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O bolo aumentou, mas a divisão das fatias segue em busca de um modelo equilibrado. A aprovação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2020, estabeleceu um crescimento progressivo da quantidade de dinheiro […]
Publicado em 14/07/2023
O bolo aumentou, mas a divisão das fatias segue em busca de um modelo equilibrado. A aprovação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2020, estabeleceu um crescimento progressivo da quantidade de dinheiro depositado por parte da União. Mas, junto dos novos recursos, vieram uma série de novas regras. Se antes as secretarias estaduais e municipais não precisavam tomar nenhuma ação para receber sua parte, agora, quem quiser um pedacinho do dinheiro novo precisa agir. Muitas não se habilitaram para pleitear seu quinhão.
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Até 2020, a União entrava com mais 10% do total do valor depositado por estados e municípios na cesta do Fundeb. O valor passou para 12% em 2021, 15% em 2022, 17% este ano e vai crescer até 2026, chegando a 23%. Além do crescimento do aporte federal, o modelo de distribuição tornou-se híbrido. Para os recursos que já estavam disponíveis antes, ou seja, o total dos estados e municípios mais os 10% da União, nada mudou e a distribuição segue os moldes antigos. Os recursos que entrarem a partir daí estão sendo divididos em dois tipos de remessas.
A primeira complementação é o VAAT, valor aluno/ano total, que vai entregar dinheiro extra para municípios e estados com menos recursos disponíveis para educação. Dessa forma, os municípios mais pobres são os beneficiados. Outra parte destina-se ao VAAR, valor aluno/ano resultados, que depende de uma série de indicadores e políticas educacionais e pode ser recebida até pelos entes federados com mais dinheiro.
Nos dois casos, VAAT e VAAR, as secretarias estaduais e municipais precisam enviar documentos ao MEC para se habilitar a receber recursos. Isso exige em primeiro lugar uma mudança cultural, pois até então os recursos a que tinham direito simplesmente entravam na conta. O MEC fez vídeos explicativos e houve até consultorias lançando cursos para ajudar os gestores a completar os trâmites legais, num esforço mais do que justificado pelo montante disponível. Para este ano, o valor total a ser distribuído pelo país nas novas fórmulas é de R$ 1,7 bilhão.
A Constituição determina que cada município e estado aplique em educação 25% da sua arrecadação, mas, como é sempre um porcentual, às vezes isso pode ser muito pouco. “Tem regiões mais dinâmicas, que produzem mais. E, ao contrário, tem regiões que produzem menos. Em 2015, tinha município em que 25% representariam R$ 900 por aluno no ano todo; em outro o valor seria de R$ 20 mil por aluno”, exemplifica a consultora educacional da Confederação Nacional de Municípios, Mariza Abreu, que já foi secretária municipal e estadual de Educação.
Desde 2007, todos os entes federados depositam recursos no Fundo, depois distribuídos pelas secretarias. O elogio à existência do Fundeb como política de promoção da equidade é praticamente uma unanimidade entre especialistas em educação no Brasil. Ainda assim, como há dinheiro para a educação que fica fora do Fundeb, as diferenças se mantinham enormes. Segundo uma compilação de dados do Instituto Unibanco, em 2019, apenas dentro do estado de Minas Gerais, a diferença de gastos entre as redes com menor e maior valor por aluno era de cinco vezes.
Portanto, a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos distributivos também era amplamente reconhecida. “O novo Fundeb é positivo por aumentar os recursos e o efeito redistributivo, mas ficou mais difícil, a operacionalização virou um problema”, alerta Mariza.
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Os recursos do VAAT estão sendo destinados a municípios pobres. O mecanismo anterior do Fundeb previa uma complementação para os estados mais pobres e, dentro dos estados, esse dinheiro era distribuído para municípios. Desta forma, cidades com poucos recursos dentro de estados com alta arrecadação ficavam de fora. Agora, elas também podem ser contempladas.
“Esses valores vão para as redes mais frágeis. O cálculo considera todas as fontes de recursos aplicáveis do município, para além da cesta do Fundeb, como o IPTU, os repasses do ISS. E olha independentemente de em qual estado o município se encontra. Este ano, quatro municípios dentro de São Paulo recebem o VAAT”, explica César Callegari, presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada e ex-secretário de Educação Básica do MEC.
Para se habilitar ao VAAT, cada município, estado e Distrito Federal — são 5.592 no total — precisa incluir seus dados contábeis no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi)/Tesouro Nacional e no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope)/FNDE até 31 de agosto. No ano passado, cerca de 70 não se habilitaram. Este ano, há temores de que esses números cresçam. Faltando três meses para o fim do prazo, cerca de metade ainda não havia enviado dados. Quem perder o prazo fica inelegível para a completação em 2024.
O dinheiro do VAAR está vinculado a cinco pré-requisitos e análise dos resultados, o que nem sempre é de fácil mensuração. Além disso, depende de vários atores fora das secretarias de Educação. Uma das condições é a legislação estadual para a distribuição de uma fatia do ICMS para a educação entre os municípios.
Este ano, nenhum dos municípios de Minas Gerais pôde receber recursos do VAAR porque o governo estadual não aprovou o ICMS Educacional. Segundo cálculos da secretaria estadual mineira, as escolas do estado ficaram sem acesso a verbas de R$ 160 milhões; nos cálculos da Associação Mineira de Municípios, a perda ultrapassou o valor de R$ 1 bilhão. O estado do Rio de Janeiro também não aprovou a lei a tempo, mas, como já havia um projeto em tramitação que acabou barrado por causa de uma ação judicial, o MEC aceitou habilitar os municípios, deixando apenas a rede estadual de fora.
Mesmo com a parte da legislação estadual resolvida, atender a todos os pré-requisitos foi um desafio para as secretarias. Apesar de já ter concursos públicos para os cargos de diretores de escola, a gestão da secretaria de Guarulhos, estado de São Paulo, ficou na dúvida se bastava isso para atender aos ‘critérios técnicos de mérito e desempenho’ exigidos pelo MEC na condicionalidade 1. “Houve dúvidas na interpretação da lei. Foi preciso estudar, pesquisar, ter a clareza de que atendíamos a tudo e, assim, conseguir a segurança de buscar os recursos”, conta o diretor do Departamento Orçamentário da Secretaria de Educação, Eduardo da Silva Tavares.
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Outra dificuldade é que as demandas para se habilitar ao recurso extra do Fundeb abrangem um espectro amplo, de leis e orçamentos e até documentos curriculares. “Coube a mim ir pinçando junto com os profissionais dos vários departamentos o que eu precisava. É importante ter alguém para ‘juntar as peças’, porque os servidores às vezes têm uma atuação muito segmentada”, afirma. Eduardo Tavares lembra ainda que houve problemas com os sistemas informáticos. Mais de 2 mil municípios precisaram reinserir seus dados porque eles não foram gravados da primeira vez.
Os esforços de Guarulhos renderam bons frutos: a cidade ganhou R$ 14 milhões do VAAR. “Estávamos avançados nos requisitos e conseguimos fazer todas as adequações necessárias”, conta o secretário de Educação Alex Viterale. A rede municipal tem 120 mil estudantes, 8 mil servidores, 157 escolas de administração direta e 94 creches conveniadas e conta com um orçamento total estimado em R$ 1,6 bilhão. Apesar do alto valor total, o secretário garante que toda verba extra é bem-vinda. “Em que pese o orçamento saltar aos olhos, ainda assim não é suficiente para atender como gostaríamos. Só com uniforme, investimos R$ 45 milhões; com o programa leite em casa, mais R$ 40 milhões”, cita Alex Viterale.
Dentre os habilitados, em 2023 os recursos da complementação com base em resultados beneficiaram no país 1.923 redes de ensino, sendo 1.908 municipais, 14 estaduais e a rede do Distrito Federal. Contudo, ninguém sabe exatamente as razões de terem sido contemplados ou ficado de fora do aporte. “É uma caixa preta, ninguém entendeu a nota técnica que recebeu”, diz Mariza. Se o gestor não sabe exatamente em qual medida falhou, não pode ter ação sobre ela.
Ainda que a distribuição do VAAR tenha ficado nebulosa, é inegável que as condicionantes induzem a práticas benéficas para a educação. “Ele induz que se tenha um sistema de nomeação de diretores com base em critérios técnicos, que se tenha um currículo próprio alinhado com a BNCC”, cita César Callegari.
A nomeação técnica de diretores estava prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) desde 2014, mas na prática, só teve efeito quando se atrelou à distribuição de recursos à medida que as redes passaram a se movimentar.
“Quando vira condicionalidade para receber dinheiro, todo mundo tem de fazer. Se não fizer, está abrindo mão de recursos — e a população, os vereadores e até os Tribunais de Contas podem cobrar isso agora”, afirma Mariza.
Pela lei, as regras do Fundeb devem passar por uma atualização até o final deste ano, uma oportunidade para que alguns pontos sejam clarificados. Muitos gestores educacionais esperavam também uma discussão sobre os valores repassados de acordo com o tipo de matrícula — há diferenças entre os valores se a matrícula é de infantil, fundamental ou médio, se é em tempo integral ou parcial, se é de educação especial ou ensino técnico.
Contudo, até o momento, o tema não aparece na pauta do MEC, nem do Congresso. Talvez o caminho vá ser apenas a renovação das regras atuais por mais dois anos. Até lá, muito estudante continua sem acesso ao seu pedaço adicional do bolo.
Discute-se atualmente se os recursos destinados à educação devem ser limitados pelas políticas econômicas do novo marco fiscal. Grosso modo, o projeto em discussão no Congresso prevê metas fiscais que representam um corte nas despesas do governo na ordem de quase R$ 40 bilhões no Orçamento de 2024.
Inicialmente, o Fundeb seria poupado dos mecanismos limitantes de gastos e, dessa forma, seus recursos seguiriam a previsão que está na Constituição. Mas a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados inclui o Fundeb dentro dos mecanismos de freio. Atualmente, a complementação da União para o Fundeb está fora do teto de gastos, regra fiscal atual que limitou o crescimento das despesas à variação da inflação aprovada em 2016.