NOTÍCIA
Educadores devem orientar pais e responsáveis a buscar informações sobre o uso de utensílios e brinquedos que contenham substâncias nocivas
Publicado em 29/06/2019
Os efeitos adversos de diversas substâncias tóxicas do ambiente – por exemplo, agrotóxicos, fumaça proveniente do cigarro e ftalatos – sobre a saúde humana, incluindo os prejuízos ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional de crianças, já são bem conhecidos.
Cabe ao poder público, guiado por evidências científicas, regulamentar e fiscalizar o uso dessas substâncias para preservar a saúde da população. Foi o que ocorreu em setembro de 2011, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou resolução proibindo a fabricação e importação de mamadeiras para a alimentação de lactentes que continham bisfenol A em sua composição.
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Esse monômero de plásticos e resinas, além de estar presente em mamadeiras e copos infantis, também é utilizado em alguns garrafões de água mineral, embalagens e utensílios. A proibição foi baseada em evidências da toxicidade do bisfenol A, substância atualmente classificada como um desregulador endócrino.
Centenas de estudos realizados com diferentes espécies animais já demonstraram seus efeitos adversos à saúde. Exames de urina mostram que crianças ou adultos, em áreas urbanas e rurais, da maioria dos países, estão expostas ao bisfenol A. Suas principais ações são estrogênicas e antiandrogênicas; ou seja, alteram o funcionamento de hormônios sexuais, afetando funções associadas à reprodução e ao desenvolvimento. Uma das consequências já demonstradas é a redução da fertilidade masculina.
Estudo publicado recentemente na revista Environmental Research reforça a convicção de que a Anvisa acertou em sua decisão: os efeitos do bisfenol A podem ir além da função reprodutiva, afetando também o desenvolvimento cognitivo.
Mais de 500 gestantes dinamarquesas tiveram sua exposição ao bisfenol A avaliada por meio de exames de urina. Quando as crianças alcançaram dois anos de idade, tiveram sua linguagem avaliada por meio de uma escala que gerou escores. Meninos cujas mães foram mais expostas ao bisfenol A tinham uma probabilidade quase quatro vezes maior de estarem entre os meninos com menores escores quando comparados àqueles cujas mães tiveram menor exposição ao bisfenol A.
Curiosamente, esse efeito não foi observado entre as meninas. Essa não foi a primeira evidência na literatura científica de que a exposição ao bisfenol A pode afetar o desenvolvimento infantil.
Em 2009, pesquisadores norte-americanos mostraram associação entre exposição ao bisfenol A durante a gestação e a ocorrência de comportamentos externalizantes – por exemplo, impulsividade e agressividade – de meninas aos dois anos de idade.
Em 2011, o mesmo grupo de pesquisadores mostrou efeitos da exposição ao bisfenol A sobre a regulação emocional aos três anos de idade, observados novamente apenas em meninas. Em 2017, estudo coreano com desenho semelhante ao realizado na Dinamarca identificou comprometimento da interação social aos quatro anos de idade, principalmente em meninas, de crianças cujas mães haviam sido expostas ao bisfenol A.
Os mecanismos associados aos efeitos da exposição do bisfenol A sobre o desenvolvimento infantil ainda necessitam ser esclarecidos. Sabemos que o desenvolvimento de cérebro durante a gestação é influenciado por diversos fatores. O fato de alguns efeitos terem sido observados apenas em meninos ou meninas pode fornecer pistas para que esses mecanismos sejam desvendados.
A demonstração de que uma substância como o bisfenol A, que modifica a ação de hormônios reprodutivos, pode interferir no desenvolvimento infantil não é surpreendente. Preocupante é que esse efeito seja duradouro, modificando trajetórias de desenvolvimento da criança.
Apesar de o número de estudos que demonstram os efeitos prejudiciais do bisfenol A sobre o desenvolvimento infantil ainda ser limitado, já é suficiente para que tomemos algumas precauções, como buscar informações sobre a presença e evitar o uso de utensílios e brinquedos que contenham bisfenol A. Como educadores, devemos orientar pais e responsáveis para que façam o mesmo.
Vivemos um momento em nosso país no qual setores da gestão pública parecem ignorar as evidências científicas na tomada de decisões que afetam o futuro da população. Por esse motivo, temos que repetir o óbvio: o conhecimento científico é fundamental para a tomada de decisões relacionadas a políticas públicas – como a acertada resolução da Anvisa em relação ao bisfenol A.
*Fernando Louzada é doutor em Neurociências e Comportamento pela USP e pós-doutorado pela Harvard Medical School
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