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Braz Rodrigues e a transformação de Heliópolis em um bairro educador

Embora não exista uma chave para a esperança ou mesmo um botão, que quando pressionado dá acesso à ela, o diretor aposentado Braz Rodrigues pode conhecer um caminho para alcançá-la. De caminhos ele entende: há mais de uma década, o pedagogo percorre uma longa jornada […]

Publicado em 22/07/2022

por Gustavo Lima

Embora não exista uma chave para a esperança ou mesmo um botão, que quando pressionado dá acesso à ela, o diretor aposentado Braz Rodrigues pode conhecer um caminho para alcançá-la. De caminhos ele entende: há mais de uma década, o pedagogo percorre uma longa jornada para transformar Heliópolis, SP, em um bairro educador.

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Professor durante 19 anos em instituições públicas, municipais, estaduais e particulares, o educador recebeu incentivo da esposa para cursar pedagogia. À época, via a ideia como ‘absurda’, pois “quem fazia pedagogia queria sair da sala de aula para ser diretor, coordenador pedagógico ou educacional. Eu vibrava na sala de aula e, para mim, a vida era estar dentro dela”, conta. A rotina no setor mudou em 1995, após a decisão de prestar um concurso que o levou até a Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Campos Salles, localizada na maior favela do estado de São Paulo, Heliópolis, e onde permaneceu por 22 anos como diretor.

Braz relata que o início conturbado na escola, quando presenciava brigas diárias de estudantes, lhe fez questionar a saída da sala de aula. “Quando ficamos no impasse, temos que ver se dentro da gente há algo que nos ajuda a enfrentar os problemas. Eu entendi que haviam duas ideias muito fortes em mim, conquistadas com outros professores e no trabalho com os pais: tudo passa pela educação e a escola deve ser um centro de liderança e referência na comunidade em que está inserida”, explica.

“Diante de todos os problemas, eu comecei a procurar parceiros em todos os segmentos da escola (alunos, professores, o pessoal que trabalha fora da sala de aula, os pais e lideranças comunitárias). Muita gente foi abraçando e foi-se formando um grupo cada vez maior”, diz. A formação do grupo possibilitou, em 2005, a votação do projeto A implantação de uma metodologia com base nos princípios da Escola da Ponte. Após a aprovação, somaram-se às ideias outros três princípios: autonomia, responsabilidade e solidariedade. “Esses são os princípios que possibilitaram o surgimento de um sistema ético, que hoje é vivido por milhares de pessoas, dentro da escola e, principalmente, fora dela”, afirma.

Mas afinal, qual a relação que o profissional faz entre o sentimento de esperança e o papel de diretor? Em entrevista exclusiva à Plataforma Educação, Braz responde a essa e outras perguntas sobre sua atuação no bairro periférico. Confira.

O que mudou em sua atuação após a aposentadoria?

Depois que eu saí da escola, fiquei mais livre para participar, inclusive, das atividades da comunidade. Hoje eu sou vice-presidente da UNAS (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região), a principal associação de moradores que tem lá. Participamos de reuniões e trabalhamos juntos para tornar Heliópolis um bairro educador. Estamos buscando a justiça. Então, na realidade, meu trabalho é mais tranquilo porque não tenho a questão do horário, mas eu continuo com o mesmo ideal e com a mesma luta de quando eu era diretor da escola. 

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O que é um bairro educador?

No bairro educador tenta-se articular todos os setores, todas as secretarias e há uma consciência comunitária que exige que o poder público faça aquilo que ele tem que fazer. As pessoas passam a ter uma demanda e a demanda principal é o atendimento aos direitos humanos. Os alunos não aprendem apenas na escola, mas aprendem na associação dos moradores, nas igrejas. Todo mundo tem que passar pela educação, ela é a chave de tudo. 

No bairro educador temos que desenvolver a ideia de que a gente aprende em todo lugar, com todos e para sempre. Porque isso é muito bonito, esse ‘para sempre’. É a educação que ajuda a vida a se desenvolver, deslanchar. A educação leva as pessoas a ter esperança, a não se submeter a nenhuma situação e dizer ‘é assim mesmo’. No bairro educador, as pessoas começam a ter uma outra visão sobre educação e começam a enxergá-la como prioridade. 

Se unem via educação para buscar os atendimentos aos direitos humanos. Todo mundo tem direito de comer, viver e morar razoavelmente. Todos têm direito à saúde, à paz. Tem que chegar a um ponto de viver em comunidade conscientemente. As pessoas teriam a noção e a certeza de que o outro existe. Aquilo que o outro precisa para viver, eu também preciso.

Heliópolis já pode ser considerado um bairro educador?

Ele caminha para ser. Percebemos milhares de pessoas já envolvidas, sabendo que o caminho é a educação. Mas ainda acontecem muitas situações desagradáveis. Por exemplo, o poder público recolhe lixo três vezes por semana. Ainda se encontra muito lixo nas ruas, em frente às escolas. Enquanto houver lixo na rua infernizando a vida do outro, Heliópolis não é um bairro educador.

Nós vamos sempre lutar e um bairro educador vai estar sempre na frente. O bairro educador é mais como uma utopia que permite esse caminhar para ele. Mas você nunca chega e fala ‘agora já é’. 

Quando eu era diretor, no começo do ano haviam os dias de planejamento e um dia escolhido para visitarmos a comunidade. Uma vez estávamos em barracos que ficavam situados em cima do esgoto. Uma menina viu sua professora e saiu animada do barraco, catou sua mão e a puxou. Fui atrás e parei na porta, onde era possível ver a água que passava embaixo do assoalho de madeira. Eu observava que, enquanto elas conversavam e, entusiasmada, a menina lhe contava alguma coisa, saiam lágrimas dos olhos da professora. Quando chegamos na escola, para uma roda em que os educadores falavam o que mais os marcou, essa educadora falou: “eu dou aula aqui há 19 anos e nunca imaginei que uma aluna minha morasse naquelas condições”.

Esse é o acesso ao aluno real e concreto. É o aluno que mora no barraco, que passa necessidade, é o aluno que tem o seu conhecimento e os seus valores. Para eliminá-los, se for preciso, tem que ser feito com muito respeito. Quando todas as escolas receberem o aluno com a sua vida do jeito que ela é, mesmo que para modificá-lo, ela já tem uma característica do bairro educador. Enquanto não se tiver, estaremos caminhando para isso.

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Qual o papel de diretor escolar e quais são as suas prioridades?

O principal papel do diretor escolar é de articulador. É trazer as pessoas juntas. O diretor tem que manter a esperança do grupo. Mas tem momentos em que o diretor não pode manter nem mesmo a esperança dele. Ele tem que ser capaz de fazer com que um ou outro aluno, professor, pai ou liderança traga esperança para ele naquele momento em que a perdeu. Em outras palavras: apesar da principal tarefa do diretor ser manter a esperança do grupo, ninguém é líder a todo momento.

A liderança migra. Tem momento em que, na escola, o líder é o diretor, tem momento em que é o professor e tem momento em que é o aluno. A liderança é situacional. Então o líder de um grupo é aquele que mantém a esperança do grupo e nem sempre é o diretor.

O aluno tem algum papel na transformação do bairro educador? Se sim, qual é esse papel?

O aluno é a base. Para todas as ideias que nasceram na Escola Campos Salles, os primeiros que eu consultava eram os alunos. E depois passava nas salas de aula falando a respeito.

Quais os maiores desafios na transformação de um bairro educador?

O maior desafio entre todos é a política partidária, políticos dividindo as pessoas da comunidade. A gente percebe muitas associações que fazem acordo político pensando apenas em interesses próprios e isso dificulta a construção do bairro educador. É horrível quando as pessoas fazem o uso da política partidária para um interesse particular. Em um bairro educador, a comunidade deve ter demandas comuns e, apesar das suas divisões, na luta conjunta por essas demandas comuns a gente tem que estar. 

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O que te inspira e o que te motiva a continuar nesse caminho?

O primeiro curso que fiz foi de filosofia. E eu tinha um professor que começou a levar textos do Paulo Freire, da Pedagogia do Oprimido, quando nem havia saído do livro ainda. Ali eu comecei a me interessar por educação. A educação é transformadora, ela é viva. Hoje o que me aluna é saber que é possível transformar a sociedade pela educação. É possível, por meio da educação, uma transformação social que leva em conta o ser humano. O que me dá mais força hoje é saber que a gente aprende sempre e que a gente não pode entregar os pontos e não se pode ficar imerso em nenhuma situação. Aquilo que é bom passa, aquilo que é ruim também. Então, vamos pensar sempre no povo. Esse contato com gente é uma coisa que me agrada muito.



Evento gratuito

Braz Rodrigues participará do painel Professor escolar transformador: criatividade para superar desafios, no Grande Encontro da Educação, evento híbrido e gratuito. Ele dividirá mesa com Andrea Andreucci, diretora-geral do Colégio Oswald de Andrade e Filomena Siqueira e Silva, doutora em administração pública e governo. A participação deles será dia 16 de agosto.

Promovido pela Plataforma Educação e Plataforma Ensino Superior, o evento será híbrido nos dias 16 e 17 de agosto e somente online nos dias 18 e 19.

Onde: Inteli (Instituto de Tecnologia e Liderança), localizado no campus Cidade Universitária da USP. 
Inscrições gratuitas: https://grandeencontrodaeducacao.com.br/.

bairro educador


Escute nosso episódio de podcast:

Autor

Gustavo Lima


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