NOTÍCIA
Cláudia Costin, da FGV, Marcos Lisboa, do Insper, e Renato Janine Ribeiro, ex-MEC, refletem sobre esses dois setores visando a diminuição da desigualdade
Publicado em 11/10/2021
Um dos grandes problemas do processo educacional brasileiro, segundo o presidente do Insper, Marcos Lisboa, é a fragmentação do conhecimento. “Ele é fragmentado em caixinhas isoladas em que cada professor ensina um tópico e cabe ao estudante juntar aqueles bloquinhos todos e, eventualmente, descobrir como usar aquilo para tratar dos temas da vida profissional. A vida não é um exercício, não é um problema com solução única”, diz.
Para ele, isso se reflete também na discussão e formulação de políticas públicas que pouco priorizam a ciência, os dados e as evidências. “A gente faz política pública de gabinete. Na política pública subordinada às pessoas, o primeiro passo é entender o problema das pessoas com as pessoas. Se eu quero entender o problema da educação, o primeiro passo é: vamos fazer um diagnóstico grande, cuidadoso, quantitativo sobre como as pessoas percebem e sentem educação, qual é o aprendizado delas. Mas, para isso, eu preciso conhecer as técnicas e experiências dos outros países com profundidade. E, a partir disso, buscar a melhor forma de tratar o problema, que deve ser avaliada pelas pessoas impactadas pela política pública. É o estado a serviço do cidadão.”
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Em um período marcado por desafios não somente na educação e no trabalho, mas na saúde e em outras áreas, tornou-se necessário fazer uma reflexão sobre o Brasil que se pretende construir em um futuro próximo. Afinal, como criar uma sociedade mais justa e menos desigual até lá?
Para o ex-ministro da Educação e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, o aumento da expectativa de vida proporcionado pelos avanços na medicina e na tecnologia, somado a mudanças no mundo do trabalho, abre um espaço maior para as significações da vida.
“É uma vida que não vai ser mais tão consumida pela profissão, pelo trabalho, mas é uma vida que terá uma importância na busca das significações. Creio que isso se encontra desde o momento em que você consegue significar suas experiências até o momento em que você inventa novas significações”, destaca Ribeiro.
A capacidade de se reinventar e estar preparado para um mundo do trabalho cada vez mais volátil é fundamental nesse sentido. A diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas, Cláudia Costin, destaca que, com o avanço da automação e da própria inteligência artificial, milhões de postos de trabalhos estarão extintos até 2030 – de acordo com pesquisadores da Universidade de Oxford e do Instituto McKinsey -, mas serão substituídos por outros.
“Esses novos empregos demandarão competências de um nível muito mais sofisticado do que a educação brasileira consegue entregar hoje: a capacidade de resolução colaborativa de problemas com criatividade, de desenvolver pensamento crítico, sistêmico, e de fazer análises mais aprofundadas”, afirma.
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Segundo Renato Janine Ribeiro, a educação que se desenha visando um mundo mais competitivo deve ser pautada não apenas por elementos de competição, mas também de cooperação.
“No país que para muitos é visto como paraíso da competição, os Estados Unidos, há uma tendência muito forte a se organizar, a fazer trabalho em conjunto. Tanto que quando há um problema e as pessoas decidem resolver, a expressão é ‘let’s get organized’, ou seja, ‘vamos nos organizar’”, destaca Janine.
O ex-ministro ressalta ainda que a educação é a ferramenta-chave para alterar determinadas significações da vida que, muitas vezes, são colocadas de forma automática, como o racismo estrutural. “Nós vivemos, no Brasil, numa sociedade do afeto autoritário. Temos que democratizar o afeto, e a educação é a porta por excelência para fazer isso, desde a educação infantil. A creche é o lugar em que o respeito ao outro, a igualdade, certos valores éticos básicos têm que entrar de forma mais lúdica possível – e isso inclui também a questão do racismo.”
Cláudia Costin finaliza frisando que o país ainda tem muita “lição de casa” a fazer sobre seu futuro – e ela vai além da formulação de boas políticas públicas e da oferta de uma educação mais adequada aos cidadãos. “Há algo fundamental a ser feito que lida com a dimensão ética. Nesse processo que aconteceu, de desconstruir algumas coisas fundamentais que nos definem como gente, é pensar como vamos voltar a construir um Brasil que olha para a questão das políticas públicas, mas olha também para como nos colocar na direção correta do ponto de vista ético e civilizatório.”
Em resumo, tanto Costin quanto Ribeiro e Lisboa refletiram sobre esses temas, com ênfase nos setores da educação e do trabalho, a convite da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira e do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social, ambos ligados à USP Ribeirão Preto. Em parceria com a Fundação Roberto Marinho e o Instituto Unibanco, eles promovem mensalmente o Simpósio Construindo o Brasil do Amanhã, que discute o futuro do país sob uma perspectiva holística e capaz de levar à construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.
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