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Quando se pensa em uma educação integral e voltada para as necessidades do ser humano do século 21, a criatividade já não pode mais ficar de fora – e de fato vem ganhando força nas escolas, principalmente por ser uma das competências socioemocionais presentes na […]
Publicado em 09/03/2022
Quando se pensa em uma educação integral e voltada para as necessidades do ser humano do século 21, a criatividade já não pode mais ficar de fora – e de fato vem ganhando força nas escolas, principalmente por ser uma das competências socioemocionais presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Inclusive, este ano será a primeira vez que o pensamento criativo entra no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado a cada três anos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
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Entre as pouco mais de 90 páginas da Matriz de referência para pensamento criativo no Pisa 2021, destaca-se que todo indivíduo, em menor ou maior grau, tem o potencial de pensar criativamente. “Existe um consenso geral entre psicólogos e educadores de que o pensamento criativo, entendido como envolvimento nos processos de pensamento associados ao trabalho criativo, pode melhorar uma série de outras habilidades individuais, incluindo capacidades metacognitivas, competências inter e intrapessoais e de resolução de problemas, bem como promover o desenvolvimento da identidade, o bom desempenho acadêmico, o sucesso futuro na carreira e o engajamento social”, apresenta a matriz.
É fato que o resultado do Pisa, assim como de avaliações brasileiras como Saeb e Ideb, acaba interferindo nas políticas públicas. O diferencial é que a partir da inclusão dessa competência na avaliação tende a intensificar a defesa da “melhoria da qualidade e igualdade de aprendizagem também sob o viés da criatividade”, acredita Dulce Regina Vieira, diretora editorial do Sistema Piaget.
Para Carolina Lopes, diretora adjunta de soluções suplementares da FTD Educação, se a escola quiser avaliar a criatividade dos alunos, o objetivo deve ser formativo para orientar ações e não de classificar e/ou excluir.
Eny Muniz vai na mesma linha de Carolina ao defender que para as escolas aderirem à avaliação da criatividade, a rigidez deve ser deixada de lado. “Não podemos pensar neste instrumento como um simulado porque a ideia de avaliação já recai, comumente, em ‘nota’. E não é isso que diferentes instrumentos de avaliação desejam medir. O mais importante em processos avaliativos é a coleta, análise, interpretação, reflexão e ação sobre os dados”, orienta a diretora acadêmica da Santillana Educação.
Para a eficácia dessa avaliação mais holística, é preciso investir na formação inicial e continuada dos professores, destaca Renata Sanches. “Eles precisam estar preparados e, principalmente, dispostos a trabalhar a parte cognitiva e socioemocional dos estudantes com cada vez mais intencionalidade.” Destaca a gerente de serviços educacionais da Editora do Brasil.
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Questionado se o fato de lidarem com uma segunda língua por si só já tende a desenvolver a criatividade nos alunos, Marcelo Dalpino, head acadêmico da Cultura Inglesa, diz: “entendemos que o processo de ensino e aprendizagem de uma língua traz embutido o ensino e aprendizagem da cultura de um povo. E, ao aprender sobre outras culturas e outros povos, ampliamos nossos horizontes, abrindo possibilidades para novas formas de enxergar o mundo. E isso está na base de toda criatividade: a inclusão de múltiplas formas e vozes e toda sua diversidade. Ser criativo é ser aberto ao diverso. É por isso que hoje se fala em diversidade para falar em inovação e geração de novas ideias. O contato com o diverso amplia nosso olhar e nossa capacidade criativa”.
Segundo Silvia Fiorese, o falante bilíngue ou plurilíngue desenvolve uma visão de mundo mais ampliada, pois tem a perspectiva de distintos cenários de comparação, contraste, análise e experiências. “Ao conhecer novas realidades e desbravar novos conteúdos, o aluno enriquece o seu repertório sociolinguístico, desenvolve sua competência comunicativa em qualquer idioma de sua escolha, tendo, assim, mais oportunidades que estimulem a sua criatividade”, diz a diretora acadêmica do Cel.Lep.
Estudiosos como Colin Baker, que se dedicaram a entender a correlação sobre o desenvolvimento da criatividade no contexto do bilinguismo, são citados por Regina Madureira, gerente de publishing e qualidade da International School. “Esses estudos trazem a conexão da aquisição de uma língua e o desenvolvimento da criatividade de maneira efetiva e constante. No caso da International School, a criatividade precisa permear todas as atividades propostas para uma formação holística do estudante, considerando o protagonismo e engajamento no processo.”
Um fator importante no desenvolvimento da criatividade dos estudantes é não limitar ou engessar as possibilidades de soluções que podem ser trazidas pelas crianças ao colocar respostas fixas no material do professor, exemplifica Catarina Pontes, gerente de inovação do CNA. “Em um contexto de ensino que se torna cada vez mais dinâmico e globalizado, e com menos fronteiras físicas, trazer o mundo real para a sala de aula visa a viabilizar mais alternativas que fujam do que é tipicamente esperado, contribui para a fluidez da criatividade de nossos alunos e auxilia o desenvolvimento do pensamento crítico.”
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Estudar, conhecer novas abordagens e estratégias em sala de aula são práticas necessárias para apoiar no desenvolvimento da criatividade do aluno. Eny Muniz, da Santillana, por exemplo, sabe que o maior estímulo que os estudantes possuem é o professor. “Material didático não fala, quem dá voz e vez aos materiais e recursos é o professor. Uma boa dica é estudar sobre as metodologias ativas e seus impactos no processo de ensino e aprendizagem. Uma outra dica importante é ler as guias de planejamento dos recursos; nelas estão informações importantes para a própria formação profissional.”
Eny ainda deixa algumas provocações: “qual a função social do educador diante deste contexto? Quem é você, educador, nesta gigante aldeia global do conhecimento, como se reconhece?”
Muito além do plano de aula, Carolina Lopes, da FTD, lembra que o estímulo à criatividade perpassa também pela criação de um espaço livre de julgamentos, onde esse aluno protagonista possa exercitar a curiosidade, arriscar e fazer perguntas sem medo. Carolina também aponta alguns caminhos dos materiais da editora: “buscamos trabalhar textos – verbais e verbo-visuais – que estimulem a criatividade e também o pensamento crítico. Outros vieses importantes são: oferecer aos alunos um repertório variado, diverso, de textos oriundos de diferentes esferas e contextos e proporcionar situações de aprendizagem que mobilizem diferentes competências e habilidades. A criatividade perpassa por essa construção de repertório cultural”.
Renata Sanches, da Editora do Brasil, aconselha que a competência da criatividade não deve ser tratada como um conceito abstrato, e sim como uma maneira de transformar a própria realidade e o ambiente da sua comunidade.
Nos materiais do Sistema Piaget, segundo Dulce Regina Vieira, há espaço de diálogo em grupos e em pares para que o processo criativo ganhe força a fim de gerar novas ideias ou expandir as existentes, frutos dessa interação. “Ao lado da comunicação, da expressão dos pensamentos, está a expressão dos sentimentos e emoções, igualmente fundamentais no desenvolvimento da criatividade…No entanto, é importante que cada educador compreenda a importância do seu papel criativo no processo de ensino e aprendizagem”, esclarece Dulce.
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“A criatividade é esse elo entre o desenvolvimento da cognição, dos afetos e do ser social”, traduz Silvia Fiorese do Cel.Lep. Sobre abordagem em sala de aula para a criatividade, ela defende dar voz aos educandos. “Criar espaços e oportunidades para a ludicidade, imaginação, humor e fantasia. Favorecer as brincadeiras, os jogos pedagógicos nos quais os alunos possam interagir, pensar fora da caixa e trabalhar a cooperação. Permitir que os alunos sejam agentes nas diversas trilhas de aprendizagem e construção de saberes, na mesma dimensão que o papel do professor facilitador vai se acentuando. Fomentar o pensamento crítico e científico por meio da pesquisa, da elaboração e confirmação de hipóteses. Essencialmente, construir um ambiente acolhedor, respeitoso e democrático. Em suma, praticar a pedagogia da autonomia.”
A International School tem uma área para pesquisa e análise de dados do produto, assim, acompanha os desdobramentos na aplicação do material para garantir que a produção considere toda a experiência do usuário. “Temos diversos meios para estimular a criatividade do aluno em sala de aula. Fazer perguntas instigantes que tragam reflexão sobre o assunto proposto, sem necessariamente dar respostas diretas, por exemplo. Em uma atividade podem-se acrescentar graus de dificuldade diferenciados, dando certos desdobramentos para a atividade. Para os estudantes menores, que já são mais criativos de maneira natural, estimular a criatividade com parâmetros mais amplos nas atividades também é uma forma de se proporcionar esse desenvolvimento. Os estudantes dos anos finais podem ter a criatividade estimulada por meio de desafios propostos considerando o engajamento e os temas de mais interesse. Para os educadores estimularem a criatividade no processo de ensino, basta que os estudantes sejam inseridos no processo de ensino-aprendizagem como protagonistas. Isso realmente faz uma diferença tangível”, detalha Regina Madureira.
As competências socioemocionais estão se mostrando cada vez mais necessárias, inclusive no mercado de trabalho – conhecimento técnico é importante, mas não basta. “Saber como interagir com pessoas em diferentes contextos e para diferentes propósitos, além de saber identificar e lidar com os próprios sentimentos, são competências fundamentais para o desempenho das mais diversas atividades em situações sociais, acadêmicas e profissionais, cujo impacto é e será analisado e avaliado tanto no presente momento escolar, quanto no futuro na universidade e no mundo corporativo”, afirma Catarina Pontes, do CNA.
A premissa pedagógica da Cultura Inglesa é que o desenvolvimento holístico dos alunos leva e motiva à criação e à inventividade por meio de projetos de artes, de ciências e, sobretudo, da cultura do ‘aprender a aprender’. “É o caso das vivências temáticas, que engajam os alunos com temas contemporâneos e relevantes para cada fase escolar, tendo a língua inglesa como meio de instrução. Com elas, os estudantes conhecem as hipóteses teóricas e colocam a mão na massa para criar seus próprios vídeos, podcasts, sketches teatrais ou até mesmo projetos com base na metodologia design thinking”, explica Marcelo Dalpino.
Marcelo compartilha que aprendeu recentemente com a pesquisadora Simona Petruska (Cambridge Assessment), durante o 10º Colloquium da Faculdade Cultura Inglesa, realizado em parceria com a Cultura Inglesa, que é preciso experimentar o momento, deixar de lado o ‘hiperfoco’ ao conteúdo e valorizar o desenvolvimento interpessoal entre docentes e discentes. “Dessa forma, o professor deve acompanhar os estudantes, fazer perguntas e ensiná-los a formular suas próprias perguntas sobre o mundo. Para que haja espaço para a criatividade e a criação, os professores devem cada vez mais ceder espaço para a agência do aluno. Afinal, como já dizia o linguista Benveniste: ‘é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito’. E esta é a ‘boniteza’ de ensinar e aprender línguas com nossos alunos.”