NOTÍCIA
Com a voz emocionada, a professora Renata Batista utiliza comparações da biologia para descrever a gestão de uma instituição de ensino. “A escola é um organismo sensível, que levou muito tempo para gestar e crescer. Se não cuidarmos atenciosamente de cada detalhe, ela adoece e […]
Publicado em 10/03/2023
Com a voz emocionada, a professora Renata Batista utiliza comparações da biologia para descrever a gestão de uma instituição de ensino. “A escola é um organismo sensível, que levou muito tempo para gestar e crescer. Se não cuidarmos atenciosamente de cada detalhe, ela adoece e morre.” Renata é a mantenedora do Colégio Educar, de Guarulhos, SP, que recebe estudantes do ensino infantil ao ensino médio, e se viu numa situação desafiadora nos anos de 2020 e 2021, período das fases mais intensas da pandemia da covid-19 e que impulsionou para uma crise nas escolas particulares.
Redes sociais colocaram gestores escolares em crise
A pandemia evidenciou uma crise que atingiu a educação brasileira de um modo geral, da básica à superior. Nas escolas que sempre foram dirigidas por famílias, o fundador legava aos seus descendentes, que tratavam de fazer crescer, ou às vezes acabar com o negócio. Por exemplo, a Universidade Nove de Julho, Uninove, nasceu na zona norte da cidade de São Paulo como uma escola de datilografia. Hoje é uma gigante.
Mas os colégios de educação básica enfrentam batalhas em várias frentes. A queda da natalidade, a concentração com vários grupos adquirindo escolas de tamanho médio visando o ganho em escala, e a pressão para segurar a correção das mensalidades. O objetivo agora é chegar aos números de alunos da pré-pandemia. As creches e pré-escolas privadas saíram de 2,5 milhões de alunos em 2019 para 1,9 milhão em 2021. O levantamento em 2022, no entanto, mostra um caminho para a recuperação, com aproximadamente 2,4 milhões de alunos registrados, segundo o Censo Escolar, elaborado pelo Inep.
Não foi uma situação isolada. As consequências negativas para o processo educacional, assim como a disseminação do coronavírus, foram globais. Segundo dados da Unesco, a pandemia afetou as rotinas de mais de 1,5 bilhão de estudantes no mundo. Um dos mais tradicionais colégios do país, o Liceu Coração de Jesus foi fundado em 1885 em São Paulo com o apoio da princesa Isabel. Na unidade estudaram, por exemplo, o ator Grande Otelo e o cantor Toquinho. O colégio chegou a ter mais de 3.000 alunos e ofereceu até mesmo cursos de graduação, mas há cerca de 20 anos sofre com a insegurança do local. Localizado na Cracolândia, na capital paulista, não restou outra alternativa. Fechou suas portas este ano.
No Brasil, a interrupção necessária das aulas presenciais, a migração de parte dos trabalhadores das famílias ao regime de home office e a insegurança econômica familiar tiveram reflexo no universo educacional, com o fechamento de unidades, vendas de escolas e redução no número de turmas. O impacto foi ainda maior na educação infantil.
Movimento semelhante também é visualizado no número comparativo de estabelecimentos desse mesmo perfil. Em 2019, o país compreendia 114,8 mil escolas de educação infantil. Em 2021, no auge da pandemia, o cenário já mostrava uma redução para 112,9 mil delas. O Censo 2022, por sua vez, revelou crescimento, com um total de 113,4 dessas instituições.
Como consequência dos mais de 12 meses sem permissão para realizar aulas presenciais nas escolas, por conta da covid, cerca de 30 instituições privadas fecharam as portas na capital baiana, segundo informações do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado da Bahia (Sinepe). O porta-voz da entidade que representa escolas particulares no estado, Jorge Tadeu, diz que a pandemia foi o estopim que explodiu nas que já enfrentavam dificuldades. Ele confirma que as unidades de ensino de pequeno e médio porte, focadas no ensino infantil, lideram a lista das mais atingidas pelo cancelamento de matrículas no período de pandemia.
Na visão do presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Bruno Eizerik, o que o cenário educacional infantil apresenta no país é algo já consolidado no ensino superior.
“É um processo que ainda está começando na educação básica, mas que avançou muito nas faculdades e universidades”, destaca o presidente da Fenep.
O professor refere-se à tendência de grandes grupos de educação adquirirem a operação de outras unidades. “O mercado é assim, não existe uma proibição, está ligado à oferta e à procura – no ensino superior, o cenário já está consolidado onde o que se vê é um grande comprando outro grande”, ressalta.
Bruno integrou um movimento organizado pela abertura das escolas com atuação nos diversos estados da federação, buscando que os respectivos órgãos governamentais conduzissem essa retomada das atividades – ele lembra que o primeiro a aderir foi em Manaus, e os últimos, as instituições de Minas Gerais.
Outro ponto que a Fenep observa no período da pandemia relaciona-se às questões financeiras. “Foi um momento de cautela, em que orientamos os gestores a não concederem descontos lineares, ou seja, de valores idênticos para todos de uma turma, mas que a realidade de cada estudante fosse analisada”, diz. Segundo o dirigente, existem gestores que, até agora, estão se recuperando dos efeitos de reduções excessivas das mensalidades.
A educação brasileira não está em crise
O presidente da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), Arthur Fonseca Filho, concorda com a análise. “Nossos associados não sofreram consequências maiores. Quem teve mais problemas foi a educação infantil, numa faixa econômica menor”, explica.
Ao fazer uma análise na revista Ensino Superior, o cientista digital e professor Maurício Garcia lembra que a população em idade universitária está decrescendo, “as matrículas no ensino médio em queda, financiamento estudantil limitado, queda nas ações das empresas de capital aberto, guerra de preços se acentuando. Ou seja, o cenário para o ano deverá seguir pressionando as instituições, que continuarão a ser impactadas com a redução da demanda e a queda nas receitas”.
Uma ‘chuva’ de inadimplentes, revolta de pais e resistência aos processos digitais para o ensino remoto. Essas são algumas das agruras vivenciadas pela mantenedora Renata, do Colégio Educar, durante os meses mais duros do isolamento social. “Vivemos um desespero que levou ao esvaziamento da educação infantil e das séries iniciais, principalmente até o primeiro ano”, conta.
Outro obstáculo relatado foi a falta de suporte para a operação e prática docente naquele momento. “Inúmeras pessoas e empresas fazendo mais do mesmo, de forma simples e mecânica; havia falta de experiências de sucesso, pois foi um contexto novo para todo mundo.”
Hoje, quem passa pela instituição no bairro Jardim Presidente Dutra ouve os sons de uma escola viva, evidenciada pelo barulho das vozes de seus alunos. Mesmo com a redução de turmas que foi registrada no epicentro da crise sanitária, continuou a funcionar. “Quem segurou para mim esse período foram os matriculados do fundamental 2 e do ensino médio; ter prédio próprio também ajudou, pois acredito que, caso não fosse, também teria fechado as portas, pois perdemos muitas salas de aula”, relata.
A mantenedora fala com alívio e a emoção de quem, como ela mesma disse, conseguiu resistir. Reflete ainda sobre as palavras que ouviu na recente visita a São Paulo do pesquisador português António Nóvoa: “Não tem lugar como a escola – é insubstituível; e a pandemia só revalidou o quanto esse chão escolar é importante na vida desses estudantes”, conclui.
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