NOTÍCIA
Como já ocorreu no ensino superior, agora os olhos dos investidores voltam-se para escolas particulares de educação básica
Publicado em 26/07/2021
Enquanto as escolas particulares vêm sofrendo perdas significativas de alunos durante a pandemia, permanecendo fechadas por mais tempo do que na grande maioria dos países, grupos econômicos de capital nacional ou internacional saíram às compras. Crise para alguns, oportunidade para outros: nos últimos meses, a consolidação do setor educacional privado se acelerou com força, e escolas tradicionais passaram para as mãos de investidores, reconfigurando a oferta educacional privada na educação básica brasileira.
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No negócio mais recente, o grupo Vitamina, com capital chileno e nacional, arrematou 12 escolas na Grande São Paulo, todas de educação infantil e com presença forte em seus bairros. Entre elas, ícones do setor como a Escola Alpha, em Alto de Pinheiros, e a Pueri Regnum, no Brooklin. Pouco antes, a inglesa Cognitas, com 85 escolas em diversos países, anunciou a compra da Escola Villare, com 1,2 mil alunos, bastante conhecida entre a classe média e alta de São Caetano do Sul.
Não são negócios que ocorrem de forma isolada. Há três meses, enquanto as escolas se preparavam para a volta parcial às aulas, o grupo Eleva arrematou por quase R$ 1 bilhão as 51 escolas pertencentes ao grupo Cogna (holding da qual fazem parte Vasta, Kroton, Saber, Somos e outras empresas). Assim, o grupo Eleva passa a ter 183 escolas e mais de 120 mil alunos, quando a transação for aprovada pelo Conselho Administrativo de Desenvolvimento Econômico (Cade), órgão de governo responsável por garantir a livre concorrência.
Esse negócio, um dos maiores já realizados no segmento da educação básica no Brasil, mostra que o processo ainda tem muito fôlego para avançar. Novas transações devem surgir nos próximos meses. O Brasil, que já possui companhias entre as maiores do mundo, no ensino superior, caminha para ter empresas de estatura planetária também na educação básica.
Se atemoriza escolas privadas de prestígio e os que se preocupam com um futuro avanço sobre a educação pública, a aceleração dessa tendência soa, sendo assim, cada vez mais atrativa para os empresários, muitas vezes oriundos de outras áreas. Já se contam às dezenas os grupos de investimento que se movimentam para participar do processo. Afinal, na visão do mercado, o modelo de consolidação que se vê agora já ocorreu no ensino superior e em outros segmentos, como hospitais, e apresenta vantagens atrativas na educação básica.
Em primeiro lugar, porque se trata de um mercado poderoso, estimado em até R$ 80 bilhões, caracterizado pelo perfil de longo prazo e pela previsibilidade – enquanto na faculdade um jovem paga mensalidades por até cinco anos, se não se evadir, na escola básica o aluno fica por pelo menos 14 anos, considerando-se apenas o período obrigatório por lei. É um público estável: os pais tendem a manter seus filhos na mesma instituição, da qual só saem em último caso, por insatisfação, quebra de confiança ou dificuldades econômicas intransponíveis.
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Mas há algo que encoraja ainda mais quem tem dinheiro para investir: a fragmentação e a fragilidade econômica atual das instituições privadas de ensino. De um lado, estão pequenos negócios majoritariamente familiares (mais de 70% das escolas não chegam a 500 alunos), às voltas com problemas de sucessão, dívidas, ainda com uma gestão caseira e solapadas pela pandemia; de outro, empresários com dinheiro à vista, experiência em negociação e cada vez mais assertivos em suas propostas.
Assim sendo, essa fórmula vem dando combustível aos negócios, que muitos veem como uma granja inteira de ovos de ouro. Mas nada é simples assim no mundo da educação. À medida que a consolidação avança, com a troca de controle das escolas, começam também a acontecer, por exemplo, as primeiras acomodações do novo mercado, acirrando a concorrência entre os grupos e diferenciando as propostas de atuação. A experiência mostra, principalmente, que os resultados não deverão vir com a mesma rapidez esperada pelos investidores.
O consultor Eugênio Cordaro, de São Paulo, diz receber semanalmente grupos de investidores procurando boas oportunidades. Ele acredita que as consolidações continuarão acontecendo, mas acha que há muitas frustrações a caminho, de ambas as partes. “As escolas ficam decepcionadas. Seus criadores trabalharam por décadas e se surpreendem com o valor das ofertas. Quem topa é porque precisa, ninguém fica feliz em sair do negócio de uma vida”, acredita. Do lado dos investidores, avalia, a hora de ver retorno ainda está distante. “Poucos vêm conseguindo ter o lucro esperado.”
Isso se explica por diversos fatores, entre eles porque gerir um empreendimento de educação básica se revela mais complexo do que pilotar com competência as planilhas de investimento. As famílias escolhem suas escolas por seus próprios critérios, e a troca de controle ainda é vista com reservas – como sugere o alarido dos pais quando são comunicados da venda, sempre quando já estão definidas. Além disso, no pano de fundo desse processo estão as fortes mudanças nas escolas, com o avanço da tecnologia, as reformas pedagógicas e um futuro de incertezas.
Em síntese, parece se reproduzir no mundo dos negócios uma questão que sempre marcou a educação e a relação com as famílias: afinal, qual é o projeto? Quais são os valores em que confiar? Aonde vamos chegar com tudo isso?
Para o CEO da Bahema Educação, Gabriel Ralston Correa Ribeiro, à medida que a consolidação avançar, ficará evidente que as famílias farão a opção pela qualidade de ensino e pela identidade das escolas. Por isso, quem entrar no setor precisará ter uma visão de longo prazo.
“Ainda tem muita gente olhando mais a bilheteria do que o público”, compara. “Nós não somos um McDonalds da educação”, completa Fred Afonso Ferreira, um dos sócios da Bahema.
Para Ribeiro, há um divisor de águas entre os grupos que entram no mercado pensando na rentabilidade e, por isso, podem estar de passagem, e aqueles que pretendem se estabelecer ao longo do tempo e permanecer.
Criada em 2016 para atuar na educação, a Bahema ficou conhecida por incorporar escolas de larga tradição pedagógica, como o Balão Vermelho, em Minas Gerais; a Escola da Vila e a Viva, em São Paulo, e a Escola Parque, no Rio de Janeiro. A premissa é que o olhar empresarial contribui para levar uma gestão mais profissionalizada às escolas. Da mesma forma, a ação em rede contribuiria para fortalecer as instituições, especialmente em momentos de grande transformação, como é o caso dos investimentos em tecnologia.
Aliás, outros grupos também crescem apostando na preservação da identidade das escolas de origem, mantendo sua equipe e procurando garantir autonomia pedagógica. É o caso do Grupo Raiz, que atua no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, criado em 2016 e que vem crescendo a partir de um modelo de parceria com as instituições. “Cuidamos da gestão administrativa e aos educadores cabe a gestão pedagógica”, diz o diretor-geral, André Gusman.
A opção feita pelo Raiz foi oferecer uma base administrativa para que as escolas pudessem se fortalecer. Seu trabalho no campo do suporte de gestão envolve várias frentes, mas um em especial: o processo de matrícula e toda a comunicação envolvida.
Atendendo 10 mil alunos, do grupo Raiz Educação fazem parte Colégio QI, Cubo, Leonardo da Vinci no RS, entre outros. Para Gusman, o que faz uma escola é a relação entre os professores e os alunos.
“Um colégio é feito de gente: se trocamos as pessoas, a escola não é mais a mesma”, considera.
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Na crescente segmentação, há quem aposte todas as fichas na inovação, como o grupo Lumiar, do empresário Ricardo Semler. Com cinco escolas no Brasil e uma na Inglaterra, a Lumiar quer difundir um modelo diferenciado, por meio de franquias e projetos piloto, segundo o CEO Raphael Ozawa. A partir de uma plataforma educacional própria, propõe uma reorganização do modelo escolar, com propostas inovadoras no agrupamento dos alunos, na avaliação e nos demais processos típicos das escolas. Hoje, o grupo tem nove projetos piloto em andamento e pretende ter oito franquias até 2022.
Ainda que não necessariamente em modelos disruptivos, todas as escolas estão diante dos desafios trazidos pela inovação. A experiência da pandemia trouxe a convicção de que o digital fará parte da vida das escolas, com as possibilidades do ensino híbrido. Ao mesmo tempo, torna-se mais evidente o papel da escola em formar competências, em especial as chamadas competências sociais.
O conjunto das transformações em curso também afetará a forma como a oferta educacional vai se reconfigurar nos curto e médio prazos. Se grandes escolas com projetos próprios continuarão a existir e darão conta dos desafios, ao mesmo tempo, a expectativa é que boa parte das instituições de ensino acabe por se render aos serviços dos novos players do setor.
O CEO do Grupo Eleva, Bruno Elias, acrescenta uma dimensão nesse debate. Para ele, o caminho necessariamente passa pela personalização que o uso da tecnologia já permite e que se ampliará, especialmente gerando dados que permitam personalizar a educação ao máximo. Por isso, ao mesmo tempo que o Eleva se expande e cria novos recursos de aprendizagem, suas equipes pesquisam os avanços existentes em diversas partes do mundo.
Para Elias, que começou como professor de física, ainda falta uma visão de longo prazo para os projetos de educação que se estabelecem no Brasil hoje, seja no mundo público, seja no privado. “É preciso pensar na educação como um todo, se quisermos fundar de fato um país de futuro”, resume. Daí, segundo diz, a preocupação do Eleva com a escala de seus projetos, e o foco em processos e em pessoas. “Estamos aqui para o longo prazo”, diz. Sem esconder a sua ambição, o Eleva quer se tornar um dos maiores grupos do mundo.
É por exemplos assim que o mundo da educação privada vem encorajando os investidores. Até porque é preciso lembrar que esse mercado envolve não apenas compra de escolas, mas a produção de materiais pedagógicos, como sistemas de ensino, soluções digitais e todas as formações complementares para as quais as escolas precisam de apoio. Haja vista a recente onda de projetos para itinerários formativos, exigência trazida pela reforma do ensino médio e pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Para um experiente executivo do setor, Mario Ghio, CEO da Vasta e diretor-presidente da Somos Educação, ainda não se chegou à primeira metade do potencial do mercado que se abriu. A Somos vem apostando no desenvolvimento de soluções que vão de sistemas de ensino a plataformas digitais, bem como diversas soluções para o ensino de matemática, redação, competências socioemocionais, entre outros produtos e serviços.
Antes da crise, Ghio projetava que o mercado dobraria até o ano de 2030. Apenas crescendo dentro das escolas que já fazem parte da clientela, diz Ghio, é possível crescer muito, na oferta, então, de um ecossistema completo de soluções. “Agora, a pandemia fez todas as tendências se acelerarem”, acredita. “A rede privada já enfrenta a transformação digital e nosso papel é ajudar as escolas a passarem por isso”, diz.
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