NOTÍCIA
Por José Pacheco: A minha “carreira” foi subitamente interrompida quando o país precisava de “carne para canhão”. Eram três as frentes da guerra colonial. E, sabendo o regime que o vosso avô era “contra a ditadura”, fez de um jovem estrábico um atirador de infantaria. Sempre […]
Publicado em 28/06/2022
Por José Pacheco: A minha “carreira” foi subitamente interrompida quando o país precisava de “carne para canhão”. Eram três as frentes da guerra colonial. E, sabendo o regime que o vosso avô era “contra a ditadura”, fez de um jovem estrábico um atirador de infantaria.
Sempre que me perguntavam por que trocara a engenharia pela educação, eu respondia:
“Quando decidimos ser professor, fazemo-lo por uma de duas razões: ou por amor, ou por vingança. Fui para a educação por vingança. Nela fiquei por amor”.
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Fracassou a intenção de me fazer morrer em terras africanas. E quem se “vingou” fui eu. Militar pacifista, no “25 de abril” de 74, vesti farda de combate, para ajudar a fazer a “Revolução dos Cravos”, extinguir o fascismo, recuperar a democracia.
Educador consciente de que ninguém adormecera “fascista”, no dia 24 de abril, nem acordara “democrata”, no dia 25, me lancei na senda de uma educação libertária. Pois, como diria o amigo Marcos, “os “dias D” não passam mesmo de uma efemeridade, de um analgésico para entorpecer a responsabilidade nossa de todos os dias”.
A ditadura durara 48 anos. O “25 de abril da Educação” demorou 48 anos a chegar, o tempo em que vigorou uma espécie de “ditadura da burocracia”.
O 25 de abril de 2022 me encontrou em Braga. Na mesma cidade onde, no “28 de maio” de 1970, o dia comemorativo da implantação da ditadura de Salazar, eu estivera.
Era um jovem impulsivo. Intervim no evento, criticando o regime. E experimentei as consequências desse irresponsável ato. Nada que se comparasse ao sofrimento daqueles que pagaram com a vida a ousadia de defender ideais democráticos.
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48 anos depois, os presos políticos do tempo da ditadura lutavam pela preservação de uma memória coletiva. Nos jornais, alertavam para o branqueamento do fascismo e recordavam a dura ditadura: Maria e José, presos políticos durante o Estado Novo, pagaram com o corpo por lutarem pela liberdade, contra a censura, contra a guerra colonial, pelos direitos dos jovens e das mulheres. Por ser visto como um líder nas ruas, José foi muito torturado.
“Acreditem, foi realmente muito duro. Eu já devia estar praticamente a morrer quando eles desistiram. Portanto, viram que eu não falava” – conta, incapaz de conter as lágrimas. Foi interrogado durante 21 dias e só dormiu uma noite. Foram mais de 500 horas de tortura, que deixaram marcas no corpo e na memória.
Nos idos de 20, quando assisti à ascensão ao poder de alguém que venerava torturadores e à ascensão da extrema-direita na França, deparei com uma mensagem de WhatsApp, que dizia assim:
“Madame Le Pen pode ganhar na próxima. Tem projetos nacionais, embora todos horrorosos. Mas já tem 41,2% dos votos. Em Portugal, a extrema-direita passou de um para 12 deputados na Assembleia da República”.
Comentei o “post”:
“Na França, em Portugal, como nos EUA ou na Rússia, basta ficar atento ao que se fez (e se continua a fazer) da educação familiar, social e escolar, para encontrar uma primeira explicação para esse fenômeno.
Com paliativos pedagógicos mantemos um instrucionismo que agoniza, desde há mais de um século. Nem sequer criamos práticas fundamentadas no paradigma da aprendizagem (são escassas as iniciativas, são particulares e, quase todas, caricaturais). Urge conceber uma Nova Construção Social de Educação, síntese dos dois paradigmas e acrescentada de contribuições do paradigma da comunicação. Se o não fizermos, novas ucrânias surgirão. Os extremismos se consolidarão, a barbárie se instalará”.
Como dissera a Mónica, “quando o Homem para de se questionar, a humanidade para de evoluir”.
* José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) e é membro da EcoHabitare.