entre as dificuldades encontradas na transição do MEC sob FHC para o governo Lula e as vistas agora, na passagem de Michel Temer para Jair Bolsonaro?
Estive no governo FHC de 1995 até parte de 2002, como presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep. Depois, assumi a secretaria executiva do MEC. Foi uma transição organizada e civilizada para o professor Cristovam Buarque, o ministro escolhido por Lula para iniciar seu primeiro mandato, em 2003. Mas no Inep, especificamente, houve problemas graves, uma situação confusa no início do governo. O professor que assumiu a presidência do instituto, em janeiro de 2003, tinha como meta simplesmente acabar com todas as avaliações estabelecidas até então. Queria extinguir o Provão, as análises do ensino superior, o Saeb, enfim, todas as avaliações disponíveis. Durou seis meses. Saiu no início de julho de 2003. Era um professor da USP, não me lembro do nome dele (n. da r.: trata-se do físico e professor da USP Otaviano Helene). Os anos de 2003 e 2004 foram de confusão e descontinuidade no Inep. Depois, houve certa correção. Os problemas da transição atual são outros, bem mais ligados às divergências técnicas e ideológicas entre os grupos do que a um pensamento individual.
O governo Bolsonaro demonstra intenção de expandir o ensino a distância. O que a senhora pensa sobre isso?
No caso da formação de professores, não acredito em um processo cem por cento apoiada nesse modelo. O ideal é a formação híbrida, que combine encontros presenciais com desenvolvimentos de projetos e situações a distância. E também, claro, as interações escolares previstas na residência. No caso do ensino regular, na universidade, médio e mesmo fundamental, penso que ele exige disciplina, concentração e comprometimento do aluno em altíssimo grau para dar resultado satisfatório. E são poucas as pessoas que conseguem isso. Tanto que o índice médio de abandono de curso superior no EAD é de 50% – e estamos falando de graduação. O EAD é uma realidade no mundo digital e globalizado, há projetos em todo o mundo. Mas ele exige um tipo de aluno muito comprometido, em situações específicas, e não numa plataforma muito ampla.
E os riscos que ameaçam a realização do Enem este ano? Teremos o exame?
Penso que sim. Imagino ser impossível não realizarem. Há mais de cinco milhões de alunos com inscrição encaminhada. As negociações para a nova gráfica parecem concluídas, e os jovens e sociedade, antes de tudo, desejam o Enem e acreditam nele. Seria um ato de loucura não realizá-lo. É verdade que é caro, mobiliza mais de 900 mil pessoas, inclusive das Forças Armadas. Uma operação de guerra. O que precisamos fazer é buscar uma maneira de modernizá-lo nas próximas edições. Torná-lo prático, menos caro, com mais de uma edição por ano, eventualmente online. Enfim: arrumar formas de otimizar a aplicação e os resultados. Mas acabar com ele, nem pensar.
O que a senhora acha do ensino domiciliar, o homeschooling?
Os países que têm o homeschooling o adotaram depois de resolverem questões estruturais básicas da educação para os tempos atuais. No caso do Brasil, acabamos de enumerá-las nesta conversa. Não é o nosso caso, infelizmente. O país ainda tem 1,7 milhão de crianças e ado­lescentes de 12 a 17 anos fora da escola, um problema importante de atraso de alfabetização e altas taxas de abandono escolar a partir dos 12 anos. Ainda falta muito para universalizarmos o ensino médio. Não li o texto da lei. Soube, por reportagens, que tomaram cuidados importantes. De qualquer forma, penso que países como o Brasil não devem assumir um processo do tipo enquanto não tiverem essas questões básicas equacionadas.
E do projeto Escola Sem Partido?
Sou contra. Manifestei-me várias vezes sobre isso. Fere a liberdade de expressão e de opinião, além de destruir a autonomia do educador em sala de aula. Para ser sincera, nem desejo mais me alongar ou mesmo falar sobre este tema. Sou contra – e acabou.

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