NOTÍCIA
A aposta das instituições tidas de baixo custo para os padrões médios do país é com a classe média, que vê seu orçamento achatado pela crise econômica
Publicado em 16/08/2019
O Brasil tem 48,5 milhões de alunos na educação básica, atesta o Censo Escolar 2018 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Ao contrário do que ocorre com estudantes do ensino superior, em ampla maioria matriculados em faculdades e universidades privadas, o grosso do básico – 39,5 milhões, ou 81,4% do total – é público. Uma parcela imensa dos pais dessas crianças, adolescentes e jovens, talvez até a maioria, deseja ter condição financeira de transferir o filho para uma instituição privada, em busca de segurança, qualidade de ensino e uma rotina de estudos livre de inconstâncias estruturais, didáticas e pedagógicas. Esse sonho coletivo e histórico de consumo gera um mercado poderoso, nacional, de altíssimo potencial, explorado pelos gigantes e investidores do setor educacional com apetite cada vez mais voraz. A face nova desse mercado, que já começa a criar esgrimas entre os big players do setor, é a das escolas particulares de baixo custo, as chamadas low cost.
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O conceito básico desses projetos é oferecer educação de qualidade com formação tecnológica, inglês de verdade, conteúdo e prática digitais e outros complementos, em espaços bem projetados e mobiliados. Mas tudo isso a preços convidativos se comparados à média praticada no mercado. Na maioria das escolas de baixo custo abertas até agora no país, os preços de matrículas e mensalidades ficam entre R$ 500 e R$ 700. Os ensinos infantil, fundamental e médio brasileiros se dividiram historicamente, sem meio-termo, entre o público quase sempre irregular e o privado quase nunca barato. Por isso, a meta original das empresas e investidores que entraram ou se preparam para mergulhar no mercado low cost é atrair alunos de redes públicas da classe C, turbinada financeiramente a partir do primeiro governo Lula, com alguns respingos na faixa D.
Mas um fenômeno social acabou por fazer com que gente de outras camadas batesse nas portas dessas unidades. Com o desemprego, o subemprego, o desalento e a queda violenta de poder aquisitivo das classes média e média alta a partir de 2014, numa crise que insiste em não querer deixar os brasileiros tão cedo, as escolas pioneiras no modelo baixo custo registraram um desembarque maciço de alunos vindos de escolas particulares mais caras. Um downgrade promovido por pais e famílias com dificuldade para continuar a arcar com as mensalidades puxadas de colégios privados mais tradicionais. Na maioria das escolas low cost, a divisão de origem dos alunos varia atualmente entre o meio a meio e 60% para ex-públicos e 40% para ex-privados.
A primeira, maior e até agora mais estruturada iniciativa no mercado de baixo custo gerou a rede Escola Luminova, do Sistema Educacional Brasileiro (SEB), um dos maiores e mais eficientes do setor educacional no Brasil e no mundo, gestor também dos projetos Escola Concept, Pueri Domus, AZ, Visão e Esfera Internacional, entre outras grifes do setor. De uma única vez, o SEB abriu as primeiras quatro unidades low cost Luminova no Estado de São Paulo em 2019. Três estão na capital, nos bairros de Vila Prudente, Bom Retiro e Barra Funda, e a quarta funciona em Sorocaba, no interior. O objetivo definido pelo SEB no plano estratégico do projeto é distribuir 25 Luminovas pelo país. O custo médio de montagem de uma unidade é de R$ 2,5 milhões.
As matrículas e mensalidades (12 por ano) ficam entre R$ 500 e R$ 540. A esse custo, a Luminosa coloca à disposição do aluno, além do conteúdo programático formal, aulas com tablets e outros recursos eletrônicos, laboratório com tecnologia e metodologia para inovação, material para trabalhar a autonomia e orientação no desenvolvimento de competências profissionais e individuais para o século 21. “A grande maioria dos pais e alunos demonstra satisfação diante de uma escola limpa, segura, com instalações apropriadas e educação de qualidade e acessível. Isso é o que mais nos estimula”, enumera Luciandro Sodré, diretor da Luminova Barra Funda, um dos mais entusiasmados do time que toca o projeto.
A diretora-executiva do SEB, Thamila Zaher, e o diretor do projeto Luminova, o educador Luiz Magalhães, chamam atenção para um detalhe, projetado sobre a realidade histórica de divisão do ensino básico entre a inconstância das escolas públicas e os custos de se educar em instituições privadas. “Se considerarmos as ligações médias entre preço e qualidade feitas historicamente, e projetarmos isso sobre a relação entre preço e qualidade de ensino oferecida pela Luminova, fica evidente que o mercado plenamente nos permitiria taxas maiores”, compara ela. “Mas nossa meta com esse projeto não é pensar no faturamento a qualquer custo. O grupo teria outro caminho fosse esse o caso. É uma iniciativa bonita, com dimensão social”, acrescenta ela.
“Há muito tempo, o SEB buscava criar um ambiente educacional confiável para a evolução dos filhos desses pais batalhadores, numa contribuição social”, completa Magalhães. Os estudantes vindos de redes e escolas públicas representam 60% do total de três mil matriculados nas quatro unidades da Luminova. Os outros 40% são formados pelos ‘filhos’ do downgrade da crise.
A unidade Barra Funda da Luminova reúne vários exemplos dessas realidades. “Uma aluna veio me agradecer profundamente, às lágrimas, no início do ano. Disse que nunca tinha estudado com um livro na escola pública que frequentava desde pequena”, relata a carioca Maria da Conceição Vieira, professora de Matemática do 3º ano fundamental. “Histórias assim reforçam meu prazer de estar ligada a um projeto como esse. Além da relevância social, ele incentiva concretamente o mercado de trabalho para nós, professores, e o restante dos profissionais de educação”, acrescenta ela. Outra ex-aluna de escola pública, Bianca Moraes, dez anos, não esconde a empolgação com as aulas de inglês e educação física no sexto ano fundamental. “Na escola que eu frequentei até 2018, só aprendi em inglês os números até dez. Mas a partir desse ano, com aula todo dia até o final do período fundamental, e depois também no médio, prometo que irei recuperar.”
Outro projeto educacional recente definido como de baixo custo pelos próprios investidores é o da Escola Mais, fruto da parceria da Bahema Educação, acionista da Escola da Vila, em São Paulo, da Ágathos Educacional e da gestora de recursos Mint, com os três idealizadores da marca, entre eles a pedagoga Marina Castellani. O objetivo dos sócios é investir R$ 25 milhões de início para implantar uma rede a partir da primeira unidade da Escola Mais, aberta na Penha, bairro de classe média da Zona Leste de São Paulo, inicialmente com turmas do sexto ano fundamental ao médio. A um custo anual dividido em 12 prestações de R$ 690, a Mais oferece cursos com laboratórios digitais, teoria e prática maker, aulas diárias de inglês e professores com dedicação exclusiva.
Houve uma intenção na escolha da Penha para abrigar a primeira unidade. Apesar de ter um padrão médio de vida, o bairro abriga atualmente as escolas particulares com os piores desempenhos da zona leste paulistana nas últimas edições do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM. As duas próximas escolas da futura rede também serão instaladas na região. A meta dos empreendedores é espalhar 13 unidades pela cidade de São Paulo até 2022.
A Kroton, outro peso pesado do setor educacional, não tem como objetivo estratégico, ao menos por enquanto, investir em um projeto amplo de escolas low cost para os ensinos infantil e fundamental. “À primeira vista, esse pedaço do mercado educacional brasileiro sugere potência. Afinal de contas, quase 40 milhões de alunos em redes e escolas públicas é algo longe de significar pouca coisa em qualquer ponto do mundo. Mas nós ainda não estamos seguros de que esse deslocamento das escolas públicas para as privadas irá se consolidar por um longo período de tempo com dimensão e durabilidade suficientes para justificar os investimentos importantes que alguns grupos estão fazendo”, explica o executivo Mario Ghio, diretor de marcas importantes do grupo.
Mas se o alvo for reduzido ao ensino médio, o modelo low cost poderá seduzir o executivo da Kroton e seu time. Eles administram grifes do setor como Faculdades Anhanguera, Pitágoras e o complexo editorial Somos Educação, que atua como fornecedor de material didático para os 32,1 mil estudantes dos 47 colégios do conglomerado e mais 1,2 milhão de alunos de quatro mil escolas associadas. Mostram força também no ensino superior, com 178 campi universitários espalhados pelo país, num setor em que 87,5% dos alunos estudam em instituições privadas.
Em primeiro lugar, destaca Ghio, é preciso aguardar a consolidação do ensino médio baseada na nova lei para essa fase de ensino, que prevê a flexibilização da grade curricular e uma atuação mais direcionada ao ensino profissional. Em seguida a essa etapa, o grupo Kroton poderá ocupar os espaços de seus campi com ensino médio low cost nos períodos da manhã e tarde, hoje ociosos em grande parte dessas unidades. “A maioria desses campi é operada exclusivamente à noite, com os cursos universitários”, explica o executivo. “Eles têm todo o potencial para se tornarem espaços acima da média no desenvolvimento de cursos técnicos profissionalizantes. Pelo caráter universitário, quase todos eles possuem equipamentos, infraestrutura e laboratórios rico de recursos, tudo com nível bem acima do que é comum achar nos cursos técnicos profissionalizantes do País. Imagine isso a serviço do novo ensino médio como definido na lei legislação aprovada recentemente?”, empolga-se. As esgrimas no amplo e poderoso mercado low cost parece estar apenas no início. Se produzirem melhoria de qualidade na educação e queda de preços, os alunos e as famílias brasileiras ficarão gratos. (EM)
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