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Formação Docente

Conceição Evaristo: minha primeira professora negra foi só no doutorado

A ponte para o futuro vem do passado: uma educação crítica e antirracista foi tema de um painel da 1ª edição do Festival – LED Luz na Educação*, que contou com a participação da escritora Conceição Evaristo, do rapper Emicida e da antropóloga e professora […]

Publicado em 08/07/2022

por Laura Rachid

A ponte para o futuro vem do passado: uma educação crítica e antirracista foi tema de um painel da 1ª edição do Festival – LED Luz na Educação*, que contou com a participação da escritora Conceição Evaristo, do rapper Emicida e da antropóloga e professora Angela Figueiredo. A mediação ficou por conta da jornalista Aline Midley.

Conceição Evaristo
Mesa de Abertura Festival Led
Foto: Oxidany/Globo

Conceição provocou a importância da educação para a população de baixa renda: “até que ponto a escola se transforma em arma de libertação para as classes populares?”

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Leia: Educação e inclusão durante e pós-pandemia

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Emicida sabe que ter acesso à informação de si, do outro e do mundo é fundamental para a construção de referências e, com isso, de crescimento e liberdade. “Educação faz a gente construir um caminho. Comigo foi assim. Minha parada foram os discos. Os discos foram a minha biblioteca. Gostava dos discos de vinil porque tinham ficha técnica, história das coisas e fotografia. Disco virava um certo livro de história. Foi assim que fui levado a acreditar que estava conectando comigo mesmo e foi o que me vez dar asa e me colocar onde estou agora.”

Ângela e Conceição destacaram que a entrada dos negros e negras na escola é vista como ascensão social e preparo para o mercado de trabalho. Só que deve ir além da dimensão formal. “Acredito que a educação é um projeto que tem que ser amplo e não se reduzir aos muros da escola. A vejo como possibilidade de sonhar e encontrar inspiração. Como diz Paulo Freire: educação que não é libertadora pode oprimir. Mas educação também pode emancipar”, ressaltou a antropóloga.

Um fato da vida de Conceição Evaristo resume bem o racismo e as desigualdades de oportunidades. “Não tive experiência de professoras negras na rede pública. Só no doutorado tive minha primeira professora negra.”

Sendo a escola pública um direito e não dádiva, Conceição defende a participação e interferência da sociedade civil na escola – percepção que ganhou força nos últimos anos, fruto, possivelmente, dos movimentos social, negro e indígena, que clamam por transformação.

“Escola só se transforma na mediada que as classes populares e famílias entenderem que somos um forte agente educativo. Hoje, talvez, o salto que a escola pública tem procurado dar é na possibilidade de interação com as famílias, sociedade. Educação não se faz sozinha”, orientou a escritora premiada.

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Leia: Bullying e dislexia: como abraçar a inclusão na escola

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Escola acolhedora e inclusiva

Num período de pandemia, com vidas perdidas escancaradas, sem contar o aumento da pobreza, de pessoas passando fome e, consequentemente, de crianças, jovens e adultos necessitando cuidar de sua saúde mental – ainda que nem todos tenham o “privilégio” de cuidar de si –, se faz urgente uma escola acolhedora e inclusiva, que olhe para o aluno, família e comunidade. Não é só o conteúdo que importa.

Só que esse acolhimento sempre se fez necessário, uma vez que escola são pessoas, como gosta de frisar o educador José Pacheco. Um exemplo que reforça que esse olhar sempre vai precisar existir é a experiência do Emicida em seus primeiros anos de ensino fundamental. “Perdi meu pai no mesmo ano que entrei na 1ª série. Mexeu comigo, me fez criança introspectiva. Primeira vez que saía do seio da minha família, indo para uma instituição e me sentindo sozinho. O que dificultou me relacionar com a escola.” Para completar, sofria racismo entre os colegas, como ataques pela cor de sua pele e cabelo. “Naquele ano era a única criança negra. Isso em escola da periferia. Com isso, não senti o prazer que os estudos podiam me proporcionar.”

Empregada doméstica, a mãe do rapper trocou de escola na 2ª série para ficar mais perto de seu trabalho. O bairro era economicamente mais favorecido e a perseguição piorou. Na 4ª série, ele decidiu que pararia de estudar. Sem a mãe saber, fugia da escola. Com o tempo, as educadoras notaram essas saídas e certo dia três inspetoras saíram correndo atrás dele na rua. “Me escondi em um tubo de esgoto, estilo Tartaruga Ninja. Saí em outra rua pelo tubo. Achei muito louco andar de baixo da cidade.”

Mas Emicida também contou de uma experiência acolhedora que recebeu de sua professora Rita de Cássia: “ela se ligou que não gostava da aula de história e sim história em quadrinhos. Ela pegou um tempo da vida dela e fez uma história em quadrinhos. Dedicou tempo para uma criança”.

Ângela Figueiredo defendeu que a escola precisa ser mais inclusiva e afirmou que estudava por obrigação. O contexto da época de educação básica dela para hoje é diferente, mas ainda assim, deve-se pensar em estratégias para segurar os jovens e evitar evasão, tão prejudicial para o indivíduo e também para o país. Vale lembrar que pesquisa divulgada em 2020 e feita pela Fundação Roberto Marinho com o Insper aponta que a perda com evasão escolar é de R$ 214 bilhões por ano para o Brasil.

“Precisamos perder o medo. Estamos todos inseguros, sequelados. Mas também somos sequelados da manutenção de uma estrutura escolar que criticamos, só que não conseguimos transformar”, criticou a professora.

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Leia: Escolas de elite querem desnaturalizar o racismo

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Destaque para o professor

Sobre as linguagens e maneiras de implantar uma educação antirracista, Conceição Evaristo assegura que há didática e material pedagógico ricos, desde livros, filmes e música. “Já vi professor trabalhando com letra de rap e fazendo diálogo com Carlos Drummond de Andrade, por exemplo. Tem material vivo para o professor usar e que ele já usa com competência.”

“A primeira pessoa que tem que estar convencida a aplicar uma educação antirracista é o professor, isso a partir da prática e emoção e não só teoria. No Brasil, o que temos de brancos que entendem de pauta racial; só teoria não resolve. Se a pessoa não estiver convencida, não só pelo seu intelecto, mas desejo de justiça, não vai adiantar nada. Pode preparar professor, curso de doutorado e pós-doutorado que não vai resolver…Falamos do novo humanismo, mas para mim, uma das profissões que a pessoa tem que estar convicta na relação com o outro é a de professor”, completou Evaristo.

As ações afirmativas, como a lei de cotas, que este ano completa 10 anos, foram defendidas no final do painel, principalmente pela necessidade de a sociedade entender que essa lei não beneficia apenas a um grupo, mas a todos. Angela pontuou que ela não serve apenas para inserção de estudantes negros na universidade, mas está diretamente ligada a estratégias para enfrentar a desigualdade social. “Políticas precisam ser apoiadas com recurso, manutenção das bolsas permanentes, investimento nas escolas, bibliotecas. E ir além dos muros da escola; Como construir a consciência da sociedade de forma mais ampla?”

*A 1ª edição do Festival – LED Luz na Educação, é um evento gratuito, no Museu do Amanhã e no Museu de Arte do Rio (MAR), no Rio de Janeiro. O festival, promovido pela a Globo, FRM e a plataforma Educação 360, da Editora Globo, conta com 24 horas de conteúdo, 50 mesas de conversas, mais de 100 palestrantes, além de 11 oficinas, experiências imersivas, visitas guiadas, pocket shows e muita troca de conhecimento. Acontece hoje, 8, e amanhã, 9.

A repórter viajou ao Rio de Janeiro a convite da Globo.

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Autor

Laura Rachid


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