NOTÍCIA
Pesquisas relacionam a possibilidade da microbiota intestinal interferir no neurodesenvolvimento humano
Publicado em 09/08/2019
Estima-se que um indivíduo adulto possua trilhões de microrganismos – a maioria, bactérias – em seu trato gastrintestinal. Essa microbiota está associada a uma série de processos fundamentais à sobrevivência: prevenção contra microrganismos patogênicos, produção de vitaminas, regulação da resposta inflamatória, entre outros. Estudos recentes têm demonstrado que o desequilíbrio da microbiota intestinal pode causar uma série de doenças, não apenas ligadas ao sistema digestório; ela também pode fazer parte da etiologia de transtornos do neurodesenvolvimento.
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Parte das evidências a favor dessa ideia vem de estudos realizados com animais de laboratório criados em ambiente estéril, chamados de germ-free. Camundongos germ-free apresentam diferenças comportamentais quando comparados àqueles que possuem microbiota. Até o momento, os resultados obtidos com esses animais não são plenamente consistentes e, em alguns casos, foram até contraditórios. De qualquer forma, estudos com animais germ-free mostram que a microbiota gastrintestinal pode alterar a expressão de genes e a transmissão sináptica no sistema nervoso nos primeiros estágios de desenvolvimento, deixando marcas duradouras no comportamento.
Atualmente fala-se na existência de um eixo intestino-cérebro, formado pela comunicação bidirecional entre esses dois órgãos por vias neurais e hormonais. Por exemplo, substâncias produzidas pelos microrganismos podem atuar sobre o nervo vago, alterando a transmissão nervosa. Sabe-se que esse nervo tem um papel importante em modular a atividade cerebral e o comportamento.
Artigo publicado no início de 2019 na importante revista Nature Microbiology reforça a ideia da influência da composição da microbiota na saúde mental. No estudo, a composição da microbiota de mais de 1.000 voluntários foi identificada paralelamente à avaliação da saúde mental e da qualidade de vida. A presença das bactérias Faecalibacterium e Coprococcus foi associada a melhor qualidade de vida. Uma possível explicação para o resultado é que essas bactérias são produtoras de butirato, substância que fortalece a barreira de defesa da parede do intestino e reduz a inflamação intestinal. Os pesquisadores também identificaram uma associação entre a ausência de Coprococcus na microbiota e depressão, confirmando a importância da presença dessa bactéria para a manutenção da saúde mental.
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Muitos pesquisadores têm trabalhado com a possibilidade de que alterações da microbiota poderiam estar associadas à gênese do transtorno do espectro autista (TEA). Essa hipótese tem respaldo em estudos realizados com animais germ-free, os quais apresentam comportamento social alterado, uma das características de pessoas identificadas dentro do espectro autista. As causas do TEA são desconhecidas, sendo que fatores genéticos e ambientais têm sido associados ao transtorno.
Diversos estudos têm identificado sintomas gastrintestinais – como constipação e diarreia – e alterações imunológicas nesses pacientes, como aumento de citocinas, substâncias pró-inflamatórias, no fluido cérebro-espinhal. Estudos comparativos da microbiota que utilizam sequenciamento genético e análise metabólica dos microrganismos têm identificado diferenças entre crianças diagnosticadas com TEA e crianças neurotípicas. Uma das diferenças é uma menor diversidade da microbiota no TEA. Entretanto, não é possível identificar a origem dessa alteração, já que com frequência crianças com TEA possuem alterações na dieta e no comportamento alimentar, o que poderia alterar a microbiota.
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