NOTÍCIA
Neste mundo tão visceralmente mudado, cabe à educação transformar pessoas, para que possam encarar os desafios da emergência. A escola está buscando seu novo papel, enquanto só nos resta de fato abraçar a incerteza, porque não há plano perfeito
Publicado em 04/10/2021
A vida tem sido desconcertante para além da educação. Tudo muda muito rápido de lugar, o que estava aqui há pouco, some de repente. O acrônimo VUCA (volátil, incerto, complexo, ambíguo), criado nos anos 90, num contexto pós-Guerra Fria para definir os difíceis tempos atuais, cedeu lugar a outra expressão inglesa, BANI (frágil, ansioso, não linear e incompreensível), de autoria do antropólogo norte-americano Jamais Cascio, em 2020, já num cenário de pandemia. Como se comportar num mundo cuja lógica dura tão pouco tempo?
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A professora Regina Campilongo, que atua na Casa Educação em treinamentos corporativos, diz que isso ocorre, sobretudo, no mundo das empresas. “A principal habilidade que tenho experimentado em minha trajetória junto a grandes líderes e organizações é a conexão interpessoal, ou seja, a comunicação que conecta e gera colaboração. A habilidade-base para a construção da cultura do nós, caminho para um mundo ágil.”
Ela lembra que o Fórum Econômico Mundial menciona que as duas principiais competências em ascensão são: o pensamento inovativo e analítico, o qual consiste na capacidade de desenvolver uma linha de raciocínio que permita solucionar situações decompondo um problema em partes mais simples; e a segunda é a aprendizagem ativa. Campilongo finaliza lembrando a frase de J. J. Sutherland em seu livro SCRUM, guia prático (ed. Sextante): “O trabalho de um líder é garantir que os relacionamentos sejam saudáveis. Que a comunidade esteja forte. Que exista um terreno fértil para solução de problemas, criatividade e inovação. Este é o antídoto para o medo: a conexão”.
Com todas essas transformações na vida e nos negócios, a insegurança domina jovens e adultos, empresários e profissionais liberais, professores e alunos. É por isso que Elubian Sanchez, coordenadora dos programas de pós-graduação da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), de São Paulo, diz que “ter estratégia emocional é muito importante diante dos problemas da vida e do trabalho. Saber agir frente a determinados gatilhos evita problemas dentro das organizações. A falta de inteligência emocional reflete o alto índice de ansiedade, depressão e outras doenças, que acabam por afastar o funcionário do trabalho, ou pior, sua demissão”.
Em 2021 se comemoram os 100 anos do educador Paulo Freire, que escreveu: “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua construção”. O pesquisador Sérgio Haddad, especialista em Paulo Freire, lembra que ele “é uma das principais vozes da pedagogia crítica, e que proclamava valores éticos, estéticos e políticos que tinham por base uma profunda crença na capacidade do ser humano de se educar e amar, para poder participar da construção de um mundo melhor, mais justo e respeitador da natureza”.
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A impaciência cresce e a insatisfação parece atingir de forma mais evidente os locais de trabalho. Gurus, estudiosos e universidades procuram encontrar maneiras de o mundo corporativo continuar a produzir com as pessoas satisfeitas. Incentivou-se apropriar da tradição cultural sueca do fika: para dar uma volta e tomar um café com um colega, como parte da rotina, que parece ter efeitos positivos. Comprovou-se que as pessoas ficam menos intolerantes com os e-mails e refrescam a cabeça à medida que se encerra a jornada de trabalho. O proveito de caminhadas pode ser estendido às reuniões, por exemplo, que poderiam ser conversas em movimento. O pensamento criativo de pessoas analisadas pela cientista inglesa Marily Oprezzo melhorou 81% por conta de caminhadas.
Como resistir a tantos solavancos, como diminuição de emprego, transformação nas empresas e agora, não tão agora assim, a pandemia? Margaret Heffernan, que já foi CEO de cinco companhias nos Estados Unidos, insiste que é preciso abraçar a incerteza para desenvolver resiliência. “Não podemos esperar pelo plano perfeito.” A principal lição que ela nos lembra é que a vida é incerta e que se ficarmos esperando, diante da incerteza, chegaremos tarde demais. Outra sugestão é incentivar os funcionários a passar um tempo socializando entre si durante a jornada de trabalho, o que os torna mais propensos a cooperar ao longo da semana.
Nesse cenário descrito, o desafio para as escolas é grande. Como colocar em prática tantas medidas? Como preparar os professores? A escola vai acabar? Débora Vaz, que iniciou na sala de aula aos 17 anos, como assistente, responde falando sobre o estudioso Jan Masschelein, que diz que numa época à qual muitos condenam a escola como desajeitada frente à realidade moderna, outros até mesmo parecem querer abandoná-la. Também enfatiza que as alegações contra a escola são motivadas por um antigo medo e até mesmo ódio, porque a escola oferece “tempo livre” e transforma o conhecimento e as habilidades em bens comuns, para mudar de forma imprevisível o mundo. Hoje, diretora pedagógica do Colégio Santa Cruz, de São Paulo, Débora Vaz sabe que a escola precisa responder com mudanças, e que todos que trabalham na educação têm que estar engajados.
Segundo ainda Masschelein, reinventar a escola se resume a encontrar formas concretas no mundo de hoje para fornecer esse “tempo livre” e para reunir os jovens em torno de uma “coisa” comum, isto é, algo que aparece no mundo que seja disponibilizado para uma nova geração e, portanto, tem o potencial para dar a todos, independentemente de antecedentes, talento natural ou aptidão, o tempo e o espaço para sair de seu ambiente conhecido, para se superar e renovar e, portanto, mudar de forma imprevisível o mundo.
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Uma das críticas à educação, mais precisamente à escola, diz respeito à alienação do que se passa no mundo do trabalho. Então, tanto na educação básica quanto na superior, uma das buscas das instituições é integrar seu aluno o mais rápido nesse mercado. Porém, o professor Fernando Almeida, da PUC-SP, se contrapõe a isso.
“A lógica é a seguinte: como os alunos precisam de trabalho, a escola deve prepará-lo para o mercado. No entanto, a escola não é instrumentadora do comércio, nem da indústria, nem de serviço de qualquer natureza. Ela é instituída para criar gerações que pensem, se comuniquem, se instruam para escrever, ler, criticar, propor, desenvolver o pensamento científico e tecnológico e serem motivadas e instrumentadas para sempre saberem estudar”, diz Fernando Almeida.
Num trabalho desenvolvido entre Almeida e Maria da Graça Moreira da Silva, eles asseveram: “os seus conteúdos não são aqueles eleitos pelas indústrias ou empresas produtoras, mas os dos conhecimentos produzidos pela humanidade nas artes, nas ciências, na literatura, nas matemáticas, nas histórias, nas filosofias, na cultura em geral. O domínio do saber escolar é o seu espaço de apresentar, analisar, criticar, dominar linguagens dos instrumentos epistemológicos do mundo material, social e cultural. O conhecimento escolar parte de uma constatação: não há conhecimento sem o conhecimento do mundo. Não se trata de um conhecimento abstrato do mundo, mas do mundo real tal qual ele se apresenta na história brasileira e mundial”, finalizam.
Um dos maiores sociólogos do mundo, Edgar Morin, acredita que somos obrigados a encarar as incertezas, mas que podemos abraçar a certeza dos fatos que acompanhamos diariamente, como o despertar da solidariedade e a oportunidade de reforçar a consciência das verdades humanas que fazem a qualidade de vida: amor, amizade, comunhão e solidariedade. “O papel da educação é de ajudar os alunos a enfrentar problemas da vida. Isso de uma forma geral, mas sobretudo num mundo em crise.”