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Razão e emoção são indissociáveis: os sistemas cerebrais que as processam estão interligados
Publicado em 22/09/2019
Diariamente fazemos inúmeras escolhas. Algumas – como o sabor de uma bebida que ingerimos ou a cor de uma roupa que vestimos – não têm grande repercussão em nossas vidas. Outras podem ser decisivas para o futuro profissional e a vida pessoal. Vivemos em um mundo complexo, e tomar decisões não é uma tarefa simples.
Antonio Damasio, neurologista português radicado nos EUA, discute de maneira instigante o processo de tomada de decisão no clássico livro O erro de Descartes. A partir do quadro de Phineas Gage, paciente que viveu no século XIX e que alterou profundamente seu comportamento após sofrer uma lesão cerebral, Damasio mergulha nas teorias da emoção. Com base nessas teorias, convence o leitor de que a tomada de decisão jamais depende exclusivamente da razão, mas de uma complexa interação entre razão e emoção, fruto do processamento de vários sistemas cerebrais.
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Sem dúvida, uma decisão que é resultado de uma intensa ativação emocional em geral é impulsiva e pode resultar em consequências indesejáveis. Por outro lado, uma decisão “puramente racional”, que não leva em consideração as representações emocionais associadas a ela, simplesmente não existe. Razão e emoção são indissociáveis; os sistemas cerebrais que as processam estão interligados. A lesão sofrida por Phineas teria provocado uma dissociação entre esses sistemas, resultando numa profunda dificuldade de Phineas em fazer escolhas, mesmo as mais banais. As consequências para sua vida pessoal e profissional foram trágicas.
Hoje conhecemos com mais detalhes os sistemas cerebrais que processam razão e emoção. Sabemos que uma área essencial para o processamento de habilidades associadas ao que chamamos de razão, como a capacidade de tomar decisões e planejar o futuro, é o córtex pré-frontal. Essas habilidades são chamadas de funções executivas e envolvem diferentes dimensões, como o controle inibitório – capacidade de inibir comportamentos indesejados – e a flexibilidade cognitiva – capacidade de modificar a estratégia para solução de um problema.
Comparado às outras áreas cerebrais, o córtex pré-frontal amadurece mais tardiamente, após os 20 anos de idade. Basta refletirmos sobre algumas decisões que tomamos na adolescência para percebermos a importância de um córtex pré-frontal maduro. Com o amadurecimento, a interação entre a área pré-frontal e as áreas de processamento emocional se modifica, mudando a forma como as representações emocionais modulam nossas decisões. As emoções, no entanto, estão sempre lá, participando da nossa tomada de decisões, faculdade que foi perdida por Phineas após a lesão.
O desenvolvimento das funções executivas pode e deve ser estimulado desde os primeiros anos de vida. Brincar de estátua, por exemplo, é uma ótima forma de desenvolver nosso controle inibitório. Recentemente, estudo publicado na revista Science of Learning mostrou que a capacidade de tomar decisões pode ser melhorada por treinos de habilidades que aparentemente não têm relação direta com as funções executivas. Um grupo de pesquisadores de diversas universidades norte-americanas investigou o efeito de intervenções sobre a capacidade de tomada de decisão: treinos para aumento da resistência cardiovascular, treinamento cognitivo e meditação.
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