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Em 6 de julho de 2023, o Ministério da Educação encerrou o processo da Consulta Pública Online sobre o Novo Ensino Médio, recebendo mais de 100 mil sugestões e comentários sobre os rumos da última etapa da educação básica. A definição sobre o destino dos […]
Publicado em 07/08/2023
Em 6 de julho de 2023, o Ministério da Educação encerrou o processo da Consulta Pública Online sobre o Novo Ensino Médio, recebendo mais de 100 mil sugestões e comentários sobre os rumos da última etapa da educação básica. A definição sobre o destino dos três anos que antecedem o ingresso no ensino superior, no entanto, carece ainda de prazo. Da mesma maneira, o conteúdo do Enem para o ano de 2026 permanece uma incógnita. Os novos rumos só serão decididos após a análise das sugestões coletadas, o que, pela previsão inicial, levaria um mês para serem agrupadas e filtradas.
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O que poderia ser apenas um processo de definição curricular e de modelo pedagógico ganhou tintas de disputa entre educadores favoráveis e contrários à reforma, dissenso já manifestado quando de sua aprovação em fevereiro de 2017. Um ano e meio depois, em dezembro de 2018, no apagar das luzes do governo Temer, foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio. Veio então o governo Bolsonaro, que começou o processo de implementação da reforma sem que em momento algum ela fosse uma prioridade estratégica. Com a entrada em cena do governo Lula, as pressões pela sua revogação aumentaram e, tentando uma solução intermediária, o ministro Camilo Santana chamou a consulta pública.
Todo esse processo apenas reforça as imensas disparidades existentes no país. De um lado, as escolas privadas parecem majoritariamente favoráveis à reforma, já tendo implementado aquilo que, no universo público, está muito longe de se tornar verdade. Nas redes estaduais, apesar de os secretários em sua maioria também serem favoráveis, as condições de infraestrutura e principalmente de formação docente não dialogam com o novo modelo.
Em meio ao descompasso, não só professores, mas também as editoras que produzem materiais para o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) estão na corda bamba.
Entre os docentes, o ponto crítico principal é a área de ciências da natureza, que exigiria uma formação mais ampla em física, química e biologia. Para as editoras, há uma ameaça de desarticulação da engrenagem que produz materiais a cada ano para segmentos diferentes da educação básica. Em 2024, por exemplo, chegam às escolas os livros dos anos finais do ensino fundamental, cujo edital saiu em 2022. Em 2025, deveriam ser entregues aos estudantes do médio os livros feitos a partir do edital que deveria ser lançado em 2023.
Porém, segundo o Ministério da Educação, tanto esse edital como o Enem de 2025 dependem do que ocorrerá com a etapa agora. Se houver apenas uma revisão de aspectos mais críticos, o provável é que o processo seja empurrado um ano para frente. Ou seja, materiais e Enem permaneceriam os mesmos até 2025, e novos seriam preparados para 2026. Se a lei for revogada, os prazos se alongam ainda mais, pois uma nova versão terá de ser submetida ao Congresso.
Se a opção de empurrar para 2026 se concretizar, mesmo assim haverá impacto na cadeia produtiva dos didáticos, pois 2025 teria apenas a reposição de materiais. Além disso, para o ano seguinte é possível que três editais sejam realizados concomitantemente: para a Educação de Jovens Adultos (EJA), educação infantil e ensino médio, com escassez de trabalho em um ano e acúmulo no outro.
Flávia Alves Bravin, vice-presidente da Abrelivros (Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional), que agrega os principais representantes do setor, diz reconhecer a importância da consulta pública e que o debate fará com que todos saiam fortalecidos. Mas mostra apreensão quanto ao prazo e o impacto do adiamento.
“Com o prolongamento da tomada de decisão, fases importantes que vêm na sequência terão menos tempo de planejamento, execução e refinamento. Caso a opção seja por soluções mais complexas, com a necessidade de elaboração de uma nova lei, agravaremos esta situação: o prazo para conclusão aumenta significativamente e também os impactos.” Por esses motivos, para ela o melhor caminho é a reformulação parcial.
Mesmo que haja apenas uma remodelação parcial do novo ensino médio, restam duas grandes dúvidas para a reformulação dos materiais, segundo Ângelo Xavier, diretor editorial da Moderna e presidente da Abrelivros. “Que modelo de livro vai para a sala de aula: disciplinar ou por área do conhecimento? E o MEC vai oferecer os itinerários formativos?”, pergunta, lembrando que a proposta dos itinerários aumenta a complexidade da oferta.
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No âmbito das escolas privadas, o temor é não saber qual Enem os estudantes farão em 2025. Em tese, 2024 seria o último ano calcado no atual currículo. “A grande tensão que existe hoje no mercado privado é estar preparando os alunos para o alvo errado”, diz Mario Ghio, presidente da Abraspe (Associação Brasileira de Sistemas de Ensino e Plataformas Educacionais).
Segundo Ghio, ex-diretor da Somos, a reforma vinha caminhando bem, mas agora há discordância entre escolas e famílias, estas últimas sempre preocupadas com o ingresso no ensino superior. “De resto, os maiores problemas foram as disciplinas eletivas, com algumas ofertas pseudoprofissionalizantes, e a sensação de desprestígio dos professores de algumas áreas, como sociologia e filosofia.”
Para Luiz Tonolli, diretor editorial da FTD, empresa que participa do PNLD, mas também faz materiais para a sua rede de escolas, “a revisão é necessária e está dando voz às pessoas que reagiram a esse modelo”. Em sua percepção, as escolas privadas, por terem maior autonomia, acabam acrescentando conteúdos adicionais aos previstos pela lei, aumentando a defasagem do ensino público.
Apesar de acreditar que a maioria da rede privada aderiu ao novo modelo, Ghio também diz que as escolas de excelência continuam a ministrar os mesmos conteúdos antes previstos, às vezes apenas dividindo-os entre aqueles obrigatórios e os itinerários formativos, novidade da reforma. “Adaptações são necessárias, mas defendemos que o modelo continue”, diz.
No acompanhamento que faz das escolas privadas, o que menos tem funcionado é a área de ciências da natureza. “Os professores têm formação específica, não por área do conhecimento”, diz. Tonolli acrescenta, lembrando que já no PNLD de 2021 essa divisão estava prevista e foi um problema: “Fizemos materiais para um professor que não existia. Sem formação específica, não há professor que domine bem as três áreas”, opina.
Érika Caldin, gerente editorial da Editora do Brasil, segue na mesma linha. “É necessária uma revisão do ensino médio, e esse processo pode ser demorado. Depende de formação de professores para o novo modelo, investimentos nas escolas, além de adequação dos editais de PNLD. Os materiais didáticos são um excelente suporte para o professor, mas é preciso ter um modelo bem estruturado para que as editoras possam entregar materiais que realmente o auxiliem nessa transição.”
Como já era previsto em vista do pouco capital investido pelo governo federal já a partir de 2017, além da desestruturação técnica pela qual passou o MEC durante o governo Bolsonaro, quando muitos profissionais deixaram seus quadros, o processo de implementação da lei, gostando-se dela ou não, foi precário.
Regulamentações e diretrizes ficaram pendentes, como é o caso dos itinerários formativos, que foram concebidos apenas nos estados, sem diretrizes federais, importantes inclusive para dar mais organicidade ao que se ensina no país.
O jeito, em algumas situações, foi fazer a oferta digital de conteúdos, como a realizada pela Editora do Brasil para os itinerários. Os materiais estão disponíveis em uma plataforma e sua impressão é feita sob demanda, assim como alguns materiais das disciplinas tradicionais.
Essa falta de definições acaba por repercutir em cadeia, como lembra Tonolli. “Além da exoneração de funcionários da área jurídica, houve problemas também nas áreas gráfica e financeira. Contratos assinados em 2021 só foram pagos em agosto de 2022, meio tempo em que o preço do papel aumentou em função da guerra da Ucrânia”, lembra.
Tudo isso sinaliza para problemas que afetam a gestão pública como um todo no Brasil: a descontinuidade de políticas e a carência de corpos técnicos mais estáveis. Por isso, as três últimas mudanças de poder acabaram resultando em rumos distintos para o ensino médio, com o vento a cada hora fazendo com que a biruta apontasse para um lado.