NOTÍCIA
O economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco Ricardo Henriques é uma das pessoas mais aclamadas quando o assunto é política pública educacional. Consciente dos problemas estruturais que dificultam a garantia do desenvolvimento pleno e integral das crianças e jovens brasileiros, em entrevista ele defende […]
Publicado em 17/10/2022
O economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco Ricardo Henriques é uma das pessoas mais aclamadas quando o assunto é política pública educacional. Consciente dos problemas estruturais que dificultam a garantia do desenvolvimento pleno e integral das crianças e jovens brasileiros, em entrevista ele defende estratégias que tratem desigualmente os desiguais.
Nesta entrevista, destaca a importância e os efeitos de bons diretores e diretoras escolares. Para isso, diz: “temos que ter estratégias de uma escola nacional ou escolas estaduais de formação de gestores adequadas [às competências que todos os líderes escolares devem ter]”. Escola em tempo integral também foi pauta da conversa. Confira.
(A conversa também está em nosso podcast. Caso queira escutar, clique aqui).
Em todas as experiências exitosas do mundo temos não só uma carreira de direção com parâmetros e critérios de acesso à responsabilidade de ser um diretor ou ser um coordenador pedagógico, como também de permanência nessa função.
A existência de um contingente ainda alto de indicações políticas para a função de diretor de escolas expressa um cotidiano de relação da sociedade brasileira com a educação ainda muito frágil. Expressa que a sociedade brasileira ainda não explicitou a educação como prioridade, em particular, não explicitou a ideia de que a educação com qualidade para todos é vital para poder fazer a transformação da sociedade brasileira.
É claro que há estados com iniciativas coerentes em regimes de colaboração se alinhando a seus municípios, que têm a responsabilidade explícita de cuidar de todos os habitantes daquele estado e, portanto, é possível produzir um campo de concertação com os municípios sensível a qualquer criança, qualquer adolescente ou qualquer jovem que é estudante, independentemente se há provisão da rede municipal ou estadual, e aumenta a probabilidade de que as indicações dos diretores de escolas se deem por critérios técnicos e democráticos.
Precisamos ter diretores competentes e compromissados, por isso as duas coisas são importantes, a técnica e a democracia. O que define a liderança é ter competência de gestão, competência pedagógica, capacidade de engajamento e de mobilização dos atores. Esses quatro atributos são essenciais para que uma diretora ou diretor de escola tenha êxito.
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Acho que o caminho da regulação é positivo. Temos a Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar, aprovada recentemente. Mas há que ter estratégias de uma escola nacional ou escolas estaduais de formação de gestores adequadas a isso. É preciso ter essa formação nos eixos que falei anteriormente. Tem que ter capacidade de formação para esses profissionais de educação, para os professores virarem diretores. E deveria ser feita simultaneamente uma revisão estrutural da formação inicial em licenciaturas e em pedagogias, incorporando os desenvolvimentos dessas competências na formação inicial. O que precisaria é um marco regulatório que estipulasse os parâmetros de seleção, que proporcionasse formação continuada nas escolas, formação inicial sobre o marco da Base Nacional. Associado a isso, seria importante ter uma política decentralizada, mas com normativas nacionais de carreiras tanto para professores como coordenadores pedagógicos e diretores e que tenham um marco regulatório referencial também.
Não basta fazer formação continuada. Tem que revisitar a formação inicial. Um bom pedagogo, um bom licenciando, tem que ter competência nessa área porque no futuro pode ser que ele venha a exercer funções de direção de escola e não genéricas.
A expansão da escola em tempo integral é fundamental para a estratégia do país. Precisamos ter uma expansão das matrículas em escolas no tempo integral, pode ser de sete horas, de oito horas ou nove horas. O caso mais consolidado de avaliação é de Pernambuco, que tem tanto uma oferta de sete horas como de nove horas e vemos vetores positivos em ambas as experiências. Agora, não é suficiente a ideia de colocar em marcha uma estratégia de expansão do ensino em tempo integral. Ele deve vir desde o fundamental 1, fundamental 2 e ensino médio.
Os marcos históricos de desigualdades que temos e as configurações específicas da nossa realidade socioeconômica geram pressão sobre estudantes. Em particular jovens que estão no final do ciclo pós-adolescência para saírem de uma escola que seria em tempo integral. Precisamos de uma expansão sólida, intensa da escola em tempo integral combinada com oferta por territórios de escolas de tempo parcial, incluindo uma regra de transição que a sociedade deveria construir, uma década, duas décadas, talvez o número mágico seja 15 anos, dado que o ciclo educacional é de 12 anos. E com essa janela de 15 anos criar as condições em que todos os estudantes pudessem estar em tempo integral.
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É preciso políticas que reconheçam o desafio social, nossas desigualdades, nosso racismo estrutural e sejam capazes de fazer, explicitamente, por cada território, para cada arranjo local, políticas de financiamento no mínimo da permanência dos estudantes. Mas permanência qualificada, em que o equivalente ao Bolsa Família pode ser um elemento.
Portanto, enquanto não há renda universal, é fundamental que as rendas tenham condicionalidade para a saúde e para a educação – porque isso aumenta a probabilidade de permanência na escola. Mas o Bolsa Família é um elemento importante, só que insuficiente.
É preciso também ter apoios segmentados em função das condições de vulnerabilidade objetiva de cada família e de cada estudante para que os jovens sigam na escola. Talvez tenha que ter um valor maior no ensino médio, mas há várias arquiteturas, uma já é testada: é ter uma bolsa mensal para os jovens no ensino médio e um valor ao final da conclusão, que é um valor extra além da bolsa de permanência como sinal de incentivo para não só ficar na escola, mas estudar e concluir o ciclo. Mas isso são políticas de permanência análogas à política de assistência educacional que se deve ter no ensino universitário quando você faz política de cotas.
Quando pensamos a oferta das redes públicas de ensino do infantil ao médio é fundamental termos explicitamente estratégias de ações afirmativas. Estratégias que tratam desigualmente os desiguais. Não basta a oferta ser universal porque ao longo do ciclo educacional a gente vai perdendo os alunos. De cada 100 alunos que entram no ensino fundamental 1, só 66 concluem o ensino médio. Já o recorte por gênero e raça, de cada 100 meninos negros que entram na escola, só 53 terminam o ensino médio, portanto, é quase metade; 47 em cada 100 não concluem.
Com incentivo financeiro que é complementar a uma estratégia educacional, porque ele explicita esse imperativo numa sociedade tão desigual como a nossa. O país precisa gerar igualdade de oportunidades ao longo do ciclo educacional como um todo e não somente na largada. Em vários momentos, as pessoas confundem isso achando assim: se na creche, na pré-escola ou no primeiro ano do fundamental alinho igualdade com oportunidades, estaria criando um jogo justo. Não é verdade. O nosso padrão de desigualdade é tão estrutural e os marcadores de território, de raça, de gêneros são tão fortes que é preciso ter ao longo do tempo educacional obrigatório, que são os 12 anos de formação da educação básica, estratégias explícitas de ação afirmativa, tudo incluindo apoio financeiro. Isso gera igualdade e oportunidade.
Para enfrentar o problema de brancos e negros tem que existir uma contrarreferência na política social, na política de saúde. É preciso construir um arcabouço regulatório e de governança sem substituir as funções de ninguém. Portanto, uma diretora de escola não é responsável pela política social, mas uma diretora de escola é responsável pelos seus estudantes. A questão-chave é que o governo, em uma visão intersetorial, deveria estar responsável por esses estudantes e endereçar para os estudantes mais vulneráveis não só políticas de ação afirmativa a partir da educação, como bolsa permanência, mas também política de ação afirmativa a partir da assistência social, a partir da área da saúde e olhar a integralidade da vulnerabilidade desses estudantes nos territórios concretos.
Para ter uma política universal, com educação de qualidade e para todos, é preciso redesenhar a política educacional nessa direção e redesenhar a política social também com essa ambição. É óbvio que teremos outros ganhos, como aumentar em muito a probabilidade de que os estudantes concluam o seu ciclo com êxito, ou seja, aprendendo aquilo que é esperado que eles aprendam. Quando a gente fala de educação de qualidade para todos significa que todos com a idade adequada aprendam aquilo que é esperado naquela faixa etária. Quanto mais tempo essa criança, esse adolescente passar na escola, melhor, mas não para fazer só repetição de exercícios de matemática, mas tendo uma abordagem integral e integradora de seu desenvolvimento, como de competências emocionais, sociais, morais e de cidadania.
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A Secad tinha explicitamente essa intenção de trazer para dentro da política educacional a responsabilidade de enfrentar as desigualdades. Para isso, era fundamental reconhecer e valorizar a diversidade, a diversidade dos públicos que estão sendo colocados, a diversidade regional, identitária, diversidade local. A intenção dessa completude era consoante com a ideia de que as configurações específicas de vulnerabilidade e pobreza são distintas e, portanto, preciso endereçar a política educacional para que ela tenha diálogo específico e não genérico com os vários componentes dessa desigualdade, para de forma explícita reduzir essa estratégia.
O que a gente vê ao longo do ciclo, fazendo um recorte, é que foram fortalecidos os núcleos de estudos afro-brasileiros nas universidades públicas. Associado a isso, uma outra política, que não era da Secad, é a política de cotas, que conseguiu colocar a estratégia de cotas nas redes públicas e depois universidades públicas, criou uma nova geração de intelectuais negros e de intelectuais indígenas absolutamente relevantes na produção de conhecimento e na própria política dos últimos anos.
É um governo [do Bolsonaro], em particular no Ministério da Educação, que desmontou quase todos os ganhos do processo democrático pós-constituinte. Portanto, não só a agenda da Secad – em várias outras dimensões eles desmontaram -, me pareceu coerente diante dessa visão obscurantista e negacionista, interromper estratégias educacionais que tinham uma visão explícita de enfrentar a desigualdade.
Independentemente se vai existir ou não uma nova Secad, o desafio democrático é reconfigurar as trajetórias de uma política educacional efetiva e compromissada com todos. Tem uma frase da Cláudia Werneck fundamental: Quem cabe no seu todos? [título de um livro dela]. A grande função é que para indivíduos, e de forma muito mais grave para os atores da política pública e da política educacional, quando se anuncia a palavra ‘todos’, nem todos lá estão. E para que todos lá estejam é fundamental uma estratégia explícita de enfrentamento da desigualdade. Tornar tangível essa estratégia explícita de enfrentamento de igualdade passa por caminhos de ações afirmativas, passa por estratégias que estavam na Secad e a gente precisa recuperar isso.
*Em 2011 foi adicionado o eixo ‘inclusão’ e a sigla se transformou em Secadi
O Instituto Unibanco está dedicado ao desenvolvimento de lideranças educacionais, com estratégias de gestão na sua plenitude, que tem a ver com gestão administrativa e financeira, gestão de logística, gestão relacional, gestão de pessoas, mas, sobretudo, com ênfase na gestão pedagógica. E nessa visão de gestão como um todo desenvolvendo competências e habilidades nos gestores do sistema, nas secretarias, nas regionais e dentro da escola – o que não quer dizer só a diretora ou diretor da escola.
O que a gente faz é trabalhar focados em redes estaduais de ensino, portanto, ensino médio. Estamos em 11 estados, atingindo quase 20% da matrícula do ensino médio do país. Em todos os estados em que a gente já fez avaliações de impacto, vimos aumento da aprendizagem naquilo que é possível medir em português e matemática, vimos resultado de redução da evasão. Em todos os estados que são heterogêneos, tanto do ponto de vista socioeconômico como institucional, vimos redução da desigualdade entre escolas e redução da desigualdade intraescolas, ou seja, conseguimos ser parceiros de redes públicas de modo a tornar efetivo e demonstrável que a boa gestão a partir de bons líderes é capaz de incidir sobre todas as dimensões relevantes do desenvolvimento pleno e integral do estudante.